Português

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Origem e significado de OK

     A propósito do ensino à distância, vários alunos têm respondido às instrução que lhes são dadas com um sempre estimulante e delicado OK.
     Sucede, porém, que há sempre quem queira inovar e um ou outro surpreende-nos com variações, como, por exemplo, okk.
     Ora bem, de acordo com Allan Metcalf, professor de Inglês no MacMurray College, a expressão OK surgiu pela primeira vez no jornal The Boston Morning Post, entretanto extinto, em 1839. Sucede que o periódico tinha como característica o uso de abreviações (por exemplo, gt era usada para significar "gone to Texas"). Neste contexto, o OK surgiu como uma abreviatura da expressão "oll korrekt", que derivava de "all correct", com o significado de «tudo certo».
     A expressão ganhou popularidade por volta de 1840, quando os apoiantes de Martin Van Buren, candidato à presidência dos EUA e natural da cidade de Kinderhook, sustentaram que OK! se referia a "Old Kinderhook", isto é, a "Velha Kinderhook".
     Atualmente, esta abreviatura é usada a torto e a direito com o sentido de aprovação e de afirmação.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Análise do poema "Sísifo", de Miguel Torga

Mito de Sísifo

Sísifo era filho de Éolo e rei da Tessália. Além disso, era o fundador da cidade de Éfira, mais tarde chamada Corinto, bem como dos jogos de Ístmia, os designados jogos Ístmicos. Era considerado uma pessoa muito habilidosa e o mais esperto dos homens, razão por que se dizia que era pai de Ulisses.
Certo dia, Sísifo avistou Zeus a raptar Egina, filha de Asopo, deus dos rios. Quando este o interrogou sobre o paradeiro da jovem, Sísifo não hesitou e denunciou Zeus, em troca de uma fonte de água para a sua cidade.
Como castigo, o pai dos deuses ordenou a Tanatos, o deus da morte, que o levasse para o reino dos mortos. No entanto, Sísifo, graças à sua astúcia, enganou e prendeu Tanatos. A prisão da divindade impedia que os mortos pudessem alcançar o Reino das Trevas, por isso foi necessário que Ares o libertasse. Então Sísifo, para escapar de novo à morte, engendrou novo ardil: instruiu a mulher que não lhe prestasse exéquias fúnebres, que não o sepultasse.
Quando chegou ao mundo dos mortos, queixou-se a Hades, soberano do reino das sombras, da negligência da esposa e pediu-lhe que o deixasse regressar ao mundo dos vivos, apenas por um curto período de tempo, para a castigar.
Porém, assim que se viu novamente à superfície, Sísifo recusou regressar ao mundo dos mortos. Pela sua falta de respeito em relação aos deuses, Hermes, o deus mensageiro e condutor das almas para o Além, decidiu castigá-lo pessoalmente: Sísifo foi condenado, no reino dos mortos, a empurrar eternamente uma rocha até ao cimo de uma montanha. Uma vez atingido o cume do monte, a pedra caía invariavelmente e regressava ao ponto inicial. Este processo seria sempre repetido até à eternidade.


Tema

O tema do poema é a luta permanente e persistente do homem para alcançar os seus objetivos, não se contentando com menos que o todo, o absoluto: “De nenhum fruto queiras só metade” – v. 10).


Estrutura interna

1.ª parte (1.ª estrofe) – O sujeito poético aconselha ou incentiva o ser humano a não desistir e a ser ambicioso, dando como exemplo uma caminhada.

2.ª parte (2.ª estrofe) – O sujeito poético defende que o ser humano deve ser persistente na realização dos seus sonhos.

* * * * * * * * * *

1.ª parte

O sujeito poético aconselha o «tu» a recomeçar o percurso de vida a cada momento, de forma tranquila e persistente, ainda que o caminho seja difícil: “Nesse caminho duro”.

O «eu» usa o verbo «recomeçar» no modo imperativo (e não o verbo «começar»), visto que não se está a referir ao início de um percurso, mas a relembrar ao «tu» a necessidade de recomeçar em cada momento.

O modo imperativo tem um valor de exortação e incitamento do «eu», dirigido ao «tu».

As reticências traduzem uma ideia de continuidade, reforçando o valor do prefixo «re» da forma verbal «recomeçar»: a tarefa já foi executada anteriormente, ou seja, é necessário fazer um caminho que já se percorreu, tendo consciência de que tudo tem de se reconstruir e refazer. É necessário recomeçar repetidamente.

O «eu» lírico aconselha que a tarefa seja encarada com tranquilidade e vagar: “Se puderes, / Sem angústia e sem pressa.” – vv. 2-3.

Ele alerta o «tu» para a dificuldade do caminho (“Nesse caminho duro”), mas procura suavizar a ideia através de uma atitude mais otimista, que valoriza o esforço empreendido: a pessoa a quem o «eu» se dirige é incentivada a assumir-se como senhor(a) do seu destino e a usufruir das sucessivas oportunidades que a vida lhe oferece na busca de realização, trilhando o seu caminho de forma autónoma: “os passos que deres / […] Dá-os em liberdade”. O recomeço deve ser feito sempre em liberdade, isto é, de forma autónoma, por livre escolha.

O «tu» deve ser também perseverante (“Enquanto não alcances / Não descanses” – vv. 8-9), inconformado e exigente (“De nenhum fruto queiras só metade” – v. 10). A metáfora presente neste último verso realça a importância de lutar até ao fim pela concretização dos seus sonhos, não os deixando pela metade.

As formas verbais no presente do conjuntivo («alcances», «descanses», «queiras») traduzem os conselhos do sujeito poético relativos ao valor da persistência e do esforço na construção do projeto futuro.

As consoantes sibilantes e os veros curtos do início do poema conferem-lhe um ritmo lento, o qual se adequa à serenidade que o sujeito poético defende (v. 3).

2.ª parte

O pomar está cheio de frutos que, mesmo depois de alcançados e degustados na totalidade, deixarão na boca do Homem um sabor a falsidade.

