. Objetivos e ideais:
- reação à permanência de valores considerados obsoletos;
- edificação de um futuro caraterizado pela exaltação da técnica e do dinamismo, pela simultaneidade de espaços, de tempos e sensações, pela fusão de expressões artísticas e pela adoção de formas artísticas, particularmente as literárias, que combatem as convenções vigentes.
O futurismo é um movimento artístico e
literário que teve origem no início do século XX e que foi desencadeado pela
publicação do texto “Fundação e Manifesto do Futurismo”, na primeira página do
jornal Le Figaro, a 20 de fevereiro
de 1909, da autoria do poeta italiano Fillipo Tommaso Marinetti, que estudara
em Paris e adotara a forma do manifesto do “Manifesto Comunista” de Karl Marx e
Engels, datado de 1848. Depois deste texto, foram publicados outros nos anos
seguintes que contribuíram para o alastramento das ideias futuristas por toda a
Europa.
O
original de Marinetti contém as seguintes premissas:
1. Queremos cantar o amor do perigo, o
hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão
elementos essenciais da nossa poesia.
3. Até hoje a literatura tem exaltado a
imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar o movimento
agressivo, a insónia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o
murro.
4. Afirmamos que a magnificência do mundo se
enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida
adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um
automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória
de Samotrácia.
5. Queremos celebrar o homem que segura o
volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no
circuito de sua própria órbita.
6. O poeta deve prodigalizar-se com ardor,
fausto e munificência, a fim de aumentar o entusiástico fervor dos elementos
primordiais.
7. Já não há beleza senão na luta. Nenhuma
obra que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve
ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las
a prostrar-se ante o homem.
8. Estamos no promontório extremo dos
séculos!... Por que haveremos de olhar para trás, se queremos arrombar as
misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos já
o absoluto, pois criamos a eterna velocidade omnipresente.
9. Queremos glorificar a guerra - única
higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos
anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo da mulher.
10. Queremos destruir os museus, as
bibliotecas, as academias de todo o tipo, e combater o moralismo, o feminismo e
toda vileza oportunista e utilitária.
11. Cantaremos as grandes multidões agitadas
pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos a maré multicor e polifônica
das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos
arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas: as estações
insaciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes: as fábricas suspensas das nuvens
pelos contorcidos fios de suas fumaças; as pontes semelhantes a ginastas gigantes
que transpõem as fumaças, cintilantes ao sol com um fulgor de facas; os navios
a vapor aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de amplo peito que
se empertigam sobre os trilhos como enormes cavalos de aço refreados por tubos
e o voo deslizante dos aviões, cujas hélices se agitam ao vento como bandeiras
e parecem aplaudir como uma multidão entusiasta.
Inicialmente,
o futurismo era um movimento puramente literário que pretendia «libertar-se das
regras da gramática e da sintaxe na celebração dos sons e sensações de um mundo
tecnológico futuro». De facto, Marinetti apelava a uma rutura com o passado e
com a tradição e, em simultâneo, exaltava um novo estilo de vida, em
consonância como dinamismo dos tempos modernos. E procurou fazê-lo através de
uma linguagem chocante pela sua agressividade e pelo seu caráter iconoclasta,
num tom violento, interpelativo e provocatório presente nos textos futuristas
que se fundia num ultimato lançado com fúria a um passado que vigora ainda no
presente nas formas estéticas, ideias, crenças e atitudes dominantes, por vezes
simbolizadas numa figura pública que urge abater espiritualmente. É o que
acontece, em Portugal, com o
ManifestoAnti-Dantas, da autoria de Almada Negreiros.
A
partir de 1910, pintores e escultores italianos aderiram ao movimento
futurista: Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Giacomo Balla, Luigi Russolo e Gino
Severini. Nesse mesmo ano, surgiram dois outros manifestos que estabeleceram as
bases da estética futurista, exaltando as sensações dinâmicas do mundo moderno,
as máquinas, o automóvel, o comboio, o aeroplano, a guerra e a força física, a
velocidade, a luz elétrica, etc. Os pintores procuraram expressar, por linhas
de força e planos fragmentados e entrecruzados, impressões sensoriais
subjetivas e objetivas. Na sua fase inicial, o futurismo apresentava influências
do pontilhismo, do cubismo e do orfismo. O simultaneísmo era utilizado para a
representação de fases sucessivas do movimento: «Um cavalo em corrida não tem
quatro patas mas vinte». Nesse mesmo ano, tiveram início as «Soirées
Futuristas», que eram saraus de agitação e propaganda de cunho anarquista,
envolvendo diversas formas de arte, durante os quais os futuristas insultavam o
público e se agrediam mutuamente, originando tumultos que eram habitualmente
encerrados pela polícia e noticiados posteriormente nos jornais.
Outra
das formas de arte influenciadas pelo futurismo foi o cinema, visto então, nos
seus primórdios, como uma nova arte de grande alcance expressivo. Marinetti
chegou a sugerir a realização de um filme futurista, que viu a luz do dia em
1916, com o título «Vida Futurista», no qual se levantavam questões de âmbito
social e psicológico.
