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sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Características do Neoclassicismo

    O Neoclassicismo é um retomar da estética clássica. A ideia de que o Classicismo consiste na imitação dos autores greco-latinos é já uma característica que deriva de um núcleo de ideias da estética clássica. Algumas dessas ideias configuram-se na luta contra o Barroco. Eram tão nítidos os excessos do Barroco, que vários críticos começam a dar-se conta de que se haviam afastado muito dos antigos moldes com a nova arte cheia de ornamentos, com a variação de ideias ilógicas. Ignorava-se o conteúdo da poesia.

    Por parte dos cultores do Barroco não havia a consciência de que tinha havido uma quebra em relação aos cânones clássicos. Esta consciência apenas surgiria ao longo da primeira metade do século XVIII em Portugal.

    Há um sentido profundo do Neoclassicismo que nasce daqui, desta ideia de que o remédio contra a perversão do gosto estava no regresso aos antigos, à lição genuína dos modelos greco-latinos, mas imitá-lo segundo a fúria nacionalista que se vivia.

    Ao estabelecermos uma poética do Classicismo (que serviu de programa estético para os neoclássicos), esta apresentaria os seguintes princípios:

        1) Imitação dos modelos (autores) greco latinos (como já foi dito, esta imitação não deve ser entendida como pura idolatria): é uma imitação  à luz dos princípios da época. Era dado assente que os clássicos tinham contribuído para o  alcance do belo universal e intemporal. Esta é uma das principais características derrubadas pelo Pré-Romantismo.
    A imitação, contudo, não devia impedir a criação. Trata-se de seguir voos mais seguros, que seguissem rumos propostos pelos antigos, pois assim havia uma referência cultural. Em Portugal, este princípio acabou por se manifestar também na imitação de autores clássicos portugueses (por exemplo, Camões e António Ferreira.

            2) Universalidade racional do belo.
    A luz da razão é que deve dominar na criação literária. Por detrás do Classicismo está uma certa convicção (exaltação) racional. O Classicismo vai adotar a doutrina filosófica de Aristóteles sobre a criação, que devia ter por base a razão, o trabalho (estudo) e a cultura (o conhecimento). Não há aqui nada que se pareça com a imaginação ou espontaneidade do criador. Esta noção de estética da criação vai subentender também o apuramento e a correção. A beleza consegue-se através de princípios rígidos e universais. É a racionalidade que define o gosto do belo, daí ser impossível separar o intelectualismo da universalidade e intemporalidade do belo. É uma beleza justificada racionalmente. Contudo, pode-se criar,  mas sempre com base em princípios racionais e na imitação dos clássicos. Segundo os clássicos, a razão seria universal, intemporal e imutável ao longo dos tempos.
    Estes dois princípios são uma espécie de macro-princípios.

            3) Princípio da verosimilhança.
    Para o Classicismo, a arte deve obedecer à razão, logo deve representar o que é verdadeiro. Para os neoclássicos, a arte não deve representar todo o verdadeiro, mas o verosímil, daí afastando tudo o que seja irreal. Ser verosímil implicava que se exprimisse o que dentro de um plano  verdadeiro fosse típico. Devia pôr-se de lado o que se apresenta como pitoresco. Nada de literatura fantasista.

            4) Princípio da mimese (imitação) da natureza.
    A arte devia ser entendida como uma imitação da natureza.
    Este princípio está ligado ao segundo princípio. Com efeito, detrás da estética clássica está a ideia de que o belo, determinado pela razão, há de ser universal e igual em todas as épocas.
    A racionalidade conduziria a uma atividade essencialmente mimética. A imitação da natureza respeita a uma natureza própria: o homem, enquanto senhor da natureza, devia preocupar-se em retratá-la, mas esta imitação não devia corresponder a uma simples fotografia ou a um puro decalcamento dessa natureza. Devia escolher-se o mais harmonioso e o mais positivo. Trata-se, portanto, de uma natureza seletiva e idealizante. Esta mimese procura na natureza os seus aspetos mais nobres.
    Além disso, no Classicismo há certos paradigmas que mudam: locus horrendus versus locus amoenus. Os lugares desejados têm a ver com a configuração de um lugar ideal.

