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Segunda metade do séc. XX - Contexto
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            1. A Europa na segunda metade do século XIX 
            Por meados do século XIX, as
  profundas transformações operadas pelo motor a vapor de água na produção
  industrial, nos transportes, na economia e nas relações sociais tinham feito
  surgir problemas e maneiras coletivas de pensar e sentir, já muito diferentes
  de tudo aquilo que estava na base do Iluminismo e da Revolução Francesa. 
            Verificou-se na Europa, na segunda
  metade do século XIX, um aumento da população, que passou de 266 milhões de
  habitantes, em 1850, para cerca de 400 milhões, em 1900. Esse aumento
  condicionou uma intensa emigração europeia para outros continentes (30
  milhões). 
            A par do surto demográfico,
  verificaram-se importantes transformações económicas na agricultura, no
  comércio e na indústria. 
            No plano agrícola processou-se uma
  modernização técnica, uma larga utilização de adubos que provocou o aumento
  da produção. Por outro lado, em certas regiões, definiu-se uma especialização. 
            No plano comercial modificou-se,
  amplamente, a geografia comercial do mundo e, na medida em que a Europa se
  tornou a fábrica do mundo, novas correntes apareceram, quer no comércio
  interno, quer no comércio internacional. 
            Particularmente relevante foi o
  que se passou na economia industrial. De facto, verificou-se a concentração
  industrial, que substituiu o grande número de oficinas por um número
  relativamente reduzido de fábricas; a concentração geográfica, com o reagrupamento
  em certas regiões favoráveis. Daí o aumento da produção, que tomou o caráter
  de uma produção em massa e em série. Por outro lado, ao nível do trabalho
  operário, intensificou-se a divisão técnica. 
            No campo científico, as conceções
  mecanicistas foram ultrapassadas: a termodinâmica mostrava a unidade e
  conversibilidade existente entre todas as formas de energia; a química orgânica
  ligara os fenómenos físico-químicos aos fisiológicos; as conceções
  transformistas generalizavam-se, verificando-se que tudo no mundo tinha uma
  história, desde os corpos celestes até à crosta terrestre, às espécies
  biológicas, às estruturas sociais, aos idiomas e aos princípios jurídicos.
  Esta conceção de um mundo todo explicável cientificamente e em constante
  transformação refletiu-se no aparecimento da filosofia da história e afetou
  as crenças religiosa muito mais profundamente do que o mecanicismo. 
            Duas grandes inovações surgiram no
  século XIX: a ligação ciência-técnica e a preocupação em aplicar o
  conhecimento no sentido do útil e do eficaz. A primeira substituiu a
  tradicional ligação filosofia-ciência, já procurada pelos Gregos e pelos
  humanistas. Os progressos da ciência e da técnica intensificaram-se,
  particularmente, na segunda metade do século XIX e fizeram da civilização
  ocidental uma civilização do maquinismo. Consequentemente, a indústria
  desenvolve-se amplamente, refletindo-se no progresso das técnicas e na
  própria ciência. A Europa assiste a uma aceleração da História, resultante
  das transformações da vida material e económica. Pelo seu dinamismo, atinge
  um momento de apogeu ‑ rica em população, em capitais e mercadorias, assegura
  uma posição de primeiro plano no mundo e lança-se na expansão
  pluridimensional: demográfica, económica, política, militar e cultural. É de
  salientar a necessidade que tem de mercados, de matérias-primas, de
  investimento de capitais, de escoamento de produção industrial. 
            A expansão veio a desencadear a
  rivalidade entre os imperialismos, os antagonismos entre os Estados,
  preocupados com o lucro e com o poder. 
            A revolução industrial e o
  capitalismo industrial, que dela decorre, repercutiram-se, como é evidente,
  no plano social: arruinaram a noção tradicional de Ordens, que constituíram
  uma hierarquia, para a substituir pela distinção entre classes sociais,
  baseada na riqueza. Mas além do surto de novas doutrinas históricas ou
  sociológicas, tais problemas e tal mentalidade produzem também os seus
  efeitos na arte literária. Como é sabido, no Romantismo podem distinguir-se
  duas fases: 
-» a primeira, predominantemente
  passadista, conservadora, embora adaptada a um novo tipo de público; 
-» a segunda, desde cerca de 1830, em que
  os escritores começam a preocupar-se com os problemas humanitários mais
  clamorosos: a escravatura, que os mecanismos tornavam dispensável e que
  tolhia a mecanização; os horários excessivos do trabalho operário; o sufrágio
  universal; o analfabetismo; a delinquência causada pela miséria; a infância
  abandonada, etc. 
