terça-feira, 25 de outubro de 2022
Análise do poema "Confiança", de Agostinho Neto
O poema está
escrito na primeira pessoa do singular (“fui”, “me”, “mim”, etc.), o que nos
permite entender que o «eu» poético representa a voz do povo angolano.
A quintilha
inicial introduz o sentimento de não-pertencimento e apresenta o oceano como o
responsável pela separação de si: “O oceano separou-me de mim / enquanto me fui
esquecendo nos séculos”. Estes versos sugerem, desde logo, a ideia de cisão do
sujeito lírico com a identidade, comum ao povo africano, visto que, a partir do
contacto com a cultura europeia, as suas tradições são reprimidas, passando a
um não-pertencimento, a um entre-lugar, a um não pertencer a isto nem àquilo.
De facto, o negro não faz parte da primeira cultura (a de origem) nem da
segunda (a estrangeira, a europeia). Isto é fomentado pelo mar / oceano, o
agente da transição de culturas e da transformação do negro colonizado num ser
híbrido, dado que o coloca em contacto com a cultura do colonizador. Para o angolano,
o mar é um elemento negativo, causador de dor e sofrimento, pois foi através
dele que veio o colonizador e que, posteriormente à chegada deste, partiram
muitos africanos rumo à escravatura e ao trabalho de contrato (sem haver a
previsão e a certeza do retorno). Além disso, foi no mar que ocorreram muitas mortes
durante estas viagens. Assim sendo, o oceano é apresentado como aquilo que
rompe com o conhecido e como a divisória entre o velho e o novo.
A noção de
passado e presente, de passagem do tempo é visível no uso de termos como “século”
(v. 2), “presente” (v. 3), “tempo” (v. 5) e “história” (v. 6). Neste contexto,
é importante observar a ideia de que o «eu» poético se foi esquecendo de si
mesmo nos séculos, ou seja, foi perdendo a sua identidade ao longo do tempo,
por causa do contacto com o europeu e, sobretudo, ao facto de ter sido
explorado pelo colonizador. Por outro lado, afirma que, no presente, está a
reunir em si o espaço e a condensar o tempo, remetendo para esse terceiro ser
que resultou da fusão entre a cultura africana e a cultura europeia. Essa ideia
de união é traduzida pelo verbo «reunir», que significa “unir de novo”, ou
seja, o que existe no presente é a reunião de tempos distintos, isto é, a
junção do que havia em África e do novo trazido pelo europeu.
A
ambiguidade em torno da identidade do «eu» é reforçada na segunda estrofe: “Na
minha história / existe o paradoxo do homem disperso”. Estes dois versos
reforçam e reafirmam a necessidade presente de reunir o que há em si.
O terceto
seguinte é dominado pela figura do paradoxo, nomeadamente entre «sorrisos» e
«dor», representando a situação do negro que é explorado e trabalha para a
construção da riqueza europeia: “Enquanto o sorriso brilhava / no canto de dor
/ e as mãos construíam mundos maravilhosos”. O negro sofre (“dor”) enquanto é
explorado e trabalha para a alegria (“o sorriso”) e a riqueza do europeu (“as
mãos construíam mundos maravilhosos”).
A quarta
estrofe introduz um exemplo concreto dos sofrimentos a que o africano estava
sujeito, nomeadamente através da descrição de atos de violência física (“John
foi linchado”, “o irmão chicoteado”) e social (“a mulher amordaçada”, “o filho
continuou ignorante”). Atente-se no nome escolhido para uma das figuras do
exemplo: “John”, um vocábulo de origem inglesa, atribuído a um homem africano
de um país colonizado por Portugal. Isto representa a noção de transposição
cultural, reforçando-se, assim, a ideia de repressão e de afastamento da
cultura nativa, original. Por outro lado, a figura do chicote (“o irmão
chicoteado nas costas nuas”) simboliza o sistema colonial, que dele se socorria
para castigar violentamente o negro e o tornar obediente, submisso e servil. A “mulher
amordaçada” representa a ausência de liberdade, a ausência de voz na sociedade
por parte da mulher, bem como a forma como era privada de participar nas
atividades culturais de raiz do colonizado. Quanto ao filho, simboliza a
perpetuação da situação no futuro: a ausência de conhecimento da sua origem, de
quem é no presente e a educação para o trabalho braçal, perpetuando o que é o
presente e a vida dos pais e avós.
Análise do poema "Partida para o Contrato", de Agostinho Neto
O título, “Partida
para o Contrato”, aponta desde logo para a temática da partida, da viagem,
através do mar, de alguém, neste caso para o contrato, que consistia numa espécie
de trabalho semiescravo, a que muitos colonizados se sujeitavam por não haver
outras formas de sustento durante o período de colonização.
