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quarta-feira, 10 de julho de 2024

Análise do poema "Angular", de Bruna Beber

    Comecemos a análise do poema pelo título. O nome “angular” deriva de “ângulo”, portanto pode referir algo que possui ângulos ou cantos agudos. No caso do poema, podemos estar a falar da adoção de uma determinada perspetiva sobre as memórias e experiências do «eu» poético, o que remete para uma visão distinta ou incomum das suas relações com os seus entes queridos. Por outro lado, pode constituir uma metáfora que traduz algo que possui uma qualidade distinta ou marcante. Assim sendo, o título Angular pode ser interpretado como uma metáfora das várias facetas da memória e da experiência do ser humano, à semelhança do que sucede com os ângulos, que formam pontos distintos e definidos num objeto. As memórias e as experiências passadas assumem contornos definidos na vida de uma pessoa, moldando o seu ser.
    Os mortos estão mortos, pelo que não podem conhecer ou saber novas coisas. Neste caso, os mortos do sujeito lírico nunca irão saber, nunca irão tomar conhecimento de que ele ainda está de pé, ainda está ativo, ainda resiste, e sorri, ou seja, continua a viver apesar da perda dos “seus mortos”. Apesar de “não vivos”, os entes que partiram continuam presentes na vida do «eu», nomeadamente em momentos passados que compartilham com eles: “(…) ainda estou de pé e sorrindo em uma cena perdida / no passado de suas vidas”. É evidente a importância e o papel da memória na recuperação desse passado e do efeito positivo que tem no sujeito. São lembranças vivas, multifacetadas, de diferentes cores e tons: “cores-sombras, vivos, sorrindo / dentro da minha vida”.
    De seguida, o «eu» lírico rememora pequenos gestos ou atos desse passado. O primeiro é o derramar de café e o som da máquina de escrever da tia, evocadas de forma sensorial: “ainda sou criança e ouço o tlectlectlec / da máquina de escrever da minha tia.”. Estas memórias transportam-no de volta ao passado, concretamente à infância, pejada de figuras familiares e amadas, figuras femininas sempre: a tia e a avó. É como se os entes masculinos não existissem ou tivessem sido apagados por não terem marcada tão profundamente o «eu». São figuras e presenças arrancadas à passagem do tempo, nas suas atividades quotidianas domésticas, como, por exemplo, a avó, movimentando-se entre a copa e a cozinha apressadamente por causa da carne que está a assar e, talvez, em risco de se queimar. É o universo feminino, quotidiano e doméstico, a triunfar no poema. Não é necessário muito para imaginar a nostalgia que invade o sujeito poético enquanto rememora uma época em que os seus entes queridos ainda estavam vivos. A alusão às suas ações, embora simples, carregam uma carga emocional profunda que se prolonga ao longo do tempo até ao presente.