O sonho é aquilo que fez a humanidade avançar, pois obriga o ser humano a lutar pela sua concretização: “Sempre a sonhar.” (v. 14),

É possível associar estes versos a outra figura da mitologia: Tântalo. O seu castigo consistia na perpétua tentativa frustrada de alcançar os frutos que saciariam a sua fome. Assim se justifica que o sujeito poético aconselhe a ir “colhendo / Ilusões sucessivas no pomar”. São os frutos que, se não são proibidos, pelo menos são apetecíveis. Porém, não são totalmente satisfatórios: por mais que desfrutemos deles, nenhum «fruto» se exime da sua falsidade. Daí que o sujeito poético / ser humano “nunca [fique] saciado”.

A realidade (“Acordado” – v. 16) é conotada tanto com a concretização, como com o malogro dos sonhos, ideia sustentada na presença do nome «logro», que tanto pode significar «concretização de algo» como «engano».

No verso 18, o sujeito lírico dirige novo apelo ao «tu»: que se recorde de que a sua condição de ser humano lhe confere a responsabilidade de ter uma existência digna, isto é, uma vida na qual não se resigne à mediocridade e em que lute pelos seus ideais.

Os versos 19 e 20 concretizam a oposição entre o sonho e a realidade. A loucura associa-se ao sonho, na medida em que este se relaciona com a capacidade de perseguir algo que parece irreal. No entanto, é a aptidão de assumir esta loucura com «lucidez», isto é, com noção concreta da realidade, que permite ao Homem realizar um percurso em direção à concretização dos sonhos, em virtude do qual lhe será possível construir-se a si próprio e, portanto, “reconhe[cer-se]. (adaptado de Entre Nós e as Palavras 12, Alexandre Pinto e Patrícia Nunes, Santillana).

O Homem é um ser lúcido («Acordado», «lucidez») e a sua condição enquanto tal obriga-o a cair e a levantar-se, a ser derrotado e a lutar de novo, sempre consciente dos seus atos.

Em suma, nos três versos finais, ressalta a ideia de que o ser humano não pode esquecer a sua condição humana e que a loucura – isto é, o sonho – só é verdadeiramente seu quando é ele próprio a controlá-lo.


Título

▪ No mito grego, Sísifo é condenado a realizar eternamente uma tarefa absurda, pois os seus esforços são inglórios e a tarefa tem de ser continuamente reiniciada.

▪ No poema, o mito de Sísifo associa-se à condição humana, pois, tal como ele, o Homem é obrigado a reiniciar constantemente as suas lutas, que redundam frequentemente em fracasso. Contudo, o Homem mostra-se digno pela sua capacidade de recomeçar continuamente o percurso e continuar a sonhar a concretização desses sonhos.

▪ Sísifo é, afinal, uma metáfora do caminho do Homem em direção à concretização do sonho. É o símbolo do esforço incessante e persistente, presente no gesto sacrificial de rolar continuamente a pedra até ao cimo da montanha, bem como do inconformismo e do incentivo à procura de liberdade e de luta pela concretização dos sonhos. E é isto que dá sentido à vida do ser humano.

▪ Por outro lado, o mito assemelha-se ao trabalho do poeta: a criação poética. De facto, Sísifo, perante a tarefa que repete quotidianamente (rolar a pedra até ao cimo da montanha, sabendo que cairá quando chegar ao cume e que terá de a fazer subir novamente), recupera e recomeça o seu trabalho sem fim.

▪ De modo semelhante, o trabalho de criação poética, para o poeta, nunca estará completo, daí que o seu trabalho não tenha também fim com as suas palavras, os seus poemas. É uma tarefa infindável, tal como a de Sísifo.


O poema enquanto hino à condição humana

Óscar Lopes afirma que este poema é um hino à condição humana, como parece sugerir o verso 18: “És homem, não te esqueças!”.
De facto, a composição valoriza o sonho e a liberdade como valores que devem estar na base da ação humana.
Por outro lado, defende o espírito de resistência e de insubmissão do ser humano, espírito esse que é simbolizado pelo esforço de superação sugerido pela retoma sucessiva da tarefa, por Sísifo.
Além disso, o poema apresenta o Homem como um ser condenado a carregar a sua cruz até ao fim da sua vida, «sem angústia e sem pressa», «em liberdade» (isto é, por livre escolha), até alcançar o «fruto desejado».

As Conferências Democráticas do Casino

segunda-feira, 4 de maio de 2020

A Questão Coimbrã

A Geração de 70



Fim do Romantismo:
» Almeida Garrett morre em 1854.
» Alexandre Herculano afasta-se da vida pública e literária.
» António Feliciano de Castilho congrega os defensores do Ultrarromantismo.

A geração ultrarromântica liga-se ao período da Regeneração, fase de estabilização aparente da vida social e política, conseguida através da:
. eliminação da ala esquerda do Liberalismo;
. criação duma oligarquia que deturpou as reformas sociais de Mouzinho da Silveira, degradou os ideais do Liberalismo e deu lugar a uma nova classe dominante.
Os membros da chamada Geração de 70, cujas primeiras manifestações literárias datam de meados da década anterior, acabaram de se formar numa fase posterior à consolidação do liberalismo em Portugal, marcada pelo funcionamento regular das instituições parlamentares, pela noção de progresso (identificado com os melhoramentos materiais) e uma maior comunicação com o exterior, quer técnica, quer económica, quer cultural, bem como pela consolidação de uma cultura laica, burguesa e dirigida a um já numeroso público alfabetizado.
No entanto, novos problemas surgem: a sociedade tinha estagnado sob o ponto de vista tecnológico, económico e social; as condições da massa campesina não se alteraram; a enorme emigração para o Brasil é sinónimo de dificuldades; a população industrial viu-se confrontada com a produção mecanizada; o grupo político dirigente dependia cada vez mais do capital bancário interno ou externo.
Por outro lado, esta geração romântica, despojada da pureza dos ideais que tinha caracterizado a primeira geração, vivia num compromisso assumido e proveitoso com o governo, ocupava cargos privilegiados, dominava a administração pública, a imprensa, a política e a literatura. Tudo parecia querer traduzir a vontade e os princípios orientadores do governo. A Literatura é mais do que nunca um fenómeno oficial, marcado pelo conservadorismo ideológico e pela deterioração duma estética cada vez mais estereotipada.
O paternalismo/autoritarismo destes valores tem em Castilho o seu representante máximo. Este poeta ultrarromântico, com uma formação neoclássica e conservadora, é a figura venerada, o patriarca dos ultrarromânticos a cuja apreciação sujeitam toda a produção literária com o objetivo de obterem a sua adesão, a sua avaliação favorável, condição suficiente para os impor junto dos editores e do público em geral. Castilho alimentou este clima, este estado de espírito medíocre que nada tinha de promissor e de fecundo, tornando-se um dos grandes responsáveis pela decadência do Romantismo português e pela rutura polémica que lhe pôs fim.
Esta situação literária, que tem como suporte o enfeudamento ao poder, o elogio mútuo, o protecionismo e a consequente falta de qualidade e de criatividade, dá azo a que um grupo de jovens intelectuais, ligados à Universidade de Coimbra assuma a coragem da "rebelião" contra os literatos de Lisboa e o seu mestre e protetor. Este grupo ficou a ser conhecido por Geração de 70.
A Geração de 70 é, basicamente, um grupo de jovens intelectuais estudantes na Universidade de Coimbra, do qual fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e outros, que surge a contestar os excessos do Ultrarromantismo, representados por uma plêiade de escritores sob a égide de António Feliciano de Castilho.

