Este
poema foi escrito em 1868 e faz parte da obra Espumas Flutuantes,
publicada em 1870, a única em vida do poeta, que faleceu aos 24 anos. Além de
cantar o amor nos seus textos, Castro Alves também o viveu. De facto, em meados
de 1866, conheceu, apaixonou-se e tornou-se amante de Eugénia Câmara, a “dama
negra”, uma atriz portuguesa. Embora não seja taxativo que o poeta tenha
escrito este poema diretamente motivado por esta paixão, a realidade é que
compôs várias composições lírico-amorosas movido por essa paixão.
O poema
descreve a paixão do sujeito poético por uma jovem mulher que participa num
baile e usa como adereço um laço de fita no cabelo. Há que ter presente que a
dança é um motivo que acompanha a humanidade deste a Pré-História, por exemplo
em rituais religiosos que contemplam elementos dançantes. Além disso, é
importante observar que diversos animais, nomeadamente aves, executam movimentos
coreográficos relacionados com o acasalamento. Na chamada cultura ocidental,
desde os poemas homéricos (a Ilíada e a Odisseia), passando pela
própria Bíblia (onde encontramos a performance de Salomé para convencer
Herodes a executar João Baptista) até à contemporaneidade, a dança tem acompanhado
o ser humano. No caso da literatura, foi a partir do século XIX, através de
artistas como Mallarmé, que se deu uma aproximação entre a literatura,
nomeadamente a poesia, e a dança.
O título
do poema constitui uma sinédoque que representa o corpo da mulher amada, o qual
será envolvido pelo sujeito poético numa valsa ansiosa e palpitante.
Observe-se, a este propósito, a forma como o «eu» materializa progressivamente
o «abraço» do par enamorado, como se pode comprovar por palavras / expressões
como «prendi», «qu’enlaça», «enroscava-se», «prisioneiro», «cadeias», «elos»,
que estão dispostos no poema de forma a construir a imagem poética do abraço,
em função do qual ele se descobre definitivamente “acorrentado” à amada.
Por
outro lado, o “laço de fita” é também a imagem projetada do casal enlaçado no
momento da dança: o par amoroso “enrosca-se” suavemente como um laço de fita.
Além disso, este é ainda uma espécie de serpente que «enlaça» e «enrosca», que
encanta todos os que contemplam a sua beleza envolvente e sedutora, serpente
essa que simboliza a descoberta e a revelação do amor e do seu fruto proibido.
A tudo isto associa-se a dança como elemento de sedução e desejo que toma parte
no ritual de corte e conquista. Basta recordar as singelas cantigas de amigo
bailias em que a donzela convidava as amigas para bailar, sabendo que os amigos
lá estariam para as ver.
Na
primeira estrofe, temos todos os aspetos importantes, que se vão repetir nas
seguintes. Repete-se o motivo e explora-se o refrão, que é uma característica
popular. É um poema universal, em que se desenvolve um motivo: o laço de fita
como elemento simbólico e sensual. A fita é simbólica e é o elemento mais
importantes do poema. A sua construção lembra uma cantiga com refrão e é dotada
de uma enorme simplicidade.
O poema
abre com uma interrogação e uma apóstrofe dirigida à mulher que nos mostra que
deve ser mais nova do que o «eu»: “Não sabes, criança?” De seguida,
confessa-lhe a sua paixão por ela: “’Stou louco de amores”. O objeto que
despertou esse sentimento é um adereço usado pela mulher: um laço de fita que
ela usa no cabelo durante um baile / uma festa, um objeto metonímico
(sinédoque), isto é, designa a parte da “formosa Pepita” que desperta a sua
líbido. A referência ao objeto está presente em todas as estrofes, com ligeiras
diferenças, mostrando a forma como o sujeito poético está envolvido pelo laço,
no qual se esconde um fetiche, um desejo. Atente-se na repetição da locução
prepositiva «no» no terceiro verso (“Mas onde? No templo, no espaço, nas
névoas?”), que enfatiza a paixão e o modo como o «eu» a «vê» em múltiplos
lugares.