    A segunda estrofe abre com a referência a outro momento marcante do passado, caracterizado novamente através das sensações auditivas: a porta do quarto bate, o que assusta o «eu», que dá um salto, um quadro cai da parede sobre a escrivaninha, a geladeira esguicha. Atente-se na expressividade da forma verbal «esguicha», que sugere um jato repentino de algo que é libertado com grande força da peça de cozinha. São “Ondas. Calor e energia.” que tanto se podem referir à imagem da geladeira a esguichar, como à forma emotiva, viva e intensa como a memória atinge o sujeito lírico. O momento da recordação é um momento intenso, poderoso, que envolve o «eu» numa onda, numa torrente de emoções.
    As memórias e as palavras do passado têm um poder duradouro e energizante. Os entes mortos não têm consciência do impacto que as suas palavras, as suas memórias, têm sobre o sujeito poético. Com efeito, eles não sabem, não desejam ativamente influenciar o sujeito lírico, porém a verdade reside no facto de as lembranças das suas pessoas e dos seus gestos simples e quotidianos impactarem fortemente a sua existência. Posteriormente, ele qualifica essas memórias: são fugazes, ténues, simples (“um sopro”), ecoam no presente (“um eco”), são subtis (“um traço”) e involuntárias (“um tique”), ou seja, as palavras e as memórias persistem na sua mente de forma ligeira, mas constante, como um eco distante, mas persistente. Por outro lado, os versos “da estada / permanente das palavras que disseram um dia” indiciam que essas palavras ditas no passado por pessoas como a tia e a avó constituem uma presença constante e marcante na existência do sujeito poético. Por sua vez, os versos “e eu / rastejo na eletricidade” configuram a reação do «eu» à presença vívida dessas palavras e memórias, que têm um poder duradouro e eletrizante, intenso e vivo. O ato de rastejar na eletricidade pode constituir a evocação de uma sensação (tátil) intensa de ser envolvido ou consumido pela energia das lembranças.
    A última estrofe configura um retorno ao presente do sujeito poético, que desfruta do seu café (“Ainda não terminei o café”), enquanto afirma não sentir saudades do passado que acabou de recordar. A justificação para essa ausência de tristeza e nostalgia é apresentada logo de seguida: “pois sei que assim que me levantar desta mesa / vou reviver o mundo em altura e graça”. O «eu» sente-se perfeitamente capaz de reviver as memórias compartilhadas, no passado, com os seus entes queridos falecidos, tudo envolto numa imagem de elevação e leveza (“em altura e graça”). É como se o sujeito poético não sentisse saudades em razão de as memórias do passado estarem tão integradas na sua existência que ele pode “reviver o mundo” através delas, o que indicia, por outro lado, que aceitou a perda dos familiares e que reconhece que as lembranças são uma parte essencial da sua vida.
    O poema termina com uma nota de afeto e intimidade, no preciso momento em que o universo, até agora, exclusivamente feminino, ganha um elemento masculino – o tio –, na cacunda (a parte superior das costas) do qual se senta. É uma imagem reconfortante, de proximidade física e emocional.
    Em suma, o poema explora a interseção entre o passado e o presente, a importância das memórias familiares e o modo como estas continuam a ter impacto e a moldar a vida dos que lhes sobreviveram.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Análise do poema "As avós e as tias", de Bruna Beber