Em síntese:

A Geração de 70 era constituída por muitos intelectuais que, nas últimas décadas do século XIX, empreenderam uma verdadeira revolução no modo de pensar o país, a sociedade, a política e a literatura, e se afirmaram como elite intelectual entre 1865, data do texto de Antero com Castilho (Bom senso e bom gosto), e 1871, data das Conferências Democráticas do Casino.

Entre os seus membros destacaram-se:
» Antero de Quental;
» Eça de Queirós;
» Teófilo Braga;
» Ramalho Ortigão;
» Oliveira Martins;
» Guerra Junqueiro.

Apostados em modernizar o país, os membros da Geração de 70 foram influenciados pelas novas ideias culturais europeias e pelos novos modelos europeus (através de leituras de autores franceses e alemães e do conhecimento de movimentos insurrecionais, como a Comuna de Paris), mais precisamente:
» o Socialismo utópico de Proudhon e Saint-Simon;
» o Positivismo de Comte;
» o Idealismo de Hegel;
» o Realismo de Flaubert e Zola.

O primeiro passo para o nascimento da consciência da Geração de 70 foi a chamada Questão Coimbrã.

A Questão Coimbrã é o nome pelo qual ficou conhecida a polémica literária ocorrida em 1865, que opôs o então jovem Antero de Quental e António Feliciano de Castilho.

COVID-19: ponto de situação do dia 3 de maio


sábado, 2 de maio de 2020

Subtítulo Episódios da Vida Romântica

▪ O plural episódios remete para o estudo ou diagnóstico da sociedade portuguesa através de vários episódios, o que corresponde a uma características realista: primado do real + intuito reformista.

▪ Visão crítica de uma época:
» Crónica de costumes – Visão crítica da sociedade, denunciando os seus costumes, defeitos e virtudes através de personagens-tipo – personagens que tipificam um grupo, uma personagem, um vício.
» O mundo social e político da sociedade lisboeta de grande parte do século XIX.
» Caráter estático.
» Menos ficção, mais descrição.
» Menor interferência do narrador, embora adote frequentemente um tom irónico e pessimista.

▪ A representação dos espaços sociais e crónica de costumes – episódios:
» Jantar no Hotel Central (cap. VI) – temas e crítica:
. a literatura (Realismo vs. Romantismo e a crítica literária);
. a situação financeira de Portugal;
. a mentalidade retrógrada da elite lisboeta.
» Corridas no Hipódromo (cap. X) – crítica:
. a imitação do estrangeiro;
. a mentalidade provinciana portuguesa.
» Jantar dos Gouvarinhos (cap. XII) – temas e crítica:
. instrução e ensino;
. conceção da educação da mulher;
. mediocridade mental dos mais altos funcionários do estado.
» Jornais A Corneta do Diabo e A Tarde (cap. XV) – crítica:
. a parcialidade do jornalismo da época;
. clientelismo partidário;
. vingança política;
. dependência política.
» Sarau no Teatro da Trindade (cap. XVI) – crítica:
. superficialidade das conversas;
. falta de cultura;
. ausência de espírito crítico;
. sentimentalismo e gosto convencional ultrapassados;
. a oratória oca e sem originalidade.
» Passeio final por Lisboa (cap. XVIII) – crítica:
. a degradação do país.

▪ A expressão vida romântica remete-nos para uma sociedade ainda marcada pelo Romantismo:



▪ A crónica de costumes concretiza-se através da construção de ambientes e da atuação de personagens-tipo, revelando-se como uma ação aberta.

▪ A intriga principal é narrada em alternância com uma série de episódios centrados na vida da sociedade lisboeta da segunda metade do século XIX, ainda bastante marcada pelos efeitos do Romantismo, como o subtítulo sugere:


Título
Os Maias
Subtítulo
Episódios da vida romântica
Capítulo I
. Instalação de Afonso e de Carlos no Ramalhete.
. Juventude de Afonso.
. Infância de Pedro.
Intriga secundária:
. Pedro vê Maria Monforte.
. Pedro namora Maria Monforte.
. Pedro casa com Maria Monforte.

Capítulo II
. Pedro e Maria Monforte viajam por Itália e por Paris. Têm uma filha.
. Pedro e Maria Monforte regressam a Portugal. Têm um segundo filho.
. Maria Monforte trai Pedro com Tancredo.
. Maria Monforte foge com Tancredo e leva a filha.
. Pedro suicida-se e deixa o filho com Afonso.

Capítulo III
. Infância e educação de Carlos.

Capítulo IV
. Juventude e formação académica de Carlos.
. Viagem de Carlos pela Europa.

Capítulo V
. Vida social de Carlos e Ega em Lisboa.