            5) Intelectualismo.
    Este princípio está por detrás dos princípios anteriores.
    Traduz-se na subordinação aos princípios da razão, pois esta condicionava o juízo estético do bom gosto. A razão é que devia ajuizar o que era bom ou mau para a arte. Mas também é em resultado deste intelectualismo que se pode seguir a imitação dos autores greco-latinos e o primado das regras. Há a necessidade de conhecer os autores greco-latinos e as regras e isto conduz a um certo intelectualismo.
    As regras eram importantes para os clássicos, mas não tinham em si mesmas o seu fundamento; havia regras, porque elas seguiam o primado da razão.
    Por outro lado, os autores greco-latinos deviam ser imitados, porque foram os que estiveram mais próximos do belo universal e intemporal. Há a preocupação da procura do rigor formal de qualquer texto.
    Quer devido aos ditames da razão, quer devido à imitação dos autores greco-latinos, temos dois princípios:
. princípio das conveniências internas: exigência de uma coerência interna do texto;
. princípio das conveniências externas: adequação da estrutura interna ao público e às finalidades do texto. Isto subentende que o público, enquanto destinatário, já esperasse um determinado rigor ou temática, uma determinada linguagem ou personagens.
    No fundo, é desta regra geral que deriva a regra das três unidades: tempo, espaço e ação.
    Este princípio do intelectualismo fazia com que não houvesse contrastes violentos entre as diversas produções estéticas ou mesmo entre uma parte e outra da obra (coerência dos elementos internos da obra).

            6) Distinção dos géneros literários.
    Cada género literário implicava um certo padrão temático-estilístico, além de um conjunto de convenções a que devia subordinar-se. A inspiração dos poetas neoclássicos enveredou pela poesia didática.
    Os géneros preferidos, no caso português, são: poemas científicos e filosóficos: ode moral pindárica (Cruz e Silva); ensinamento da fábula (Bocage); poesia portuguesa de género.

            7) Função moral da literatura.
    Toda a literatura devia obedecer a um princípio ético e moral.
    Os neoclássicos vão interpretar este princípio à luz de um maior pragmatismo em relação aos clássicos. Entende-se neste princípio que a forma devia manter um equilíbrio entre a razão e o sentimento.
    Se, por um lado, vão imperar os aspetos da ética e do ensino de costumes, por outro lado, vão dominar os aspetos da crítica social e cultura. O caso do Neoclassicismo português vai sublinhar os aspetos da racionalidade e utilidade.
    Esta função moral da literatura é também uma forma de atribuir uma função social à literatura. Não é uma literatura moralista, mas serve a moral; não é uma literatura dogmática.
    O que está em causa nesta função pode exprimir-se numa expressão de Molière: "moral da autenticidade". Através dos retratos dados pela literatura, cada homem conhece-se melhor enquanto homem. É mais neste sentido que se deve entender a função moral da literatura.
    Em coerência com este princípio, a forma estética devia manter uma perfeita harmonia entre a razão e o sentimento.

            8) A não espontaneidade da criação literária.
    O Classicismo defende que o processo de formação literária é um processo progressivo, gradual, do texto, no qual a claridade da razão vai afastando os defeitos dessa produção. A criação literária é assim um trabalho de constante progresso, de "vigília racional". Os clássicos procuravam ainda "a clareza racional do apuramento formal constante". A criação literária não é espontânea, é um processo lento. A inspiração é um dom, uma semente que tem que se cultivar, se cair num bom húmus, onde a inspiração germine.
    Há espontaneidade apoiada num conhecimento, numa cultura e por isso é um processo lento.


    Face ao exposto, verificamos que, quando o Neoclassicismo vai retomar os princípios clássicos, fá-lo com influência (inspiração) racionalista, trazida pelo espírito das luzes do Iluminismo. Por isso, alguns dos princípios clássicos já não são puros e surgem como que "degenerados" ou "contaminados".
    Quando o Neoclassicismo surge com a intenção de retomar a estética clássica, tem que supor a transposição de uma estética de um século para outro, pois a estética clássica quinhentista vai confrontar-se, em finais do século XVII e XVIII, com uma situação histórico-cultural substancialmente diferente. Nesta altura, vivia-se a época da "crise  da consciência europeia", uma época que anunciou e favoreceu o surgimento do Iluminismo e também uma época que iria proporcionar o surgimento de um novo Classicismo: Classicismo francês.

    Tal como na literatura clássica, também no Neoclassicismo há uma reflexão moral do homem em sociedade. Esta dimensão implica não só princípios morais, mas também princípios éticos e sociais, daí o seu caráter pragmático.

    Se a tendência da literatura, nesta época, é a de ser a expressão de uma cultura das luzes, a literatura ganha, nesta altura, uma função de crítica social e de orientação ideológica. Ganha também uma função didática, daí a literatura, com influência do Iluminismo, dever contribuir para o progresso social.