O laço
de fita constitui, assim, uma metáfora que se metamorfoseia noutras: é um laço,
pois prende, une. Essas metáforas acumulam-se a partir da segunda estrofe, na
qual elementos da natureza são associados aos cabelos de Pepita e à sua capacidade
de sedução. Assim, a associação das madeixas à “selva sombria” mostra como a
mulher tinha cabelos pretos, ondulados e em abundância. Por seu turno, a imagem
bíblica da serpente aponta para a ideia do pecado, de acordo com a tradição judaico-cristã:
o Diabo disfarçou-se de serpente para convencer Eva a desobedecer a Deus e a
comer a maçã. No caso deste poema, é o laço de fita e a forma como está preso
aos cabelos que lembra a serpente, sendo o pecado o homem mais velho desejar
uma jovem (menina?). Por outro lado, o nome da mulher – Pepita – constitui ao
mesmo tempo um apelido e uma metáfora, contribuindo para a construção de um
retrato feminino que se distancia do arquétipo romântico da figura feminina
inatingível e intocável. No que diz respeito ao cabelo, estes simbolizam a
sensualidade feminina. De facto, o seu agitar, o abanar de um lado para o
outro, ou o desfazer do penteado, representam a sensualidade feminina. Em
quantos filmes já não deparámos com o gesto da mulher sacudir os seus cabelos,
com o auxílio das mãos ou não, para chamar a atenção e/ou seduzir o elemento
masculino? Neste caso concreto, esta menina-mulher seduz o sujeito poético e
torna-o cativo dos seus encantos.
Na
terceira e na quarta estrofes, o «eu» lírico revela que está numa festa (“Meu
ser, que voava nas luzes da festa”), na qual viu subitamente a mulher e o seu
laço de fita e desta forma se prendem em ambos, ele que era um pássaro livre.
Esta metáfora do pássaro, que representa o «eu», mostra como, ao vê-los, deixou
de ser livre (“voava”) e foi seduzido pelo adorno do cabelo. Ele tentou
libertar-se dessa «prisão» (“Debalde minh’alma se embate, irrita…”), soltar-se
do laço de fita, luta (“se embate”), mas é em vão, pois ele não consegue
desprender-se do laço, isto é, da sedução e da paixão por Pepita: “O braço, que
rompe cadeias de ferro, / Não quebra teus elos, ó laço de fita.” Atente-se no
recurso à hipérbole para evidenciar a força da sedução e da paixão em que o
sujeito poético se enleou: os braços que quebram cadeias de ferro são incapazes
de quebrar os elos com um singelo laço de fita.
Na
quinta estrofe, o sujeito poético, de forma exaltada / entusiástica (“Meu Deus!”),
reflete sobre os atributos dos astros, falenas, anjos e, como é evidente, da
sua Pepita, que usa um laço de fita que o faz morrer de amor por ela. Esta
referência é construído de forma contrastante, evidenciada pelo uso da
conjunção coordenativa adversativa no último verso da estrofe: “Mas tu… tens
por asas um laço de fita.” Nenhum ornamento, por mais belo que seja, supera o
encanto daquele laço de fita.
A sexta
estrofe remete para um momento anterior recente em que a amada dançava a valsa
(a forma verbal «voavas» sugere a leveza com que dançava, como se voasse, como
se deslizasse no solo, sem tocar com os pés no chão). Com quem dançava ela? Com
o «eu» poético ou com outro homem, enquanto aquele apenas observava? A
interrogação “Por que é que tremeste?” parece sugerir que é o sujeito lírico
quem efetivamente baila com a mulher. Além disso, indicia que não era apenas
ele que se deixara seduzir pela mulher, pois a forma verbal «tremeste» mostra
que também ela foi seduzida e o desejava, por isso tremeu.