Capítulo VI
Intriga principal:
. Carlos vê Maria Eduarda pela primeira vez no Hotel Centra.
Episódio do Jantar no Hotel Central
Capítulo VII
. A condessa de Gouvarinho vai procurar Carlos ao consultório.

Capítulo VIII
Intriga principal:
. Carlos faz um passeio a Sintra com Cruges com o intuito de encontrar Maria Eduarda.

Capítulo IX
. Carlos e a condessa de Gouvarinho beijam-se.
Baile de máscaras em casa dos Cohen.
Capítulo X
. Carlos mantém a relação adúltera com a condessa de Gouvarinho.
Episódio das corridas de cavalos.
Capítulo XI
Intriga principal:
. Carlos conhece Maria Eduarda, devido à doença de Miss Sara.

Capítulo XII
. Carlos declara o seu amor a Maria Eduarda.
. A relação incestuosa começa inconscientemente.
Jantar em casa do conde Gouvarinho
Capítulo XIII
. Carlos e Dâmaso entram em confronto.
. Carlos termina a relação com a condessa de Gouvarinho.

Capítulo XIV
Intriga principal:
. Afonso parte para Santa Olávia.
. Maria Eduarda muda-se para a Toca.
. Maria Eduarda visita o Ramalhete.
. Carlos Viaja para Santa Olávia.
. Castro Gomes revela a Carlos a verdade sobre a sua relação com Maria Eduarda.

Capítulo XV
. Maria Eduarda relata a Carlos a sua história.
. Afonso regressa ao Ramalhete.
Episódios dos jornais
Capítulo XVI
. Guimarães revela a Ega que tem um cofre que pertencia a Maria Monforte para entregar à família e que Maria Eduarda e Carlos são irmãos.
Episódio do Sarau da Trindade
Capítulo XVII
. Ega revela, com o apoio de Vilaça, o conteúdo do cofre a Carlos.
. Carlos revela o conteúdo do cofre a Afonso.
. Carlos comete incesto conscientemente.
. Carlos encontra o avô após uma noite com Maria Eduarda.
. Afonso morre.
. Ega revela o conteúdo do cofre a Maria Eduarda.
. Maria Eduarda parte para Paris.

Capítulo XVIII
Epílogo:
. Viagem de Carlos.
. Estada de Carlos e Ega em Lisboa, após 10 anos.



O título Os Maias

Os Maias narram a história de uma família lisboeta, representante da alta burguesia, num conjunto de três gerações sucessivas, reduzida, no presente, a duas personagens: Afonso da Maia e o seu neto, Carlos da Maia.


• No romance, narra-se a história de uma família constituída por várias gerações, focando-se duas intrigas:
» Intriga principal: vida e amores incestuosos de Carlos da Maia e Maria Eduarda.
» Intriga secundária: vida e amores de Pedro da Maia.

• Relação entre a intriga principal e a secundária: a intriga principal firma-se nos acontecimentos que marcam a intriga secundária (narrada em analepse), dado que, do casamento frustrado de Pedro e Maria Monforte, resulta a separação dos dois irmãos, que desconhecem a verdade. Afonso dissera a Carlos que a mãe e a irmã tinham morrido.

A história de uma família lisboeta, representante da alta burguesia, num conjunto de três gerações sucessivas – características:
. Possui um carácter dinâmico.
. A ficção confere um carácter mais literário.
. Há uma maior interferência do narrador.
. A geração de Carlos da Maia continua os ideais da primeira geração romântica, pela sua necessidade de renovação da sociedade portuguesa e pelo papel que é atribuído à arte enquanto elemento dinamizador dessa regeneração, após um período de estagnação.

• Não obstante, não estamos na presença de um típico romance de família, pois, apesar de se ficarem de forma clara três gerações dos Maias, as duas primeiras constituem «meros» meios para explicar as atitudes e o comportamento de Carlos.

• A intriga principal é uma ação fechada.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

A receção de Os Maias

Em 20 de julho de 1888, cerca de um mês após a publicação de Os Maias, o jornal Repórter deu à estampa uma crítica à obra, da autoria de Fialho de Almeida.
Fialho, em primeiro lugar, considera que as personagens-tipo fundamentais dos romances anteriores de Eça se repetem n’Os Maias, dando como exemplo Craft, que confirmaria a «deslumbrada anglomania» do romancista. Por outro lado, considera igualmente repetitiva a visão pessimista sobre a sociedade lisboeta: «a permanência do escritor do ponto de vista maldizente dos outros seus volumes». Fialho de Almeida divide as personagens da obra em dois grupos, «um que tem viajado, outro que não tem viajado», observando que «O primeiro como que paira ainda numa certa região superior de ideias e elegância», enquanto o outro «enchafurda todo num atascal de parvoíce e de ignorância.».
Os elogios de Fialho centram-se em duas cenas: a entrevista de Castro Gomes com Carlos da Maia e a reconciliação de Carlos com a amante. Além disso, enaltece ainda o romance, considerando-o «um dos mais surpreendentes trabalhos de humour de que possa orgulhar-se uma literatura» e exaltando «o fantasista prodigioso, que, pelo poder da observação e pelo poder da ironia, iguala Theckeray».
Eça responde em 8 de agosto a partir de Bristol, através de uma carta, na qual, ironicamente, estranha ser acusado de maldizente por um escritor realista. No que diz respeito à uniformização das personagens, afirma que «Em Portugal há só um homem – que é sempre o mesmo, ou sob a forma de dandy, ou de padre, ou de amanuense, ou de capitão: é um homem indeciso, débil, sentimental, bondoso, palrador, deixa-te ir, sem mola de caráter ou de inteligência que resista contra as circunstâncias. É o homem que eu pinto – sob os seus costumes diversos, casaca ou batina. E é o Português verdadeiro. É o Português que tem feito este Portugal que vemos…».
Uma segunda polémica é espoletada por Bulhão Pato, que, ainda em 1888, escreve uma crítica, intitulada «O Grande Maia», incluída na coletânea poética Hoje, através da qual se pretende vingar de Eça por considerar que Tomás de Alencar, o representante do Ultrarromantismo n’Os Maias, era uma caricatura da sua pessoa. A 13 de dezembro desse mesmo ano, sai no jornal O País, do Rio de Janeiro, o artigo «Bulhão Pato e Eça de Queirós», em que o seu autor, Pinheiro Chagas, traz a público a ofensa sofrida pelo poeta, aproveitando-a para ridicularizar o romancista. Como resposta, em 8 de fevereiro de 1889, Eça faz publicar uma carta no jornal O Tempo, sob o título «Os Maias – Tomás de Alencar – uma explicação». Aí, o escritor afirma que «’ser retratado’ num romance ou numa comédia constitui (…) a mais decisiva evidência da celebridade», considerando também que a Sátira de Bulhão Pato visou somente «criar um tumulto de curiosidade, obrigar todos os olhos a volverem-se para o motivo que a provocou». E conclui esclarecendo que a personagem Tomás de Alencar não era a personificação de Bulhão Pato, pelo que nada poderia justificar «a permanência do sr. Bulhão Pato no interior do sr. Tomás de Alencar, causando-lhe manifesto desconforto e empaturramento». O romancista conclui, declarando que o «intuito final» da carta era «apelar para a conhecida cortesia do autor da Sátira, e rogar-lhe o obséquio extremo de se retirar de dentro do (seu) personagem». E deixa sem comentários a segunda sátira de Bulhão Pato, Lázaro Cônsul, datada de 1889, mais contundente e ofensiva, pois procurava rebaixá-lo como escritor por falta de vernaculidade na expressão linguística («Flaubert, Daudet, Zola resplendem no francês: / Tu, raso imitador, babas o português») e acusava-o de «caluniador da mulher portuguesa».