    Contudo, a estrutura neoclássica apresenta princípios contraditórios, porque o facto de se tratar de retomar a estética clássica, quando alguns dos traços da literatura clássica já começavam a ser desprezados, faz com que haja um certo caráter artificioso na literatura neoclássica. Tudo isto ganha maior relevo por  causa do processo polémico da implantação do Neoclassicismo. Não só em Portugal, mas também noutras literaturas europeias, a literatura neoclássica foi-se desenvolvendo contra um outro tipo de conceção de literatura e de prática literária: o Barroco tardio.

    O Rococó aparece como uma espécie de visão em miniatura do Barroco e que deste vai manter o gosto pela ostentação, pelo frívolo e pela elegância formal.

    O Rococó, sem que mantenha a grandiosidade típica do Barroco, vai favorecer a manutenção de traços desse estilo de época: foge à racionalidade e utilidade clássicas defendidas pelo Neoclassicismo; vai favorecer o gosto pela intimidade, o que permite o devaneio e o sonho, daí a vida ser concebida como um sonho de felicidade.

    Do ponto de vista estilístico, o tratamento da linguagem também apresenta um caráter perfecionista e denota preferência pelos diminutivos. Também não está isento de aspetos contraditórios. Assim, vai manifestar tendências que se vão misturar com tendências do Barroco Tardio e do Neoclassicismo.

    O Rococó não pode ser considerado como o estilo dominante no século XVIII. Aparece como tendência difusa que vamos encontrar dispersa por obras onde ainda predominam características do Barroco ou, pelo contrário, do Neoclassicismo ou até em obras onde já começa a afirmar-se o espírito pré-romântico.

    No entanto, o Rococó, ao apresentar esta subversão de valores, acaba por ter uma importância fundamental na gestação do Pré-Romantismo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A era vitoriana

    A arte varia de época para época, de acordo com as circunstâncias e as transformações histórico-sociais que vão ocorrendo, daí que possamos considerar que ela constitua a expressão da sensibilidade dos indivíduos perante a realidade com que se confrontam.
O Fantasma de Canterville
    A vida e a produção artística de Oscar Wilde coincidem com o final da Era Vitoriana, uma designação que se refere ao período do reinado da rainha Vitória, que reinou, no Reino Unido, entre 1837 e 190.
    Apesar de a Era Vitoriana coincidir com o Esteticismo e o Decadentismo pós-românticos, movimentos característicos do final do século XIX, na verdade, a obra de Wilde contém ainda traços temáticos e estilísticos típicos do Romantismo, como, por exemplo, a exaltação do indivíduo e da liberdade individual, o culto da beleza como ideal superior e a visão trágica do artista incompreendido.
    No entanto, outros traços distanciam-na dessa corrente literária. Com efeito, substitui a emoção e a sensibilidade românticas (no caso da literatura portuguesa, basta pensar na figura de D. Madalena de Vilhena, personagem de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett) pela ironia, bem como o idealismo romântico pela experiência estética. Por outro lado, o seu texto é marcado pela atmosfera cosmopolita moderna e pela crítica à sociedade vitoriana. Quer isto dizer que a obra de Oscar Wilde se situa numa fase de transição entre a fase final do Romantismo e as vanguardas modernas.



sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O movimento arcádico português

     A estética dos nossos árcades mostra-nos de um modo flagrante que as suas ideias estão próximas das ideias racionalistas e iluministas dos nossos estrangeirados, sobretudo de Luís António Verney no Verdadeiro Método de Estudar. Aqui aparece de maneira subjacente a defesa de uma estética racionalista, que tem como critério base o respeito pela "boa razão", que fundamenta "o bom gosto justificado racionalmente".

    Os nossos árcades falavam do bom-gosto, que é uma «tradução» de boa razão para o domínio da estética. O instrumento estético que permiti a fundamentação do bom-gosto era "a imitação racional dos clássicos greco-latinos". A estes ideais greco-latinas temos que acrescentar o Classicismo francês.

    No fundo, havia três vetores importantes:
        - imitação clássica greco-latina;
        - imitação dos clássicos franceses;
        - imitação dos clássicos portugueses, como Camões e António Ferreira.


Arcádia Lusitana:
                             Alguns dos confrades mais fluentes desta arcádia foram ao mesmo tempo os  mais ditosos poetas da época:

  • Cruz e Silva: mentor da arcádia, que adotou o pseudónimo de Elpino Nonacriense e viveu entre 1731-1799;
  • Correia Garção, cujo pseudónimo foi Coridon Erimanteu e viveu entre 1724-1772;
  • Nicolau Esteves Negrão, cujo pseudónimo era Almeno Sincero;
  • Manuel de Figueiredo: Lícidas Cíntio;
  • Domingos dos Reis Quita teve como pseudónimo Alcino Micénio e viveu entre 1728 e 1770;
  • Francisco José Freire: Cândido Lusitano;
  • Nicolau Tolentino viveu entre 1740 e 1811 e foi dissidente da Arcádia.

