«Palinódia»
é um vocábulo que designa uma retratação poética, uma correção presente, atual,
sobre algo que foi dito no passado.
No
primeiro verso, o sujeito poético alude a uma prima, no entanto esta palavra
possui um significado que vai para além do sentido que lhe é geralmente
atribuído. De facto, o segundo verso informa que, se se mantivesse o
significado coloquial, “arruinaria em mim o conceito / De teogonias velhíssimas”.
A palavra «teogonia» quer dizer “a origem dos deuses”, o que implica que a visão
da “prima” está associada a um momento especial: o do nascimento de Afrodite, a
deusa grega do amor.
A
segunda estrofe confirma o conteúdo da primeira, visto que o sujeito poético
recorda o momento em que viu a prima a tomar banho, num inverno específico (“Naquele
inverno”). Note-se que, no Nordeste do Brasil, a palavra «inverno» designa os
meses da chuva, que coincidem com o verão. Essa visão parece constituir a
primeira lembrança da manifestação do desejo erótico, por isso o sujeito
poético associa a imagem da prima à da deusa grega. Sucede, contudo, que as
atitudes da prima não condizem com as da divindade, dado que aquela visita as
igrejas o que constitui um comportamento caracteristicamente cristão.
Na
terceira estrofe, o «eu» poético justifica o título do poema, porque para ele
aquela imagem da prima vista na infância é agora (“Hoje”), embora percebida de
outra forma: “Que não és prima só / Senão prima de prima / Prima-dona de prima
/ – Primeva”, ou seja, ela é a representação mítica da primeira mulher (“primeva”
= prima + Eva), permanecendo na memória do sujeito poético como símbolo da
descoberta do desejo erótico. Deste modo, essa imagem da prima transcende o
mero parentesco para se converter em símbolo da descoberta do amor sensual. A
visão da prima pode ser entendida como um acontecimento epifânico que permite
ao «eu» a descoberta de significados até então ocultos na sua vida.
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