            As consequências morais e sociais
  da caça ao lucro foram postas em relevo pelo romancista francês Balzac, na
  sua série de obras A Comédia Humana;
  a exploração da infância e dos miseráveis, as brutalidades do regime
  prisional então vigente são denunciadas por Hugo e Dickens; outros escritores
  muito populares ridicularizam o «burguês» e exaltam o humanitarismo (os
  romancistas franceses Eugène Sue, George Sand, Monier, os ingleses Kingsley,
  Carlyle; o poeta Béranger). 
            Esta mentalidade científica, esta
  tendência para retratar os males sociais na obra literária, estreitamente
  relacionadas com as revoluções europeias de 1848 e o aparecimento das
  primeiras ideologias socialistas, conduziram ao chamado realismo, escola de arte que procura esmerar-se na produção
  típica e desapaixonada da realidade, especialmente a realidade social humana,
  e que reage contra o devaneio individualista sentimental de quase todos os
  primeiros românticos. Os mais típicos realistas foram Coubert na pintura e
  Flaubert no romance (Madame Bovary). 
            A burguesia, que não é uma classe
  nova, é a grande beneficiária desta nova situação: cresce em número e em
  poder. A classe burguesa é uma classe complexa: está dividida em grande,
  média e pequena burguesia, cabendo a primazia, porém, à burguesia industrial. 
            O seu ideal político é o
  liberalismo e, antes de mais, o económico, refratário à intervenção do
  Estado. A defesa do liberalismo político é expressão do individualismo.
  Contudo, há a considerar uma linha conservadora, interessada em manter a
  ordem estabelecida, e uma linha progressista, defensora das reformas democráticas. 
            Não se pode afirmar, porém, que a
  burguesia ocupe o poder em toda a parte: não o ocupou em Inglaterra, foi
  remetida para a oposição pelas monarquias absolutas. 
            Na medida em que deteve os grandes
  meios de produção, encontrou a contestação da classe proletária, nova classe
  que, na época, se define. Daí o aparecimento da grande questão social que
  conduz muitos intelectuais a uma tomada de posição. Grande parte desse
  proletariado provém do êxodo rural (migração interna). Instalando-se nos
  centros urbanos, representa uma ameaça para a burguesia que, por vezes, não hesita
  em recorrer à força. 
            O aparecimento das doutrinas
  socialistas resultou de uma profunda desigualdade social, criticada por
  pensadores oriundos de horizontes sociais diferentes, em nome da razão e da
  fraternidade. Na primeira metade do século XIX, surge o socialismo utópico,
  mas posteriormente elaboraram-se grandes sistemas socialistas: o de Proudhon,
  o de Bakounine e o de Karl Marx. 
            No momento em que aparece a obra
  de Marx, a Europa avançou para uma segunda revolução industrial
  (monopolista), na qual se acentua a concentração das empresas quer no plano
  vertical, quer no plano horizontal[1].
  Também nasceram novas classes médias, interpostas entre patrões e operários
  (como, por exemplo, os pequenos patrões independentes). 
            Toda esta situação provoca a
  emergência de duas ideologias em conflito: a burguesia, de inspiração liberal
  e capitalista, e a popular, de inspiração democrática e socialista. 
            A primeira tem a sua origem nos
  princípios da Revolução Francesa. Na ordem política, pretende o
  estabelecimento de regimes constitucionais, garantia dos direitos naturais
  dos cidadãos e parlamentos eleitos. Na ordem social, abolição de privilégios
  de nascimento, mas manutenção dos devidos ao dinheiro (defesa dos interesses
  burgueses). Na ordem económica, liberdade do empresário, que, assumindo
  riscos, beneficia dos lucros; lei da concorrência; não intervenção do Estado (laissez faire, laissez passer). 
            A segunda, embora com raízes no
  passado, define-se com o contributo dos pensadores socialistas. O seu
  programa tem por objetivo fundamental a instituição de democracias, às quais
  cabe, muito especialmente, a satisfação das reivindicações dos trabalhadores.
  Porém, o estabelecimento de uma democracia económica foi um objetivo que permaneceu,
  apenas, no plano ideal. 
            Todavia, a situação dos operários,
  a partir de cerca de 1880, tendeu a melhorar, ainda que lenta e dificilmente,
  e os Estados dispõem-se a intervir nos problemas sociais e a dar resposta às
  exigências operárias. Os sindicatos, por seu lado, adquirem uma força
  crescente e procuram obter, do patronato, uma melhoria da situação dos trabalhadores
  (incluindo os de inspiração marxista). | 
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            2.
