Português: Análise de "Amor é um fogo que arde sem se ver"

quinta-feira, 4 de março de 2021

Análise de "Amor é um fogo que arde sem se ver"

 
Tema: o amor.
 

Assunto: o amor é definido como um sentimento contraditório, mas, ainda assim, procurado pelos corações humanos.
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (11 versos iniciais) – Onze tentativas de definir o amor, assentes no paralelismo, na anáfora (“é”) e na frase declarativa afirmativa.
 
verso 1:
Amor é um fogo que arde
um sentimento intenso
(a intensidade da paixão)

 

sem se ver
mas invisível
  
verso 2:
é ferida que dói
causa sofrimento / dor

 

e não se sente
mas insensível
(é impercetível aos sentidos)
 
verso 3:
é um contentamento
alegria, satisfação, felicidade

 

descontente
e infelicidade
 
verso 4:
é dor que desatina
dor intensa, que perturba ou faz perder a razão

 

sem doer
mas insensível, não se sente
[o desatino aplaca a dor, por conter em si o impulso vital, ou por iludir a consciência]
 
verso 5:
É um não querer mais

 

e que bem querer
anulação dos desejos daquele que ama
 
Se o amor não se concretizar, a insatisfação mantém-se, perpetuando o sentimento.
Em contrapartida, a concretização do desejo pode levar à diminuição ou até à extinção do sentimento amoroso.
 
verso 6:
é um andar solitário
isolamento e solidão

 

entre a gente
no meio da gente
 
Aquele que ama anda de tal modo absorvido pelos seus pensamentos que, mesmo quando se encontra no meio da gente, fica concentrado nas suas vivências interiores, como se estivesse só.
 
verso 7:
é nunca contentar-se
insatisfação constante

 

de contente
e satisfação / contentamento
 
Aquele que ama sente-se contente por amar, mas, por mais contente que se sinta, mostra-se insatisfeito, pois aspira sempre a aumentar a sua satisfação / o seu contentamento.
 
verso 8:
é um cuidar que ganha
ilusão (vitória)

 

em se perder
e frustração (derrota)
 
O verso remete para as vantagens e desvantagens do amor. O proveito liga-se à posse do objeto amado, enquanto que a perda traduz o falhanço dessa posse ou os danos que daí resultam ao nível moral, psicológico e religioso.
 
verso 9:
É querer estar preso
dependência/sujeição/privação de liberdade

 

por vontade
voluntária
 
verso 10:
é servir a quem vence

 

o vencedor

é serviço amoroso à pessoa amada

 
O vencedor serve, paradoxalmente, quem ele próprio venceu. Esta metáfora [do amor como servidão] exprime a submissão absoluta ao objeto de amor. Reenvia para a poesia occitânica e para o conceito de amor como serviço, que encontramos, entre nós, nas cantigas de amor.
 
verso 11:
é ter com quem nos mata
morrer de amor

 

lealdade
e ser / continuar leal/fiel
 
Amar alguém implica fidelidade absoluta, apesar de o amor não ser correspondido pelo outro.
Este tópico da morte de amor encontra-se também na cantiga de amor. Aquele que ama sente lealdade pelo objeto do seu amor, apesar de este o fazer sofrer.

Conclusões:
1.ª) o amor é um sentimento indefinível (cf. uso do artigo indefinido);
2.ª) o amor é um sentimento contraditório (cf. antíteses, oximoros/paradoxos, metáforas e bipartição dos versos).
 
2.ª parte (2.º terceto) – Chave de ouro: o amoré um sentimento contraditório, mas procurado pelos corações humanos.
 
▪ O sujeito poético interroga-se como pode o ser humano aceitar de bom grado o amor, se sabe que experimentará as contradições e tensões violentas desse sentimento.
 
▪ Apesar de produzir efeitos contrários, o amor continua a ser perseguido, procurado, pelos seres humanos.
 
Conjunção coordenativa adversativa «mas»: marca a oposição entre o caráter contraditório do amor e o facto de, mesmo assim, ser procurado pelos seres humanos.
 
Interrogação retórica:
. traduz a perplexidade do «eu» face ao facto de o Homem procurar e se entregar ao amor, apesar de este ser um sentimento contraditório;
. apresenta a contradição como a verdadeira característica do amor.
 
   

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