A primeira
estrofe, um dístico, remete desde logo para o sofrimento vivido durante uma
despedida, sofrimento esse refletido pelo rosto da pessoa, tanto da que parte
como das que ficam De facto, o rosto reflete o estado de espírito (“retrata a
alma”), caracterizado (“Amarfanhada”) pelo sofrimento. Atente-se na
expressividade do particípio adjetival «amarfanhada». O verbo «amarfanhar»
significa “criar vincos ou pregas”, “amarrotar”, “amachucar”, o que significa
que, de facto, os rostos daquelas pessoas patenteavam marcas físicas do
sofrimento que sentiam.
A segunda
estrofe identifica a pessoa que parte (Manuel), o momento/tempo em que sucede (“Nesta
hora de pranto / Vespertina e ensanguentada”), o local para onde se dirige (a
ilha de São Tomé), o espaço da travessia (o mar) e quem deixa para trás,
possivelmente a mulher amada (“Manuel / o seu amor”).
A terceira
estrofe, um monóstico, é constituída por uma interrogação (“Até quando?”), que
traduz a voz da mulher que fica à espera de Manuel, magoada, desamparada, sem
qualquer noção de quando ele regressará ou se regressará.
A estrofe
seguinte situa-nos numa praia, caracterizada pelo horizonte, pelo sol e pelo barco
que se afogam no mar. A presença do sol, um elemento que indica luz,
luminosidade e calor, e da embarcação, o veículo que transporta Manuel, que
indica movimento e que representa deslocamento, formam a visão que a mulher tem
daquele momento: a sensação de que se está a afogar com a despedida e de que a
sua dúvida, a sua interrogação, não terá resposta. Por outro lado, a presença
da forma verbal «afogam» indicia a presença da morte: os barcos naufragam e os
que neles viajam correm o risco de se afogar, de morrer. Perante este panorama,
o «eu» poético, ao aludir à presença da noite e/ou da escuridão, enfatiza a
tristeza e o sofrimento da mulher (“escurecendo / o céu escurecendo a terra / e
a alma da mulher”).
O terceto
que se segue é todo dominado pela cor negra: “Não há luz / não há estrelas no céu
escuro / Tudo na terra é sombra”. O mesmo sucede nos dois dísticos que encerram
o poema: “Negrura / Só negrura…”. Ora, esta ausência de luz é muito
significativa, pois sugere que não há alegria na vida daquela mulher, nem
sabedoria ou conhecimento (“não há norte na alma da mulher”). A pessoa que não
tem norte é alguém que está sem rumo, que perdeu a direção ou o caminho, que
está confuso e inseguro. Assim se sente a mulher sem o seu amado Manuel. Apenas
resta a cor negra, que sintetiza o sentido de ser negro como aquele que sofre.
A repetição de palavras que remetem para a ideia de escuridão enfatiza a
tristeza da mulher e a dúvida que sente se o tornará a ver, que se espalham com
as ondas do mar, levando as certezas e a alegria.
O «eu»
poético coloca-se, no poema, como observador privilegiado da cena da partida e
dos efeitos que a mesma acarreta para a mulher. Ora, este tópico constitui um
traço identitário dos africanos, neste caso expresso através da descrição dos
sentimentos de uma mulher apaixonada, que traduz o sentimento coletivo
experimentado por todos aqueles que tiveram de passar por um momento ou uma
situação análoga. Note-se, por outro lado, que o mar simboliza um espaço de
dor, de separação (já era assim, por exemplo, nas cantigas de amigo), de
incerteza e a linha que divide o que é familiar e o que é estrangeiro.
domingo, 23 de outubro de 2022
Na aula (XLIV): unidades confusas
O miligrama é uma unidade de peso que representa a milésima parte do metro.
Marta T.
Análise do poema "A Mãe d'Água", de Gonçalves Dias
Análise do poema "Juca Pirama", de Gonçalves Dias
Análise do poema "O baile", de Gonçalves Dias
Análise do poema "Se se morre de amor!"
Análise do poema "Ainda uma vez - Adeus!", de Gonçalves Dias
Conclusões sobre Iracema
- Necessidade de construir um poema, sabendo que na tradição literária, a forma poética é a forma por excelência de narrar as origens da nacionalidade.
- Integração da língua índia, que se torna fundamental na construção da nacionalidade.
- Intuito nacionalista: Alencar sente necessidade de se desenvolver uma literatura específica do Brasil, o que é também um dos itens do Romantismo.