    O poema, constituído por versos curtos que lhe imprimem um ritmo vivíssimo, abre com uma metáfora clássica (“Durante toda a minha caminhada / pela bola”), que representa a vida enquanto viagem pelo planeta e sugere uma perspetiva sobre as coisas decorrente da experiência e aprendizagem feita. A referência à Terra reflete a diversidade de perspetivas sobre as coisas: uns chamam-na “terra” e outros “água” (neste caso, por a superfície do planeta ser constituída maioritariamente precisamente por água), o que parece indiciar a noção de que a realidade pode ser interpretada de formas diversas, dependentes da perspetiva de cada pessoa.
    De seguida, associa a forma redonda da Terra a uma memória da juventude: a de um amigo do colégio que apelidaram “balofo”, certamente por causa do seu excesso de gordura corporal. Atente-se no uso irónico do advérbio de modo “carinhosamente”, pois estamos na presença de um epíteto que nada tem de carinhoso nem para o alvo nem para os autores. Por outro lado, estamos perante uma espécie de tradição escolar juvenil: a atribuição a colegas de escola de epítetos, alcunhas, umas vezes traduzindo, de facto, relações de amizade e carinho, outras enquanto forma de humilhação, ou, como se dirá hoje, “bullying”. É da natureza humana distribuir apelidos pelos seus semelhantes. Seja como for, quer interpretemos o “balofo” como apelido carinhoso, quer como depreciativo, estes versos indiciam a importância das relações interpessoais e das memórias afetivas ao longo da vida.
    Do seu percurso de vida, resulta um processo de aprendizagem do «eu» poético: a vida é feita de incertezas, porém há uma certeza que tem e que gostaria de partilhar com os outros, nomeadamente com as gerações futuras diretas – “os seus filhos”. Deste modo, os versos parecem traduzir a ideia de que a transmissão do conhecimento e da experiência aos vindouros é um legado, uma herança extremamente valiosa(o).
    Mas, afinal, que certeza é essa? Todo o ser humano possui ou já possuiu uma toalha bordada. É evidente que esta referência configura uma metáfora que traduz a importância das pequenas coisas, ou gestos, que possuem pouco valor material, mas enorme valor sentimental e cultural. Estamos, pois, no campo da tradição e da herança familiar. Note-se que, numa entrevista concedida em 2022, a poeta afirmou que desconhece o conceito económico de herança, ou seja, bens, imóveis, fortunas materiais, e que nunca herdou nada. No entanto, acrescenta, na sua família existe aquilo que chama “a mística dos objetos de carinho”: “Fui criada recebendo, não sem controle e num intervalo de tempo que não prevê facilidades, um rádio de pilha de um avô aqui, um reloginho de uma avó acolá, um cinzeiro que meu pai já me repassou em vida (…) Enfim, desde que nasci recebo objetos que têm ou tiveram importância para alguém que ajudou a me criar. Amigos e amigas também fazem isso comigo, namoradas já fizeram. Parece que as pessoas ficam à vontade para confiar em mim suas memórias e elas podem ficar tranquilas porque nunca vou jogar fora aquela toalhinha que ganhei quando tinha sete anos ou aquela lâmpada de pisca-pisca de Natal de 92. Assim, herança para mim é confiança.” As palavras da própria escritora dispensam mais considerandos.
    Voltando ao poema, atente-se na referência “pela bola – há quem /a diga achatada”, uma alusão evidente àqueles que acreditam no terraplanismo, uma nova indireta às diferentes crenças e perceções que as pessoas têm do mundo e da realidade. Por outro lado, os versos “É importante / que seus filhos / passem pros deles / essa verdade” enfatizam a importância de transmitir e preservar a cultura e as tradições familiares, passando-as às futuras gerações. Mesmo aqueles que não possuem filhos aos quais possam passar a “toalha bordada” continuarão a tê-la, isto é, continuarão a possuir as suas tradições e legados familiares e culturais. O facto de alguém não possuir filhos a quem legar a sua “toalha bordada” não invalida a importância ou o significado da herança cultural, pois existirão sempre objetos que testemunharão uma experiência e identidade compartilhadas. O legado transcende a procriação e as conexões familiares, pois há elementos compartilhados que nos unem como seres humanos.
    Deste modo, podemos concluir que a toalha bordada constitui uma metáfora para a herança cultural, por mais singela que seja, que é passada de geração em geração. A toalha é um elemento tangível e concreto, alfo concreto, um objeto que pode ser tocado e visto e que incorpora em si histórias, memórias e significados que transcendem a materialidade. Desta forma, o «eu» poético enfatiza a importância de o ser humano preservar e compartilhar as suas tradições e cultura, algo que já é indiciado pelo título – “As avós e as tias” –, que aponta desde logo para o conceito de família e ancestralidade, sugerindo que as tradições culturais são transmitidas por figuras maternas. Afinal, as “toalhas bordadas”, os trapos, são tipicamente associados ao universo feminino, estando o masculino totalmente ausente.