Bibliografia:
FERREIRA, Maria E. T., Orientações para a Leitura d’Os Maias de Eça de Queirós. Verbo.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Contexto do Realismo

1. A Europa na segunda metade do século XIX

Por meados do século XIX, as profundas transformações operadas pelo motor a vapor de água na produção industrial, nos transportes, na economia e nas relações sociais tinham feito surgir problemas e maneiras coletivas de pensar e sentir, já muito diferentes de tudo aquilo que estava na base do Iluminismo e da Revolução Francesa.
Verificou-se na Europa, na segunda metade do século XIX, um aumento da população, que passou de 266 milhões de habitantes, em 1850, para cerca de 400 milhões, em 1900. Esse aumento condicionou uma intensa emigração europeia para outros continentes (30 milhões).
A par do surto demográfico, verificaram-se importantes transformações económicas na agricultura, no comércio e na indústria.
No plano agrícola processou-se uma modernização técnica, uma larga utilização de adubos que provocou o aumento da produção. Por outro lado, em certas regiões, definiu-se uma especialização.
No plano comercial modificou-se, amplamente, a geografia comercial do mundo e, na medida em que a Europa se tornou a fábrica do mundo, novas correntes apareceram, quer no comércio interno, quer no comércio internacional.
Particularmente relevante foi o que se passou na economia industrial. De facto, verificou-se a concentração industrial, que substituiu o grande número de oficinas por um número relativamente reduzido de fábricas; a concentração geográfica, com o reagrupamento em certas regiões favoráveis. Daí o aumento da produção, que tomou o caráter de uma produção em massa e em série. Por outro lado, ao nível do trabalho operário, intensificou-se a divisão técnica.
No campo científico, as conceções mecanicistas foram ultrapassadas: a termodinâmica mostrava a unidade e conversibilidade existente entre todas as formas de energia; a química orgânica ligara os fenómenos físico-químicos aos fisiológicos; as conceções transformistas generalizavam-se, verificando-se que tudo no mundo tinha uma história, desde os corpos celestes até à crosta terrestre, às espécies biológicas, às estruturas sociais, aos idiomas e aos princípios jurídicos. Esta conceção de um mundo todo explicável cientificamente e em constante transformação refletiu-se no aparecimento da filosofia da história e afetou as crenças religiosa muito mais profundamente do que o mecanicismo.
Duas grandes inovações surgiram no século XIX: a ligação ciência-técnica e a preocupação em aplicar o conhecimento no sentido do útil e do eficaz. A primeira substituiu a tradicional ligação filosofia-ciência, já procurada pelos Gregos e pelos humanistas. Os progressos da ciência e da técnica intensificaram-se, particularmente, na segunda metade do século XIX e fizeram da civilização ocidental uma civilização do maquinismo. Consequentemente, a indústria desenvolve-se amplamente, refletindo-se no progresso das técnicas e na própria ciência. A Europa assiste a uma aceleração da História, resultante das transformações da vida material e económica. Pelo seu dinamismo, atinge um momento de apogeu ‑ rica em população, em capitais e mercadorias, assegura uma posição de primeiro plano no mundo e lança-se na expansão pluridimensional: demográfica, económica, política, militar e cultural. É de salientar a necessidade que tem de mercados, de matérias-primas, de investimento de capitais, de escoamento de produção industrial.
A expansão veio a desencadear a rivalidade entre os imperialismos, os antagonismos entre os Estados, preocupados com o lucro e com o poder.
A revolução industrial e o capitalismo industrial, que dela decorre, repercutiram-se, como é evidente, no plano social: arruinaram a noção tradicional de Ordens, que constituíram uma hierarquia, para a substituir pela distinção entre classes sociais, baseada na riqueza. Mas além do surto de novas doutrinas históricas ou sociológicas, tais problemas e tal mentalidade produzem também os seus efeitos na arte literária. Como é sabido, no Romantismo podem distinguir-se duas fases:
» a primeira, predominantemente passadista, conservadora, embora adaptada a um novo tipo de público;
» a segunda, desde cerca de 1830, em que os escritores começam a preocupar-se com os problemas humanitários mais clamorosos: a escravatura, que os mecanismos tornavam dispensável e que tolhia a mecanização; os horários excessivos do trabalho operário; o sufrágio universal; o analfabetismo; a delinquência causada pela miséria; a infância abandonada, etc.
As consequências morais e sociais da caça ao lucro foram postas em relevo pelo romancista francês Balzac, na sua série de obras A Comédia Humana; a exploração da infância e dos miseráveis, as brutalidades do regime prisional então vigente são denunciadas por Hugo e Dickens; outros escritores muito populares ridicularizam o «burguês» e exaltam o humanitarismo (os romancistas franceses Eugène Sue, George Sand, Monier, os ingleses Kingsley, Carlyle; o poeta Béranger).
Esta mentalidade científica, esta tendência para retratar os males sociais na obra literária, estreitamente relacionadas com as revoluções europeias de 1848 e o aparecimento das primeiras ideologias socialistas, conduziram ao chamado realismo, escola de arte que procura esmerar-se na produção típica e desapaixonada da realidade, especialmente a realidade social humana, e que reage contra o devaneio individualista sentimental de quase todos os primeiros românticos. Os mais típicos realistas foram Coubert na pintura e Flaubert no romance (Madame Bovary).