Por
outro lado, esta estrofe confirma que a figura feminina retratada se afasta
bastante do já referido modelo romântico da mulher intocável e inatingível, uma
espécie de virgem pudica, pois esta tanto seduz como igualmente sente desejo. Pepita
não consegue esconder que também deseja o sujeito lírico, uma atitude muito
pouco comum na época, incluindo no contexto literário. A atração é mútua.
A
sétima estrofe mostra o entusiasmo e a excitação do «eu», que antevê o cenário
em que os dois se encontrarão quando o baile e a festa terminarem. Ele
imagina-a a despir-se (“despindo os adornos”) na alcova, isto é, no quarto,
desfazendo o laço de fita e o penteado à luz da vela (“N’alcova onde a vela
ociosa… crepita, / Talvez da cadeia libertes as tranças”), que ciosamente
crepita. Porém, nos dois últimos versos, introduzidos por nova conjunção
coordenativa adversativa, através da antítese, o sujeito poético reforça a sua
condição de cativo do laço de fita: “Mas eu… fico preso / No laço de fita.”
A
última estrofe esclarece que nem mesmo a morte, anunciada através da perífrase
e do eufemismo, apagará a sua atração pelo laço de fita, ou seja, confinar o
que sente pela mulher. Além disso, faz-lhe um pedido: ele deseja que, quando
morrer, lhe retirem os seus títulos, os seus «louros» (metáfora que traduz a
ideia de um feito, uma vitória, a conclusão com sucesso de algo, e da respetiva
recompensa) e o honrem com o laço de fita da mulher amada: “E dá-me por c’roa…
/ Teu laço de fita.”. Recordemos que os heróis da Antiguidade eram reconhecidos
através da colocação na cabeça de uma coroa de louros ou de ramos de oliveira.
À
semelhança do que sucede com outras composições de Castro Alves, este poema faz
uso de uma linguagem carregada de sensualidade e erotismo, projetada num laço
de fita. O amor, em Castro Alves, ao contrário do que sucede com a primeira geração
romântica brasileira, não é abordado como um sentimento platónico, puro e
idealizado, mas como sinónimo de paixão, de sensualidade e erotismo – o que
está em causa é o desejo carnal, a líbido. As mulheres que encontramos nos seus
poemas são sensuais, insinuantes, sedutoras, bem longe da idealização de outros
poetas.
Em
suma, neste poema, o sujeito poético descreve a sua paixão por uma mulher jovem
que encontrou num baile e que usava um adereço que granjeou a sua atenção: um laço
de fita. A partir daí, essa figura feminina, uma menina-mulher sensual, vai
envolvendo e seduzindo o «eu» por meio desse adereço, que se torna uma espécie
de fetiche para ele.
Por
outro lado, habitualmente, no campo do jogo da sedução, é o homem que seduz a mulher,
contudo, neste poema de Castro Alves, há uma inversão de papéis, pois é a jovem
que seduz um homem mais velho, que se lhe refere como «criança» e regista o processo
de encantamento e de sensualidade vivido. Os cabelos são um elemento muito
importante a ter em conta, desde logo porque é neles que se encontra o objeto
de que se enamora. Neste contexto, é importante ter presente que, na época da
elaboração do poema, as mulheres o usavam preso e apenas o soltavam na presença
do marido.
Quem
seria esta Pepita? Afrânio Peixoto considera que seria, provavelmente, Maria
Carolina de Almeida Torres, uma linda e travessa menina, enteada de uma irmã de
Alvares de Azevedo, ou Sinhá Lopes dos Anjos, filha de um médico baiano, de São
Paulo, correspondente e amigo de Castro Alves. Mas poderão ser outras: Eugénia,
Leonídia, Agnese, Ester, Brasília Vieira, Idalina, Sinhazinha Lopes, Tereza,
Joana, Lúcia ou Dalila.