    Podemos definir esta arcádia como sendo uma assembleia de escritores que tomavam como pseudónimo o nome de velhos pastores da Grécia, simbolizando com isso que se dispunham a levar a arte literária a uma correspondente simplicidade de expressão. Para levar a bom termo este propósito,  a arcádia inclui entre a sua atividade não só a apreciação de obras escritas segundo normas de censura precisas, como também a discussão de "teses de teoria literária". Estas teses eram comunicadas ao árcades por dissertações feitas pelos orientadores. Versavam problemas como: utilidade da poesia (Francisco Freire); problema da imitação (Correia Garção); definição do género écloga; características da tragédia (Manuel Figueiredo) e da comédia (Freire e Garção).

    A vida desta arcádia foi curta e com vários incidentes. Teve um período de atividades entusiásticas entre 1757 e 1760. Houve, no entanto, outras vicissitudes: ataques de literatos, dissidência, etc., até que a função da arcádia se vai perdendo e encaminhando para um fim que ocorre em 1774. Duas das suas qualidades eram o afastamento da estética barroca e o facto de sublinhar a função social da literatura.

    Uma das questões internas ficou conhecida por "guerra dos poetas" (1767), que eclodiu entre alguns membros como Correia Garção e Cruz e Silva por um lado e o grupo da Ribeira das Naus por outro, chefiado por Filinto Elísio.

    Também o épico Camões foi objeto de discussão entre os que defendiam Camões como modelo teórico (Filinto e Garrett) e outros que se opunham a seguir Camões (L. A. Verney e Cândido Lusitano, Agostinho de Macedo, Valadares e Sousa).

    Uma das designações que começa a generalizar-se é a de dissidentes ou independentes, relativa aos poetas que ou não pertenciam ao movimento das arcádias ou dele se tornaram dissidentes, apesar de alguns destes defenderem os princípios do arcadismo fora da Arcádia. Criaram obra autónoma e demarcaram-se do movimento arcádico.


Nova Arcádia:

                        Por volta de 1790, surge em Lisboa uma nova academia que pretende cultivar a poesia e oratória e que se designa Nova Arcádia, da qual fazem parte Domingos Caldas Barbosa (Lereno), Curvo Semedo, Francisco Bingre, Ferraz dos Campos, etc. Esta arcádia teve inicialmente a designação de Academia das Belas Artes e a ela se juntaram posteriormente nomes como Correia França e Amaral, José Agostinho Macedo e Bocage, entre outros.

    As sessões desta arcádia realizavam-se à quarta-feira e daí ficarem conhecidas, na história literária, por quartas-feiras de Lereno, em alusão ao nome arcádico do seu principal impulsionador, que viveu entre 1740 e 1800.

    Numa primeira fase, esta Nova Arcádia propunha continuar os princípios estabelecidos pela Arcádia Lusitana. Em 1794, os árcades começaram a desentender-se, o que depressa levou ao desaparecimento desta arcádia. Fala-se até de uma briga entre Bocage e o padre José A. Macedo (1761-1831) e usava a poesia com fins satíricos. Em 1814, escreveu um poema épico ("Oriente"), que tinha como objetivo corrigir o que, segundo a sua perspetiva, estava mal n'Os Lusíadas.

    O resultado mais evidente desta arcádia é o Almanaque das Musas, publicado em 1793 e divido em quatro partes. A segunda parte inclui a tradução da Arte Poética, de Boileau, feita pelo conde da Ericeira. Entre os árcades havia os que tinham abandonado a arcádia (dissidentes) e outros que nem pertenciam às arcádias (independentes). Filinto Elísio, que se tornara líder do grupo da Ribeira das Naus, chega mesmo a combater a arcádia. Dentre os dissidentes e os independentes sobressaem Filinto Elísio e Bocage. Para identificar a forma de escrever de cada um deles a partir dos seus pseudónimos riam-se dois movimentos importantes na história da literatura. Filintismo e Elmanismo. Por Elmanismo entende-se vulgarmente, na história literária, um modo de expressão poética própria de Elmano. Por oposição, fala-se em Filintismo, que é o modo de expressão poética de Filinto Elísio, que surge neste contexto como pseudónimo do padre Francisco do Nascimento.

    O grupo elmanista defende:
. ritmo e harmonia iguais;
. fluência oratória, usando como recurso certas formas fáceis e comuns de escrever;
. repetições e uso de antíteses, simetrias, metáforas, hipérboles, etc.;
. gosto pelo choque emocional, pelas imagens crepusculares, pôr do sol.