A burguesia, que não é uma classe nova, é a grande beneficiária desta nova situação: cresce em número e em poder. A classe burguesa é uma classe complexa: está dividida em grande, média e pequena burguesia, cabendo a primazia, porém, à burguesia industrial.
O seu ideal político é o liberalismo e, antes de mais, o económico, refratário à intervenção do Estado. A defesa do liberalismo político é expressão do individualismo. Contudo, há a considerar uma linha conservadora, interessada em manter a ordem estabelecida, e uma linha progressista, defensora das reformas democráticas.
Não se pode afirmar, porém, que a burguesia ocupe o poder em toda a parte: não o ocupou em Inglaterra, foi remetida para a oposição pelas monarquias absolutas.
Na medida em que deteve os grandes meios de produção, encontrou a contestação da classe proletária, nova classe que, na época, se define. Daí o aparecimento da grande questão social que conduz muitos intelectuais a uma tomada de posição. Grande parte desse proletariado provém do êxodo rural (migração interna). Instalando-se nos centros urbanos, representa uma ameaça para a burguesia que, por vezes, não hesita em recorrer à força.
O aparecimento das doutrinas socialistas resultou de uma profunda desigualdade social, criticada por pensadores oriundos de horizontes sociais diferentes, em nome da razão e da fraternidade. Na primeira metade do século XIX, surge o socialismo utópico, mas posteriormente elaboraram-se grandes sistemas socialistas: o de Proudhon, o de Bakounine e o de Karl Marx.
No momento em que aparece a obra de Marx, a Europa avançou para uma segunda revolução industrial (monopolista), na qual se acentua a concentração das empresas quer no plano vertical, quer no plano horizontal[1]. Também nasceram novas classes médias, interpostas entre patrões e operários (como, por exemplo, os pequenos patrões independentes).
Toda esta situação provoca a emergência de duas ideologias em conflito: a burguesia, de inspiração liberal e capitalista, e a popular, de inspiração democrática e socialista.
A primeira tem a sua origem nos princípios da Revolução Francesa. Na ordem política, pretende o estabelecimento de regimes constitucionais, garantia dos direitos naturais dos cidadãos e parlamentos eleitos. Na ordem social, abolição de privilégios de nascimento, mas manutenção dos devidos ao dinheiro (defesa dos interesses burgueses). Na ordem económica, liberdade do empresário, que, assumindo riscos, beneficia dos lucros; lei da concorrência; não intervenção do Estado (laissez faire, laissez passer).
A segunda, embora com raízes no passado, define-se com o contributo dos pensadores socialistas. O seu programa tem por objetivo fundamental a instituição de democracias, às quais cabe, muito especialmente, a satisfação das reivindicações dos trabalhadores. Porém, o estabelecimento de uma democracia económica foi um objetivo que permaneceu, apenas, no plano ideal.
Todavia, a situação dos operários, a partir de cerca de 1880, tendeu a melhorar, ainda que lenta e dificilmente, e os Estados dispõem-se a intervir nos problemas sociais e a dar resposta às exigências operárias. Os sindicatos, por seu lado, adquirem uma força crescente e procuram obter, do patronato, uma melhoria da situação dos trabalhadores (incluindo os de inspiração marxista).


1.1. Síntese

. Aumento da população (1850 – 266 milhões ® 1900 – 400 milhões).
¯
. Intensa emigração europeia para outros continentes (30 milhões).

. Transformações económicas na agricultura, no comércio e na indústria.

. Modernização técnica da agricultura; larga utilização de adubos ® aumento da produção.

. Transformação da geografia comercial mundial (a Europa é a “fábrica” do mundo).

. Desenvolvimento da indústria: concentração industrial; concentração geográfica; produção em massa e em série; divisão técnica; mecanização dos centros industriais.

. Princípio do lucro empresarial.

. Enormes avanços tecnológicos:
– melhoria e rapidez dos meios de transporte e comunicação;
– construção de caminhos de ferro;
– telégrafo;
– avião;
– automóvel;
– navegação a vapor.

. Utilização do aço, petróleo, electricidade, ferro e vapor.

. Ascensão da burguesia: crescimento em número e em poder; defesa do liberalismo político; capitalismo industrial.

. Exploração do operariado, sujeito a condições sub-humanas de trabalho.

. Choques ideológicos de classe; emergência de duas ideologias em conflito: a burguesa, de inspiração liberal e capitalista, e a popular, de inspiração democrática e socialista.

. Cientificismo – Desenvolvimento do pensamento científico:
Positivismo de Augusto Comte: teoria científica que defende posturas exclusivamente materialistas e limita o conhecimento das coisas apenas àquelas que podem ser provadas cientificamente. O único conhecimento válido é o positivo decorrente das ciências, da observação do mundo. A realidade é apenas aquilo que vemos, tocamos e podemos explicar.
Socialismo Científico de Karl Marx e Friedrich Engels (Manifesto Comunista, de 1848): teoria científica contrária ao socialismo utópico de Pierre Joseph Proudhon. Estimula as lutas de classe e a organização política do proletariado. É uma resposta à exploração do operariado nas indústrias e nos grandes centros urbanos. Nessa teoria Marx e Engels mostram o quanto o aspeto social está vinculado ao processo económico e político.
Evolucionismo ou Darwinismo de Charles Darwin: teoria científica apresentada na obra A Origem das Espécies, em 1859, que mostra o processo de evolução das espécies pelo processo de seleção natural, ou seja, a natureza ou o meio selecionam os seres vivos destinados a sobreviver e perpetuar-se. Significa isto que os mais fortes eliminam os mais fracos.
Determinismo de Taine: defende que o comportamento humano é determinado por três fatores – o meio, a raça e o momento histórico.