Análise da cena 2 do ato III de Hamlet

    O início do terceiro ato é constituído pelas tentativas dos antagonistas descobrirem os segredos um do outro: o rei espia o sobrinho para averiguar a sua proclamada loucura, enquanto Hamlet engendra um estratagema para estabelecer a culpa do tio. A peça dentro da peça conta a história de Gonzago, duque de Viena, e de sua esposa, que acaba por se casar com Luciano, o sobrinho assassino do rei. Hamlet, ao acrescentar à representação o excerto escrito por si que imita os detalhes da morte do pai, acredita que a peça é uma oportunidade mais fiável de estabelecer a culpa de Cláudio do que as afirmações do fantasma. Ele espera que, recorrendo ao processo de imitação da realidade pela arte, Cláudia se traia e indicie a sua culpa. Podemos, pois, concluir que Hamlet, ao socorrer-se deste estratagema, está a manipular a realidade e o ambiente circundante, controlando o desenrolar dos acontecimentos.
    A reação intempestiva de Cláudio à representação que reconstitui o assassinado do rei Hamlet revela a sua culpa e permite a Hamlet concluir que o tio é efetivamente responsável pelo crime. Este facto é muito importante, pois o jovem príncipe não tinha qualquer prova que sustentasse a denúncia do fantasma e é precisamente esta ausência de provas que alimenta a indecisão de Hamlet e que o leva a adiar a execução da vingança solicitada pelo espectro, pois não quer cometer um assassinato sem ter a certeza da culpa do rei. Agora, desaparece o motivo do protelar do príncipe. Em simultâneo, confirma-se que há mesmo algo podre no reino da Dinamarca: o atual rei ascendeu ao trono após cometer fratricídio.
    Tudo isto reacende o tema da aparência versus a realidade: as artimanhas de Hamlet, a pressão sobre Rosencrantz e Guildenstern para enganar o príncipe, a reencenação da morte do rei Hamlet no jardim. Intimamente ligado a esta temática temos o tema da loucura, desde logo por causa da loucura fingida de Hamlet, que não passa de mais um embuste. Além disso, a saída de Cláudio da sala onde a peça está a ser representada pode considerar-se uma saída louca, dando início a uma espiral de decadência do rei.
    As figuras femininas da peça são sempre relevantes por diversos motivos. A cena de abertura da peça, por exemplo, constitui um ataque a Gertrudes, visto que põe em xeque a sua lealdade ao rei Hamlet, nomeadamente quando a rainha-personagem afirma veementemente que não se voltará a casar caso o marido morra, ao contrário do que fez a monarca da Dinamarca, que casou de novo pouco tempo depois de ter ficado viúva. Convém, no entanto, ter presente que o comportamento de Gertrudes está em consonância com a sociedade da época, visto que era comum então que as mulheres viúvas se casassem de novo, contudo apenas após um período de luto considerável pelo marido falecido. Assim sendo, a forma célere como Gertrudes se casa novamente contraria certas expectativas da sociedade da época, porém há que ter em atenção que estamos a falar de uma monarca, com outras responsabilidades que uma mulher plebeia não tinha. Deste modo, a acusação implícita de Hamlet relativamente à decisão da mãe pode conter o seu quê de injusta, pois não tem em conta as pressões sociais a que Gertrudes estava sujeita e que a levaram ao segundo casamento.
    Por outro lado, o modo como Hamlet trata Ofélia mostra-o como alguém injusto e insensível, pois parece não refletir nos sentimentos de ambas as mulheres ou nas consequências que as suas atitudes e decisões possam ter sobre elas. Anteriormente, o príncipe já afirmara que não sentia nada por ela e, durante esta cena, senta-se intencionalmente ao seu lado e faz comentários obscenos para a deixar incomodada e desconfortável. Mas porquê tratar assim Ofélia, se já atingiu o objetivo de convencer todos de que está louco? Será um reflexo da sua eventual misoginia?
    No final de cena, Hamlet reflete brevemente sobre o seu comportamento e como este afetou a sua mãe, mas será que o prometido encontro posterior com Gertrudes confirmará este breve instante ou, pelo contrário, acentuará a sua raiva e grosseria dirigidas às mulheres?