  Portugal na segunda metade do século XIX 
            Em meados do século XIX, a
  população de Portugal metropolitano atingia os 3 milhões e meio de
  habitantes. Verificou-se, porém, um aumento de população que, em 1911,
  atingiu os 5 milhões e meio. A distribuição demográfica era muito irregular e
  concentrava-se, principalmente, a norte do rio Tejo e no litoral. 
            Apesar do crescimento da população
  urbana, o País continuava predominantemente rural ou ruralizado. As cidades
  mais populosas eram Lisboa e Porto, com mais de cem mil habitantes. O surto
  demográfico no País acompanhou, em certa medida, o que se passava na Europa
  ocidental. 
            O fenómeno da migração, interna e
  externa, relacionou-se com o crescimento da população, conjugado com as
  flutuações dos preços dos géneros alimentares. Assim, as famílias de pequenos
  proprietários e rendeiros agrícolas das zonas mais povoadas lutam com
  dificuldades económicas. Daí, por um lado, as migrações sazonais internas e,
  por outro, o movimento de saída para fora de Portugal, nomeadamente para o Brasil.
  É de notar que foi fraco o desenvolvimento das cidades e, consequentemente,
  as suas dificuldades na absorção da mão-de-obra. 
            A estrutura socioeconómica
  mostrou-se incapaz de integrar os excedentes populacionais. A corrente migratória
  contínua acabou por afetar a estrutura demográfica portuguesa e, se resultou
  do crescimento populacional, não deixou também de funcionar como travão desse
  crescimento. Da emigração resultou o envelhecimento e feminilização da população
  portuguesa. 
            O início do século XIX é marcado
  por três factos importantes: as invasões francesas, a independência do Brasil
  e as lutas entre liberais e absolutistas. 
            Remetendo-nos ao plano político,
  instaura-se no país um clima de instabilidade com a revolução liberal de 1820
  e com a promulgação da Constituição de 1822. Em 1823, surge a revolta
  contrarrevolucionária, defensora do absolutismo do antigo regime (abolição da
  Constituição de 1822). Com a morte de D. João VI (1826), D. Pedro outorga a
  Carta Constitucional, todavia, com o regresso de D. Miguel (1828), vem a
  desencadear-se a guerra civil (1832-1834), que termina com a vitória dos
  liberais sobre os miguelistas. Porém, os liberais triunfantes dividem-se em
  partidários da Constituição de 1822 (Vintistas)
  e partidários da Carta Constitucional (Cartistas),
  o que explica a revolução de Setembro de 1836 (Setembrismo), a promulgação da Constituição de 1838 e o Cabralismo. 
            Com a queda do Cabralismo,
  inicia-se o período da Regeneração, período de certa estabilidade social e
  política. A Regeneração veio dividir o século XIX português em duas partes
  distintas: um período de instabilidade e um período de relativa estabilidade,
  no qual se verifica um certo equilíbrio das forças sociais. Surge, portanto,
  o fenómeno político do rotativismo partidário, com destaque especial para Regeneradores
  e Históricos. 
            A velha aristocracia do «Antigo
  Regime» conseguiu sobreviver à guerra civil de 1832-1834. A burguesia
  comercial urbana, sendo dominante no plano ideológico, não o era, porém, no
  plano económico, por não possuir a principal riqueza nacional, constituída
  por bens agrários. O clero foi o mais prejudicado com as transformações
  trazidas pelo liberalismo e pela burguesia (a extinção das ordens religiosas,
  a nacionalização dos bens dos conventos, a abolição da dízima), não obstante
  manter influência ideológica em certas regiões (interior e norte). O republicanismo
  veio a fazer do anticlericalismo uma das suas armas, o que demonstra, ainda,
  a força social e ideológica do clero. Foi a nobreza liberal a classe que mais
  beneficiou com as transformações verificadas. 
            Por uma política de casamentos, a
  burguesia aproximou-se da nobreza, acabando por ser mais detentora de terras
  do que industrial ou comercial. No contexto da estrutura social, o campesinato
  tem um extraordinário peso em termos demográficos (em 1864, seria de 75% a
  percentagem da população rural). A situação da classe rural não melhora e até
  se agrava em consequência do aumento demográfico. As suas alternativas eram
  limitadas: recurso à migração para as cidades ou para o estrangeiro e, por
  vezes, ingresso na carreira eclesiástica. E dada a incapacidade das cidades
  em absorver a mão-de-obra rural, daí resultou uma emigração, especialmente
  para o Brasil. 