    No fundo, este grupo favoreceu e até certo ponto condicionou uma sensibilidade próxima do Pré-Romantismo, com um gosto pela poética subjetiva e confessional:
. apresentar um estilo mais arcaizante;
. dar preferência ao uso do verso branco;
. preocupação pela sobriedade de linguagem;
. gosto ou veneração pela influência quinhentista e do Horacianismo.

    Em suma, se tivéssemos de dar uma definição concisa de Neoclassicismo português, podíamos dizer que foi um movimento literário derivado em grande parte do espírito crítico do Iluminismo, que visou a restauração e reabilitação dos géneros, formas e técnicas de expressão clássicas que vingaram em Portugal no século XVI. Paralelamente há uma preocupação pela pureza da língua, com vista a restituir-lhe uma certa sobriedade genuína e castiça, um rigor de sentido.

    Se as primeiras manifestações deste movimento de difusão neoclássica surgem já no final do século XVII, elas vão-se acentuando progressivamente até ganharem força de uma corrente contra os excessos e exageros do Barroco em pleno século XVIII. Para este objetivo muito contribui o movimento arcádico.

    Alguns dos maiores poetas do Neoclassicismo são Correia Garção (1731-1799) e Nicolau Tolentino (1740-1811). Neles é muito acentuado o tom satírico e a sátira atinge mesmo uma dimensão de seu pendor histórico-didático: Sousa Caldas, Agostinho Macedo (1761-1831), alguma poesia de Cruz e Silva.

    O Neoclassicismo que se encontra nestes poetas atua em dois setores capitais:
            . doutrinação estética;
            . criação literária.

    Na sua doutrina estética, vai sentir-se a orientação do racionalismo mecanicista, que vinha na linha das ideias que tinham sido evidenciadas no Verdadeiro Método de Estudar, de Luís António Verney. Porém, já antes se tinha aberto o caminho para o Neoclassicismo português.

    Houve autores que se destacaram pela sua luta contra o Barroco e o Gongorismo:

            -» Frei Lucas de Santa Catarina (1660-1740) escreveu uma obra intitulada Serão político, abuso emendado, na qual põem em evidência um certo desregramento da poesia do seu tempo;

            -» Mais tarde, nos fins dos anos 30, surge outra obra, Exame Crítico de uma Silva Poética, cujo autor é José Xavier Valadares e Sousa. Já aqui se defende a importância da verosimilhança no campo artístico. O autor denota a assimilação de certos princípios do Classicismo francês, chegando a defender um certo cientificismo na poesia. Havia a aplicação de uma máxima de Boileau: "Nada é melhor que a verdade."

    Porém, dentre os mais importantes teóricos do movimento neoclássico, temos:

            -» Francisco José Freire: escreveu uma Arte Poética, publicada em 1748, um Dicionário poético (1755) e outra obra chamada Reflexões sobre a língua portuguesa (1742). Denota a preocupação de seguir os clássicos franceses - Voltaire e Boileau - e refletir os novos cânones do movimento neoclássico. Quando defende uma representação verosímil da natureza, defende uma imaginação com caráter de verosimilhança.

            -» Nicolau Tolentino: é um poeta quase ignorado. Considera-se um poeta independente das arcádias. A sua poesia está reunida na obra Obras Poéticas, de 1701, e que inclui sonetos, odes, epístolas, memórias, sátiras. Foi conhecido na literatura portuguesa pelas suas sátiras, de tal modo que se costuma chamar o sátiro da literatura portuguesa. A sua poesia caracteriza-se pelo gosto satírico e humor fino sem maldade. Diz-se da sua poesia que é um bom retrato dos costumes da época. É uma espécie de cronista da sociedade do seu tempo. É um caricaturista na literatura portuguesa. O seu humor é feito de ironia fina e provoca o riso.

            -» Bocage (1765-1805): outro poeta que se encontra na sequência de Nicolau Tolentino é Bocage, devido ao seu tom satírico, apesar de muito diferentes. Teve como pseudónimo Elmano Sadino. É considerado por muitos como o maior poeta do séculocXVIII e a sua obra poética surge fracionada em dois vetores: lírico e satírico. A crítica considera o lírico como mais importante. Cultivou muitos géneros líricos: elegia, bucólico, ode, epigrama, epístola, cançoneta, soneto e cantata.
    Bocage viveu numa época de conflitos a nível histórico, estético e pessoal. Por isso, teve que enquadrar a sua sensibilidade dentro de um convencionalismo neoclássico, apesar de a sua sensibilidade ou intensidade de expressão dos seus sentimentos levar a enquadrá-lo melhor nos alvores do Romantismo.