Em
fevereiro de 1911, liderado sempre por Marinetti, o grupo de futuristas
apresentou-se em Paris, ruidoso, violento e agressivo, onde expôs a sua obra e
adquiriu notoriedade internacional. Entre 1911 e 1912, Boccioni e Balla
produziram obras totalmente abstratas, procurando, deste modo, representar o movimento
e a luz.
Nos
anos seguintes, os futuristas publicaram múltiplos manifestos sobre as várias
formas de arte (literatura, pintura, escultura, cartaz e composição
tipográfica, música (cujo teórico foi Balilla, que fez tábua rasa da harmonia,
defendendo o uso de gritos e barulhos expressivos), cinema, teatro, moda,
fotografia, arquitetura e urbanismo (Sant’Elia publicou o «Manifesto Futurista
da Arquitetura em 914, onde advogava a segregação dos fluxos pedonais e de
trânsito na cidade e onde propunha uma estética visionária e utopista de
centrais elétricas e arranha-céus em betão armado que influenciará o Movimento
Moderno na arquitetura).
O
movimento futurista chegará ao fim por alturas da Primeira Guerra Mundial
(1918), mas as suas características e princípios influenciarão outros
movimentos, nomeadamente o dadaísmo suíço e o cubo-futurismo, o suprematismo e
o construtivismo na Rússia.
No
plano literário, os traços definidores do futurismo concentram-se «no
dinamismo, na exaltação da técnica, na simultaneidade de espaços, de tempos e
de sensações, na fusão de expressões artísticas, na dessacralização das
poéticas convencionais». A escrita é encarada como um meio de representar a
velocidade, a violência, que exprimem o dinamismo da vida moderna, em oposição
a formas tradicionais de expressão. Deste modo, rompe-se com a estética
literária aristotélica, contesta-se o sentimentalismo e exalta-se o homem de
ação. Procura-se, com afã, a originalidade, que Marinetti entrevê no elogio ao
progresso, à máquina, ao motor, a tudo o que represente o que é moderno e
imprevisto.
Os
poemas de índole futurista caracterizam-se por um conjunto de recursos
destinados a abalar o leitor: profusão de exclamações, de apelos, de neologismos
criados pela associação inédita de palavras, pelo emprego de termos
insultuosos, pela autonomia concedida ao significante linguístico, procurando
explorar os efeitos visuais e fónicos das palavras, através da introdução de
grafismos no poema, da rutura com a lógica sintática tradicional: longas
enumerações de frases nominais, uso do verbo no infinitivo, uso aleatório da
pontuação e de maiúsculas. É o que Marinetti defende no «Manifesto Técnico da
Literatura de 1912, bem como a abolição de adjetivos, advérbios e conjunções, a
supressão do “eu” na literatura e o uso de símbolos matemáticos.
Por
outro lado, o futurismo não esteve, de modo algum, alheado da política.
Marinetti, por exemplo, colaborou com Mussolini e o fascismo italiano e
fomentou o esplendor da guerra, do militarismo, do nacionalismo e do
patriotismo.
O futurismo português
O
futurismo não se limitou à França e à Itália. No caso português, terá sido o
jornal «Diário dos Açores» o único meio de comunicação social a reproduzir o
manifesto inicial de Marinetti e a publicar uma entrevista com o autor.
Posteriormente,
Portugal contactou com o futurismo graças a intelectuais lusos que residiam em
Paris, concretamente o poeta Mário de Sá-Carneiro, Amadeo de Souza-Cardoso e
Santa-Rita Pintor, tendo-se este último assumido como o líder do movimento em
solo nacional.
Os
principais textos portugueses de índole futurista são «A Cena do Ódio» (1915),
de Almada Negreiros, «Manucure e Apoteose» (195), de Mário de Sá-Carneiro, «Ode
Marítima» e «Ode Triunfal» (1915), de Álvaro de Campos, e «O Manifesto
Anti-Dantas», de Almada Negreiros, estando muitos deles ligados à publicação da
revista “Orpheu”.
Em
1917, materializou-se o fugaz momento de apoteose do futurismo português, com
(1) a primeira Conferência Futurista, realizada a 14 de maio desse ano, onde
Almada Negreiros leu o seu «Manifesto Futurista às Gerações Portuguesas do
Século XX», com (1) a formação do Comité Futurista de Lisboa ‑ iniciativa de
Almada e Santa-Rita – e com (3) o lançamento, em novembro, da revista “Portugal
Futurista”, que continha textos de Apollinaire, Almada e Álvaro de Campos e que
foi apreendida pela polícia após a publicação do número inaugural por causa do
seu caráter provocatório e da polémica e escândalo que gerou.
Com a
morte prematura de Amadeo de Souza-Cardoso e de Santa-Rita Pintor, em 1918, e
com a dispersão de outras figuras de proa do futurismo, este movimento acabou
por se dissipar.
Fontes:
» http://www.unknown.nu/futurism/manifesto.html
» http://www.futurismo.noradar.com/index.htm
» http://www.slideshare.net/michelepo/futurismo_1298096#btnNext