            A perda do Brasil também orientou
  uma política voltada para os territórios africanos, o que permite compreender
  toda uma política de fomento colonial que se desenvolve, sobretudo, a partida
  da Regeneração (1851). Esta política colonial virá a provocar conflitos,
  particularmente com a Inglaterra, no contexto das preocupações expansionistas
  de algumas potências estrangeiras. 
            Com a independência do Brasil, em
  1822, impôs-se uma orientação económica voltada para o aproveitamento dos
  recursos nacionais: a agricultura, a pecuária, os recursos mineiros e o arranque
  de iniciativas no plano industrial. Assim, procura-se modernizar o País e
  explorar as suas potencialidades económicas ‑ o que explica a introdução e a
  relativa expansão da máquina a vapor no campo da indústria e o lançamento da
  rede ferroviária e viária (fontismo). O alargamento progressivo da rede
  ferroviária chegou, em 1863, à fronteira com a Espanha, o que permitiu uma
  abertura à cultura europeia. Em 1864, Coimbra ficou ligada à rede europeia de
  caminho-de-ferro. Não obstante os avanços técnicos, o País continuou
  essencialmente agrícola; a área de produção alargou-se no sentido de dar
  resposta à procura interna de alimentos por uma população crescente e de
  corresponder às solicitações dos mercados externos, particularmente do
  inglês. De facto, as instituições sociais, sob o ponto de vista tecnológico,
  económico e social, estagnavam. Há uma certa prosperidade passageira da
  grande burguesia, mas as condições de vida, de cultura e o nível de consciência
  da massa campesina não se alteram muito. 
            Uma economia assente na produção
  agrária parece poder explicar-se com a incapacidade de concorrer, em
  qualidade e preços, com a Inglaterra e os países da Europa do noroeste. Os
  seus produtos industriais invadiam o mercado nacional e daí a necessidade de
  fomentar a agropecuária. E por falta de dinamismo económico interno, por
  falta de uma expansão da produção nacional, desenvolve-se, assim, uma grande
  dependência do mercado externo, cuja evolução se reflete na vida económica e
  financeira nacional, conduzindo, por vezes, a situações de crise. 
            Em 1872, sob a influência da
  Comuna de Paris, da Internacional irrompe o movimento operário. A criação do
  Partido Socialista (1875), as associações de classe e o aparecimento de uma
  imprensa operária e socialista, parecem mostrar uma estruturação do movimento
  operário, embora lenta e difícil. O proletariado industrial, sem grande
  significação social e política, cresceu lentamente, nunca atingindo, contudo,
  o carácter predominante numa sociedade essencialmente rural. 
            Em 1873, surge um novo partido, o
  Partido Republicano e, pouco depois, em 1875, o Partido Socialista. 
            Em 1890, em consequência da
  questão do «Mapa Cor-de-Rosa», a Inglaterra impõe um Ultimato ‑ facto este
  que fomentou a oposição republicana e conduziu à revolta do Porto, fracassada,
  em Janeiro de 1891. 
            Em síntese, poder-se-á falar num
  subdesenvolvimento de Portugal na época contemporânea, resultante dos
  seguintes fatores: 
-
  dependência em relação a outros países mais desenvolvidos e às colónias; 
-
  organização empresarial de fraco nível; 
-
  política tributária deficiente e elitista; 
-
  certa incapacidade de desenvolvimento industrial e agrícola; 
-
  limitada capacidade de aplicação de novidades técnicas; 
-
  distribuição injusta de terras; 
-
  circulação interna limitada; 
-
  fraco poder de consumo; 
-
  forte setor terciário parasitário; 
-
  predomínio da agricultura; 
-
  distribuição desequilibrada da população pelo País; 
-
  pouco desenvolvimento urbano; 
-
  índices elevados de emigração e analfabetismo; 
-
  grande taxa de mortalidade infantil; 
-
  alimentação deficiente das classes pobres; 
-
  generalizada falta de consciência política; 
-
  ação repressiva das autoridades. 
Bibliografia: 
            O Pensamento de Antero de Quental,
  Manuel Tavares e Mário Ferro, Editorial Presença. 
            História da Literatura Portuguesa, A. J. Saraiva e Óscar Lopes,
  Porto Editora. | 
[1]
Concentração vertical quando, por
exemplo, uma mesma empresa domina as operações que transformam o minério de
ferro em barco a vapor;
horizontal quando, por exemplo, o produtor de açúcar
domina o mercado de todo um país: capitalismo monopolista.
 
 