. Avanços científicos:
- utilização do éter como anestésico;
- formulação da teoria microbiana das doenças;
- descoberta dos microorganismos responsáveis pela Sífilis, Malária e Tuberculose;
- descrição dos hormónios;
- identificação da energia mecânica e do eletromagnetismo.

. Desenvolvimento de doutrinas filosóficas e sociais na França, Inglaterra e Alemanha, como o pensamento dialético de Hegel (tese, antítese e síntese).

. Desenvolvimento dos ideais socialistas e republicanos.


2. Portugal na segunda metade do século XIX

Em meados do século XIX, a população de Portugal metropolitano atingia os 3 milhões e meio de habitantes. Verificou-se, porém, um aumento de população que, em 1911, atingiu os 5 milhões e meio. A distribuição demográfica era muito irregular e concentrava-se, principalmente, a norte do rio Tejo e no litoral.
Apesar do crescimento da população urbana, o país continuava predominantemente rural ou ruralizado. As cidades mais populosas eram Lisboa e Porto, com mais de cem mil habitantes. O surto demográfico no País acompanhou, em certa medida, o que se passava na Europa ocidental.
O fenómeno da migração, interna e externa, relacionou-se com o crescimento da população, conjugado com as flutuações dos preços dos géneros alimentares. Assim, as famílias de pequenos proprietários e rendeiros agrícolas das zonas mais povoadas lutam com dificuldades económicas. Daí, por um lado, as migrações sazonais internas e, por outro, o movimento de saída para fora de Portugal, nomeadamente para o Brasil. É de notar que foi fraco o desenvolvimento das cidades e, consequentemente, as suas dificuldades na absorção da mão-de-obra.
A estrutura socioeconómica mostrou-se incapaz de integrar os excedentes populacionais. A corrente migratória contínua acabou por afetar a estrutura demográfica portuguesa e, se resultou do crescimento populacional, não deixou também de funcionar como travão desse crescimento. Da emigração resultou o envelhecimento e feminilização da população portuguesa.
O início do século XIX é marcado por três factos importantes: as invasões francesas, a independência do Brasil e as lutas entre liberais e absolutistas.
Remetendo-nos ao plano político, instaura-se no país um clima de instabilidade com a revolução liberal de 1820 e com a promulgação da Constituição de 1822. Em 1823, surge a revolta contrarrevolucionária, defensora do absolutismo do antigo regime (abolição da Constituição de 1822). Com a morte de D. João VI (1826), D. Pedro outorga a Carta Constitucional, todavia, com o regresso de D. Miguel (1828), vem a desencadear-se a guerra civil (1832-1834), que termina com a vitória dos liberais sobre os miguelistas. Porém, os liberais triunfantes dividem-se em partidários da Constituição de 1822 (Vintistas) e partidários da Carta Constitucional (Cartistas), o que explica a revolução de setembro de 1836 (Setembrismo), a promulgação da Constituição de 1838 e o Cabralismo.
Com a queda do Cabralismo, inicia-se o período da Regeneração, período de certa estabilidade social e política. A Regeneração veio dividir o século XIX português em duas partes distintas: um período de instabilidade e um período de relativa estabilidade, no qual se verifica um certo equilíbrio das forças sociais. Surge, portanto, o fenómeno político do rotativismo partidário, com destaque especial para Regeneradores e Históricos.
A velha aristocracia do «Antigo Regime» conseguiu sobreviver à guerra civil de 1832-1834. A burguesia comercial urbana, sendo dominante no plano ideológico, não o era, porém, no plano económico, por não possuir a principal riqueza nacional, constituída por bens agrários. O clero foi o mais prejudicado com as transformações trazidas pelo liberalismo e pela burguesia (a extinção das ordens religiosas, a nacionalização dos bens dos conventos, a abolição da dízima), não obstante manter influência ideológica em certas regiões (interior e norte). O republicanismo veio a fazer do anticlericalismo uma das suas armas, o que demonstra, ainda, a força social e ideológica do clero. Foi a nobreza liberal a classe que mais beneficiou com as transformações verificadas.
Por uma política de casamentos, a burguesia aproximou-se da nobreza, acabando por ser mais detentora de terras do que industrial ou comercial. No contexto da estrutura social, o campesinato tem um extraordinário peso em termos demográficos (em 1864, seria de 75% a percentagem da população rural). A situação da classe rural não melhora e até se agrava em consequência do aumento demográfico. As suas alternativas eram limitadas: recurso à migração para as cidades ou para o estrangeiro e, por vezes, ingresso na carreira eclesiástica. E dada a incapacidade das cidades em absorver a mão-de-obra rural, daí resultou uma emigração, especialmente para o Brasil.
A perda do Brasil também orientou uma política voltada para os territórios africanos, o que permite compreender toda uma política de fomento colonial que se desenvolve, sobretudo, a partida da Regeneração (1851). Esta política colonial virá a provocar conflitos, particularmente com a Inglaterra, no contexto das preocupações expansionistas de algumas potências estrangeiras.
Com a independência do Brasil, em 1822, impôs-se uma orientação económica voltada para o aproveitamento dos recursos nacionais: a agricultura, a pecuária, os recursos mineiros e o arranque de iniciativas no plano industrial. Assim, procura-se modernizar o País e explorar as suas potencialidades económicas ‑ o que explica a introdução e a relativa expansão da máquina a vapor no campo da indústria e o lançamento da rede ferroviária e viária (fontismo). O alargamento progressivo da rede ferroviária chegou, em 1863, à fronteira com a Espanha, o que permitiu uma abertura à cultura europeia. Em 1864, Coimbra ficou ligada à rede europeia de caminho-de-ferro. Não obstante os avanços técnicos, o País continuou essencialmente agrícola; a área de produção alargou-se no sentido de dar resposta à procura interna de alimentos por uma população crescente e de corresponder às solicitações dos mercados externos, particularmente do inglês. De facto, as instituições sociais, sob o ponto de vista tecnológico, económico e social, estagnavam. Há uma certa prosperidade passageira da grande burguesia, mas as condições de vida, de cultura e o nível de consciência da massa campesina não se alteram muito.
Uma economia assente na produção agrária parece poder explicar-se com a incapacidade de concorrer, em qualidade e preços, com a Inglaterra e os países da Europa do noroeste. Os seus produtos industriais invadiam o mercado nacional e daí a necessidade de fomentar a agropecuária. E por falta de dinamismo económico interno, por falta de uma expansão da produção nacional, desenvolve-se, assim, uma grande dependência do mercado externo, cuja evolução se reflete na vida económica e financeira nacional, conduzindo, por vezes, a situações de crise.
Em 1872, sob a influência da Comuna de Paris, da Internacional irrompe o movimento operário. A criação do Partido Socialista (1875), as associações de classe e o aparecimento de uma imprensa operária e socialista, parecem mostrar uma estruturação do movimento operário, embora lenta e difícil. O proletariado industrial, sem grande significação social e política, cresceu lentamente, nunca atingindo, contudo, o carácter predominante numa sociedade essencialmente rural.
Em 1873, surge um novo partido, o Partido Republicano e, pouco depois, em 1875, o Partido Socialista.
Em 1890, em consequência da questão do «Mapa Cor-de-Rosa», a Inglaterra impõe um Ultimato ‑ facto este que fomentou a oposição republicana e conduziu à revolta do Porto, fracassada, em Janeiro de 1891.

