Começando
a análise pelo título, o nome «segredo» remete para algo que não é
divulgado, que é do conhecimento de apenas um ou poucos indivíduos. No caso do
poema, o segredo em questão é aquilo que a personagem – presumivelmente uma
criança – guarda só para si, que apenas ela conhece: a descoberta de um ninho
com um ovo dentro, do qual nascerá um passarinho de quem pretende ser amigo.
É
exatamente isso que anuncia o primeiro verso: “Sei um ninho.” O menino
«descobriu» um ninho, conhece (“Sei”) – atenta-se na diferença entre «sei um
ninho» e «sei de um ninho» – a sua localização, e essa informação é exclusiva
dele. Os versos seguintes expandem a informação relativa a esse segredo: o
ninho contém um ovo, redondinho (o diminutivo sugere a sua beleza e a
perfeição), que, por sua vez, encerra dentro de si um passarinho (de novo o
recurso ao diminutivo afetivo).
O que
torna o ninho tão importante para o sujeito lírico é precisamente o facto de
conter um ovo com uma ave no seu interior. É essa expectativa de uma nova vida
que está prestes a nascer que o entusiasma e desperta em si sentimentos de
carinho, de ternura, de afetividade, indiciados – repita-se – pelo uso do
diminutivo («redondinho», «passarinho»).
A
segunda estrofe mostra-nos a determinação do «eu» em, «egoisticamente», guardar
o segredo só para si, mesmo que alguém, aparentemente, insista com ele para o
revelar: “Mas escusam de me atentar: / Nem o tiro, nem o ensino”. Assim sendo,
vai resistir à pressão para desvendar aos outros o seu segredo e tirar o
ninho, ou seja, resistindo à tentação de retirar o ninho do local onde se
encontra e de revelar a sua localização. De seguida, esclarece os motivos
que estão na base dessa sua decisão. De facto, afirma querer ser «um bom
menino», isto é, deseja agir corretamente, não revelando o ninho e a sua
localização, para o proteger, porque receia que os «outros» lhe façam mal, lhe
mexam, o perturbem, e quer ser amigo do passarinho que vai nascer. É fácil
imaginar que, se o «eu» revelasse o seu segredo, todos a quem o revelasse seriam
picados pela curiosidade de acorrer ao local e «perturbar« o ninho e a avezinha
quando esta nascesse. Por outro lado, o passarinho deixaria de ser o seu amigo
em exclusivo.
Os dois
últimos versos remetem para a liberdade: a avezinha voará pelos céus, espaço
amplo, infindável e sem portões, limites, barreiras, e aí poderá fazer o pino, exatamente
porque será livre para fazer o que quiser, incluindo virar-se de pernas para o
ar.
Este
poema relaciona-se com outro texto da autoria de Miguel Torga, concretamente o
conto “Jesus”: o assunto é o mesmo, isto é, a revelação de uma descoberta por
parte de um menino – um ninho – e a sua atitude de respeito para com o ovo que
contém e a avezinha que irá nascer.
O conto
narra a história de um menino que subiu a um enorme cedro e descobriu nela um
ninho que tinha um ovo. De seguida, deu um beijo no ovo, que, de imediato, estalou
e do seu interior saiu um passarinho. Este texto viu a luz do dia em 1940.
Quinze anos depois, em 1955, nasceu Clara Crabbé Rocha, filha de Miguel Torga,
que escreveu o poema “Segredo”, lembrando-se do conto: o primeiro verso (“Sei
um ninho.”) é uma repetição exata da frase que o menino do conto solta durante
a ceia com os pais.
Ora, o
ninho do poema, numa leitura biográfica, é o lar do escritor, e o ovo com o seu
passarinho é a nova vida que nele existe: a filha. O ovo é redondinho, como a
barriga de uma mulher em adiantado estado de gravidez. E, nos primeiros anos de
vida, os pais são os melhores amigos dos seus filhos, aqueles a quem estes
confidenciam os seus segredos e sonhos. Este pai, por sua vez, deseja a criar a
sua filha em liberdade, fornecendo-lhe asas que lhe permitam voar e fazer o
pino no ar.
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