            -» José Anastácio da Cunha (1744-1787): apesar das suas ligações à estética neoclássica, este autor tem mais importância quando nos referirmos aos poetas pré-românticos. Um dos traços essenciais da sua poesia é que o seu lirismo amoroso é expresso com veemência vulcânica, delirante, expressa dentro de um ritmo frenético. Daqui resulta essa sensibilidade pré-romântica, sendo assim um poeta pré-romântico. A sua poesia é a de um homem lúcido, chegando a ser preso pela Inquisição por causa das suas ideias avançadas. Acabou por abandonar uma série de orientações do Neoclassicismo.

            -» José Xavier de Matos (1730-1789): esteve ligado à Arcádia Portuense. A sua poesia é uma poesia que reflete uma intensa vivência amorosa, mas que surge escrita sobre uma sensibilidade melancólica. A sua poesia prenuncia o surgimento do Pré-Romantismo, anuncia um egocentrismo romântico, que vem na linha da sensibilidade pré-romântica.

            -» Marquesa de Alorna (1750-1839): o seu nome completo é D. Leonor Almeida de Portugal Norema e Lencastre e o seu nome arcádico era Alcipe. A sua poesia está reunida em 6 volumes, sob o título Obras Poéticas (1844).
    A sua sensibilidade oscila entre o culto dos clássicos e as ideias românticas. É outra poetisa a colocar no seio da poesia pré-romântica. O estilo clássico adequa-se mais ao seu espírito de equilíbrio e sensatez. O lado romântico advém da influência inglesa e alemã, pois leu poetas, nos seus originais, destas línguas. Parte da importância que se atribui advém do facto de ter tido muita importância ao trazer para Portugal s novas correntes.

Contexto e princípios do Arcadismo

     Um dos princípios do Arcadismo era a divisa inutilia truncat. Um dos princípios a considerar na configuração da estética arcádica era a imitação dos modelos greco-latinos. Esta era a ideia matriz, dela procedendo outros princípios defendidos pelos árcades:
        - elogio da vida simples;
        - a fuga da cidade para o campo;
        - o elogio de uma espontaneidade pré-civilizada da natureza bucólica.

    A própria designação de Arcádias tem a ver com uma região bucólica do Peloponeso. É uma designação significativa.

    Por aqui se pode constatar que esta revalorização de um estilo de vida preconizado pelos antigos, numa época de progresso, vai dar origem ao cultivo de uma poesia de pose (segundo Massud Moisés). É algo postiço, artificial, demasiado literário, porque surge em flagrante contraste com o clima histórico-cultural: época de franco progresso, desenvolvimento das ciências e de progresso urbano, decorrente da industrialização, da procura da verdade. Há a proposta de regresso ao passado.

    Nas reuniões dos árcades, discutia-se sobre a arte poética, a oratória e surgem aspetos aparentemente contraditórios, como a abolição da rima, porque a rima podia obrigar a um retrocesso no pensamento de influência iluminista. daí cultivarem o verso branco. Defendiam também a função social da literatura. Para além do modelo greco-latino, eles inspiraram-se nos franceses do século XVII (ex.: Voltaire). Quando ao caso português, pretendiam reatar a tradição quinhentista (com Camões). Eram diferentes as situações das grandes literaturas europeias, quando se dá a crise da consciência europeia (séculos XVII-XVIII).

    Nesta altura, em França, dominava já o Classicismo, que pode harmonizar-se com o impacto do novo movimento racionalista - o Iluminismo. Harmonizava-se, porque também o Iluminismo assentava num certo intelectualismo. Só aparentemente o racionalismo iluminista se devia opor ao Classicismo, mas esta oposição verificava-se porque o Classicismo dava relevo à tradição e ao passado, uma vez que defendia a imitação dos valores greco-latinos contrários ao Iluminismo. Este preceito de conceder importante valor à tradição era justificado racionalmente segundo o espírito racionalista cartesiano. Em França, foi possível a conciliação dos princípios clássicos com os princípios intelectualistas subjacentes ao Iluminismo. Daí que o Classicismo se tenha conservado na Europa, porque a estética clássica se harmonizou com os princípios iluministas. Face a uma reação antibarroca nos princípios do século XVIII, o Classicismo chega a substituir o Barroco "em nome da razão, da verdade, do bom-gosto e da ordem".