Bibliografia:
O Pensamento de Antero de Quental, Manuel Tavares e Mário Ferro, Editorial Presença.
História da Literatura Portuguesa, A. J. Saraiva e Óscar Lopes, Porto Editora.


2.1. Regeneração (1851-1868) – Síntese

. Aumento da população (1850 – 3.500.000 ® 1911 – 5.500.000).

. Distribuição demográfica muito irregular e concentrada a norte do Rio Tejo, no litoral.

. A independência do Brasil (1822) impõe uma orientação económica voltada para o aproveitamento dos recursos nacionais (agricultura, pecuária, recursos mineiros, arranque de iniciativas no plano industrial) e para os territórios africanos.

. Governos de coligação de setembristas e de cartistas moderados, principalmente com Fontes Pereira de Melo (o fontismo), procuravam alcançar os seguintes objetivos:
- o fomento económico do país;
- a construção de meios de comunicação;
- a construção de meios de transporte.

. A Regeneração procurou recuperar o país do seu atraso económico e tecnológico.

. Essa recuperação deveria ser feita através da intervenção sistemática e organizada do estado em diferentes sectores:
- reformas do ensino;
- reformas da administração;
- fomento industrial;
- construção de novas vias de comunicação.

. Algumas realizações da Regeneração:
- criação do ensino técnico (1852);
- criação de escolas industriais e agrícolas;
- reorganização das escolas industriais superiores;
- criação dos serviços de estatística;
- adoção de novos padrões de pesos e medidas (quilograma e sistema métrico);
- pauta aduaneira moderada para assegurar uma certa expansão comercial e o fomento industrial;
- construção e renovação da rede viária;
- abertura dos caminhos-de-ferro;
- construção de pontes;
- instalação de linhas telegráficas.

. Apesar do esforço, o desenvolvimento industrial em Portugal foi lento e tardio, de produtividade muito baixa, com insuficientes incentivos e sofrendo com os grandes entraves impostos pela estrutura sociocultural do país:
- agricultura muito atrasada;
- grande emigração (grandes cidades; Brasil), da qual resulta o envelhecimento e feminilização da população;
- comércio externo em crise devido à quebra de procura dos produtos portugueses, o que provocava um deficit crónico na balança comercial e a dependência em relação aos países industrializados;
- persistência de uma política de livre-cambismo que colocava os nossos mercados à mercê de uma concorrência estrangeira (ingleses, franceses e alemães);
- falta de capitais e tendência especulativa da banca, dada a ausência de investimentos e subsídios.

. Todos estes fatores levaram:
- à criação do Partido Republicano (1873);
- à criação do Partido Socialista (1875);
- ao fomento da oposição republicana;
- à falência do estado na grande crise de Janeiro de 1891 – revolta fracassada do Porto.

. Em síntese, Portugal vivia um período de subdesenvolvimento, resultante dos seguintes fatores:
- dependência em relação a outros países mais desenvolvidos (dependência de empréstimos, por exemplo, muitas vezes para pagar juros anteriores) e às colónias;
- falta de matérias-primas;
- organização empresarial de fraco nível;
- investimento na especulação e no setor imobiliário por parte da classe detentora do poder e do dinheiro, em vez de investir em atividades produtivas;
- política tributária deficiente e elitista;
- certa incapacidade de desenvolvimento industrial e agrícola;
- limitada capacidade de aplicação de novidades técnicas;
- distribuição injusta de terras;
- circulação interna limitada;
- fraco poder de consumo;
- forte sector terciário parasitário;
- predomínio da agricultura;
- distribuição desequilibrada da população pelo País;
- insuficiente população ativa fora da agricultura;
- falta de formação do operariado e do patronato;
- pouco desenvolvimento urbano;
- índices elevados de emigração e analfabetismo;
- grande taxa de mortalidade infantil;
- alimentação deficiente das classes pobres;
- generalizada falta de consciência política;
- ação repressiva das autoridades.




[1] Concentração vertical quando, por exemplo, uma mesma empresa domina as operações que transformam o minério de ferro em barco a vapor; horizontal quando, por exemplo, o produtor de açúcar domina o mercado de todo um país: capitalismo monopolista.

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