Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava
já que a vida é tão dolorosa
e não sei dizer mais nada!
Se eu fosse água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vai desfazendo a minha vida!
Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
– de ser menos breve do que a
água,
mais durável que o vento e a rosa…
Como
sucede com frequência, o título fornece pistas sobre a mensagem do
poema, implicando o «eu», que são confirmadas nas duas estrofes iniciais. De
facto, nelas encontramos as possíveis atitudes do sujeito poético caso ele
fosse cada um dos elementos que desejaria ser, atitudes essas que seriam
tomadas face à visão do mundo do sujeito poético e de que dispõe justamente por
não ser rosa, nem vento nem água.
O «eu»
pode sentir “que a vida é tão dolorosa”, e não existem palavras que sejam
necessárias para exprimir os seus sentimentos (“e não sei dizer mais nada”),
bem como que não se pode permanecer por muito tempo nos pensamentos das outras
pessoas (“como em teu próprio pensamento / vais desfazendo a minha vida!”).
Note-se, porém, que, na segunda estrofe, entra em cena um interlocutor, o qual
é afetado pela mágoa, por causa da ação do «eu» de “ser menos breve do que a
água, / mais durável que o vento e a rosa…”.
O título
é constituído por uma forma verbal que se encontra no modo conjuntivo (“fosse”),
a qual traduz o desejo do sujeito lírico de ser algo que não é, enquanto que o
advérbio «apenas» sugere uma ideia de simplicidade, ao passo que as reticências
marcam uma suspensão do raciocínio, que será retomado na primeira estrofe.
A
presença do indefinido «uma» em “uma rosa” significa que o desejo do sujeito
poético se refere a qualquer rosa e não a uma específica. Assim sendo, pode
concluir-se que o que o leva a desejar ser uma rosa terá a ver com algo inerente
a todas essas flores e não a algo característico de uma flor desse tipo. E que
«algo» é esse? Todas se desfolham. Note-se que o desfolhar-se constituiria um
ato que lhe daria prazer, visto que a vida para ele é dolorosa. O uso do
presente do indicativo do verbo «ser» (“é”) permite encarar a afirmação como
uma verdade absoluta.
O outro
fator que leva o «eu» a considerar um prazer o ato de se desfolhar, isto é, em
«morrer» (note-se que a queda das folhas se relaciona com a ideia de morte), é
a incapacidade ou a impossibilidade de expressar por meio das outras uma ideia
diferente da “que a vida é dolorosa”: “e não sei dizer mais nada!” (atente-se
na força da exclamação com que encerra o verso 4).
O
primeiro verso da segunda estrofe volta a repetir, ainda que parcialmente, o
título, mas desta vez com outros elementos da Natureza que não a rosa: a água e
o vento. Neste caso, os elementos não são antecedidos de qualquer artigo, o que
pode apontar para uma generalização desses elementos.
O
segundo versa dessa estrofe retoma a ideia do prazer em se extinguir, desta vez
através do vocábulo «desfaria». A comparação presente no terceiro verso anuncia
a presença de um interlocutor que vai esquecendo o sujeito poético pouco a
pouco, até porque o pensamento é fugaz, rápido, além de nunca ser estático.
A
terceira estrofe abre com um pedido de perdão do «eu» ao interlocutor por o
magoar por causa da sua “humana, amarga demora”. O terceiro verso inicia-se com
um traço (–), como se introduzisse uma explicação da afirmação anterior.
A “amarga
demora” que gera mágoa no interlocutor do «eu» é “menos breve do que a água, /
mais durável que o vento e a rosa”. Mas o que significa ser menos breve do que
a água? Desde logo, este elemento é um dos mais duráveis do planeta, o que
tornaria o verso e a comparação ilógicos. Para a sua interpretação, é
necessário recorrer ao poeta grego Heraclito (séc. VI a.C.) e à sua máxima de
que não nos podemos banhar duas vezes no mesmo rio, visto que, ao entrar nele
pela segunda vez, não será a mesma água que estará lá nesse momento. Assim
sendo, o sujeito poético refere-se à brevidade que caracteriza a passagem da
água e não ao elemento em si. Ser menos breve do que essa mudança é permanecer
por mais tempo do que a mudança dessa água que passa, que escoa rapidamente,
dura apenas alguns instantes.
O
último verso recupera os elementos naturais vento e rosa, neste caso para
enfatizar a demora do «eu» lírico em “se acabar”, dado que este é “mais durável”
do que ambos. A partir das comparações estabelecidas – água, vento, rosa –, o
sujeito poético procura comprovar que a sua condição humana dura algum tempo.
Ou seja, os elementos naturais são convocados para contrastar a brevidade da
sua existência com a maior duração da do «eu».
Em
suma, para o sujeito poético a sua condição de ser humano, mais longa do que a
vida dos elementos da Natureza referidos, é pouco valiosa; pelo contrário,
preferiria uma existência mais efémera, visto que a vida não lhe proporciona
alegria e felicidade. Nem mesmo as pessoas mais próximas – atente-se no determinante
possessivo «teu» (v. 7), que indicia proximidade entre o «eu» e o «tu» - o têm
no pensamento mais do que um breve instante.
O
recurso ao verso «ser» é significativo, pois, ao desejar ser algo, o sujeito
lírico aponta para o que é.
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