    Os autores europeus vão procurar as suas ideais e bases temáticas nos clássicos, mas procuram justificar esse regresso de uma maneira racionalista. Na grande renovação literária desta época, a França consegue impor a sua cultura e os seus autores. As língua e cultura francesas invadem a Europa e chegam a contrapor novos modelos (clássicos franceses) em relação aos mundos greco-latinos. No Classicismo francês, podemos falar de Molière e Voltaire.

    Alguns princípios estéticos neoclássicos defendidos pelas Arcádias formavam nada mais nada menos que princípios defendidos pela literatura clássica francesa, tais como: a poesia como mimese; imitação das obras-primas da antiguidade; magistério cívico e moral da poesia; sobriedade, retenção e equilíbrio.

    Estes princípios, apesar de já terem sido defendidos por volta de 1640 em França, só nos princípios do século XVIII atinge a sua proclamação em outros países da Europa, como a Itália.

    Em Itália, os árcades vão insurgir-se contra "o mau gosto barroco identificado como uma literatura vazia, inútil, repleta de extravagantes metáforas e de falsos adornos, rebelde à lição dos antigos e aos limites impostos pelas regras. Insurgem-se ainda contra "uma poesia lúdica e falsa, preocupada com o rumo dos vocábulos bem sonantes". Contrapõem uma "poesia profundamente enraizada na realidade, assente no princípio da verosimilhança e isenta de artificiosos e deformadores requintes". As preocupações estéticas dos árcades diziam principalmente respeito à poesia. A prosa que surge na altura de teor histórico, pedagógico, filosófico e que surgia fora dos valores arcádicos.

    As novas propostas de poesia encaminhavam-se para uma obediência a um princípio de verosimilhança e, ao mesmo tempo, era o desejo de uma poesia disciplinada que se fundasse em regras precisas e universais. Este equilíbrio, segundo os árcades, tinha-se perdido devido ao abandono dos modelos clássicos. Só voltando a estes é que se consegue restaurar o bom-gosto.

    Ao contrário da poesia barroca (que defendia um puro hedonismo), a Arcádia propunha uma poesia que aspirasse a um magistério moral e social. O prazer estético da poesia devia aliar-se a uma utilidade moral:

            beleza poética = deleite + utilidade
            beleza poética = "imitação verdadeira" + proveito

    Daqui havia de resultar o valor didático da poesia mais a missão social e cívica da poética. Está subjacente a estes princípios o Iluminismo. Há a adaptação do espírito clássico mediante a postulação dos princípios iluministas.

    Ao nível dos árcades portugueses, não há grandes diferenças a nível teórico, mas ao nível do desempenho com a criação das arcádias, que procuraram combater o Barroco ou o Barroco tardio e defendem o regresso ao Classicismo. É neste retorno que se vai inserir o Neoclassicismo, que não defende uma simples reposição do Classicismo, mas caracteriza-se por uma transposição dos clássicos para os novos tempos e esta transposição encontraria pelo meio um fator de influência: espírito iluminista preponderante.

    O Neoclassicismo trazia também consigo uma preocupação filológica, que se refletia na defesa da língua pátria (em Portugal, era a quinhentista), que se apresentava como modelo a retomar. Esta preocupação filológica (traço principal do Neoclassicismo português) insere-se no espirito de preocupação didática inerente à ação das Arcádias. De facto, o Neoclassicismo vai caracterizar-se basicamente por estes dois aspetos:
                                                                            - racionalidade;
                                                                            - utilidade.

Arcadismo

     O arcadismo foi um movimento que surgiu na segunda metade do século XVIII e se prolongou até princípios do século XIX. Há historiadores que fixaram duas datas-limite: 1756-1825.

    Na segunda metade do século XVIII, com a queda do Marquês de Pombal, estava-se numa situação diferente, pois já havia uma ação cultural efervescente, acentuada pela ação dos intelectuais que procuravam acompanhar os assuntos que se discutiam na Europa. Procuravam equiparar Portugal à Europa. Uma figura importante então foi o Duque de Lafões.

    Se o Barroco, mesmo em Portugal, teve o seu período áureo entre os inícios do século XVII e os meados ou mesmo fins desse séculos (com escritores como frei António das Chagas, Jerónimo Baía, Jacinto Frei de Andrade, Francisco Manuel de Melo), o Barroco do século XVIII é decadente. Assim é, salvo raras exceções (Pina e Melo, D. Francisco de Vasconcelos).

    As primeiras manifestações antibarrocas já vinham de longe e começaram a esboçar-se em finais do século XVII com a tradução da Arte Poética, feita por Francisco Manuel Meneses, que se revela influenciado pelo Classicismo francês.

    Outra manifestação das novas tendências é a obra que José Xavier Valadares escrevem em 1739 e que tem o sugestivo título do Exame Crítico de uma Silva Poética. Nesta obra, já se patenteia o elogio da razão e da verdade e a preocupação pela imitação da natureza.

    Mais tarde, surge outra obra de Cândido Lusitano, pseudónimo de Francisco José Freire, que expõe de modo sistemático os princípios de uma estética. É a obra Arte Poética ou Regras da Verdadeira Poesia, publicada em 1748. Encontramos uma luta contra a estética barroca, na qual cada vez mais se acentuava um desequilíbrio ou caía numa poesia de circunstância ou de conveniência ou mesmo de caráter obsceno. Tinha pouca densidade semântica, que ainda se encontrava na poesia barroca anterior.

    À medida que a poesia do Barroco tardio se esvaziava de conteúdos, havia uma compensação que se encontrava nos efeitos da linguagem. Daí que haja uma agudeza de conceitos.

    Em virtude de, nesta época, ter desaparecido a grandeza literária barroca, que teve uma época áurea, serão todas estas características que o Barroco ainda vai apresentar no século XVIII que vão permitir o lema de uma primeira arcádia: Arcádia Lusitana ou Olissiponense (1756). O lema era "inutilia truncat" (corta o que é extravagante). Este lema era idêntico ao da Arcádia de Roma, que já se fundara em 1690 e que tinha como lema "sterminare il cativo gusto". A nossa arcádia surge pouco depois do terramoto e na época de abertura cultural. Surge por iniciativa de vários escritores, como: Cruz e Silva, Manuel Esteves Negrão, Teorónio Gomes de Carvalho. Para Correia Garção, a Arcádia é formada com o intuito de restabelecer a boa poesia e a verdadeira eloquência por meio da mais severa crítica. De uma maneira geral, os árcades desejavam manifestar o repúdio pelas coisas inúteis, porque o Barroco trouxe consigo o desequilíbrio e a decadência dos valores clássicos. Era necessário restaurar  autêntica poesia clássica e para isso era necessário empreender um retorno às fontes originárias do Classicismo. Ao desprezarem o Barroco, vão deter-se no pastoralismo, vão tentar assemelhar a sua vivência poética à dos pastores. Devem imitar os valores clássicos na poesia bucólica.

    Ao deterem-se sobre o pastoralismo, vão passar por cima da Idade Média e suas influências na arte. Ao imitar os poetas greco-latinos, imitavam o modelo de poetas e pastores que queriam viver em contacto com a natureza idílica. Ao procurarem imitar os clássicos antigos, configuravam a estética arcádica. Esta passagem fez-se de modo declarado, que veio ficar marcada por um grande confronto.

    Devido à influência greco-latina, os sócios das arcádias tinham que adotar pseudónimos diretamente relacionados com a formação greco-latina ou pastoralismo: Cruz e Silva (Elpino Nonacriense), Correia Garção (Coridon Erimanteu), Bocage (Elmano Sadino).

domingo, 19 de outubro de 2025

domingo, 5 de outubro de 2025

Dia do Professor - Aldus Manutius

    Aldus Manutius foi a figura mais importante da época renascentista, nas áreas de impressão, publicação e tipografia, fundador de uma verdadeira dinastia de grandes impressores-editores e da famosa Aldine Press. 

    Manutius produziu as primeiras edições impressas de muitos clássicos gregos e latinos e é particularmente associado à produção do octavos,  (livros de bolso), excelentemente editados e impressos em edições baratas.

    Em 1501, Manutius publicou a obra de Virgílio, não num fólio grande e pesado, como era costume, mas numa versão muito pequena, capaz de ser transportada para qualquer lado numa manga ou bolsa, inventando assim, o livro de bolso.

    Francesco Griffo, que era o seu cortador de tipos, usou para essa obra um novo tipo de letra inclinada, para poupar espaço - tinha acabado de inventar a letra itálica. Imprimiram cerca de 4000 mil cópias do livro.

    Manutius publicou ainda muitos outros autores, como Lascaris, Aristóteles, Bembo, Aristófanes, Petrarca, Catullus, Tucídides, Sófocles, Herodutus,  Xenofonte, Eurípides, Homero, Esopo, Virgílio, Erasmus, Horácio, Píndaro, Platão e outros.

    Hypnerotomachia Poliphili (1499), de Francesco Colonna, com as suas notáveis xilogravuras de um artista desconhecido, foi o livro mais famoso de Manutius.

    É provável que a Aldine Press tenha impresso 1000 edições entre 1495 e 1595.

    Manutius contribuiu para o brilhante florescimento cultural e científico renascentista através da impressão e divulgação dos clássicos e do impulsionamento de um público letrado e educado.

(c) IP

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