Resumo da cena 2 do ato III de Hamlet

    Nessa noite, Hamlet junta-se ao grupo de atores e instrui-os sobre como representar os papéis que escreveu para eles, lamentando os atores que exageram as suas representações ou procuram suscitar o riso fácil, em vez de representarem de forma genuína.
    Entretanto, chegam Polónio, Rosencrantz e Guildenstern. Hamlet dirige-se-lhes e questiona Polónio se o rei e a rainha assistirão à peça. Após resposta afirmativa, diz àquele que passe a informação aos atores e manda Rosencrantz e Guildenstern apressarem os atores.
    Horácio entra em cena e o príncipe, satisfeito por o ver, elogia-o calorosamente, destacando as suas qualidades de espírito, a capacidade de autocontrole e reserva, bem como a sua lealdade e racionalidade. Depois de lhe contar o que o fantasma lhe disse, isto é, que Cláudio assassinou o seu pai, informa-o do seu plano de usar a cena que escreveu e que será adicionada à peça, a qual recria o que o espírito lhe revelou. Assim, pede a Horácio que observe cuidadosamente a reação de Cláudio durante aquela cena específica para avaliar a sua culpa. Se o rei parecer inocente, tal quererá dizer que o espectro será, afinal, um demónio. Horácio concorda, dizendo que, se o monarca, evidenciar algum sinal de culpa, ele irá identifica-lo.
    As trombetas tocam uma marcha dinamarquesa enquanto os membros da corte e o casal real entram no compartimento. O rei dirige-se a Hamlet e pergunta-lhe se está bem, ao que o príncipe responde de forma indireta e intrigante, antes de questionar Polónio sobre a sua experiência enquanto ator nos tempos de faculdade. Ele confirma que participou em peças e que chegou mesmo a desempenhar o papel de Júlio César, o que leva Hamlet a refletir sobre o assassinato do imperador romano e a ação impiedosa do seu filho Brutus no crime.
    Rosencrantz informa que os atores estão preparados. Gertrudes convida, então, o filho a sentar-se ao seu lado, mas ele opta por o fazer junto a Ofélia, provocando-a com uma série de trocadilhos eróticos, que a rapariga desvia, aludindo ao bom humor do companheiro.
    A pantomina pré-peça inicia-se e os atores representam uma cena em que um rei e uma rainha trocam afeto carinhosamente. Depois, a monarca sai e deixa o marido a dormir. Enquanto dorme, um homem rouba a sua coroa, derrama veneno no seu ouvido e foge. A rainha retorna, descobre o rei morto e chora o sucedido. Entrementes, o assassino regressa e começa a cortejar e a seduzir a viúva com presentes até ela ceder. Ofélia mostra-se perturbada com aquilo a que assistiu. A representação prossegue, entrando agora na peça propriamente dita: um rei e uma rainha discutem a duração do seu casamento e o amor que sentem mutuamente. O monarca reflete sobre a sua idade avançada e a morte que se aproxima e sugere que a esposa se deveria casar novamente após a sua partida. A rainha responde que um novo casamento seria como uma maldição e que cada beijo do outro marido seria semelhante a matar repetidamente o primeiro. O rei incentiva-a a manter a sua mente aberta e a não excluir hipóteses, visto que os seus sentimentos podem mudar após a sua morte, mas a esposa recusa terminantemente um novo matrimónio. A rainha sai, deixando o marido dormindo. Hamlet aproveita e pergunta à mãe se está a gostar da peça, ao que ela responde afirmativamente, acrescentando, porém, que a soberana refilava em demasia. Cláudio faz-se ouvir também e questiona se a peça não pode ser considerada muito inquietante e ofensiva, todavia Hamlet afirma que não passa de uma representação teatral que não incomodará ninguém cuja consciência esteja tranquila.
    Nesse ínterim, entra no palco um novo ator, representando uma personagem chamada Luciano, que é sobrinho do rei e que derrama veneno no ouvido do tio, matando-o. Nesse momento, Cláudio levanta-se e sai. A representação da peça é interrompida por ordem de Polónio e todos abandonam a sala, exceto Hamlet e Horácio. Os dois dialogam e concordam que a reação de Cláudio é reveladora de culpa.
    Rosencrantz e Guildenstern regressam e informam Hamlet que o rei está muito aborrecido e que a rainha ficou bastante irritada e solicita a sua presença nos seus aposentos. Polónio chega e informa Hamlet que a mãe deseja vê-lo imediatamente. O príncipe responde que irá ter com ela em breve e pede-lhe um momento a sós. Sozinho em cena, Hamlet decide ser absolutamente honesto com a mãe quando falar com ela, sem, no entanto, perder o controle e agir violentamente. 

domingo, 7 de julho de 2024

Fenómenos sportinguistas

    Sempre o jornalismo a proporcionar momentos de elevação!
    Neste caso, num jogo de hóquei em patins, o Sporting esteve a vencer por dois golos a zero, ambos marcados na segunda parte, porém o adversário conseguiu reduzir para 2 a 1 ainda na primeira parte do desafio.
    Há os fenómenos do Entroncamento e, depois, os do jornaleirismo deste jardim à beira-mar... plantado.

Análise da cena 1 do ato III de Hamlet

    A temática verdade versus engano, presente ao longo da peça, vislumbra-se também nesta cena. Por exemplo, Ronsencrantz e Guildenstern estão tão alinhados com Cláudio que parecem ter esquecido o que os trouxe até ali: a amizade com Hamlet. O engano domina igualmente a participação de Polónio e de Cláudio: nenhum deles age por fidelidade a si próprio ou por um bem maior; a interferência de Polónio na relação entre Hamlet e Ofélia é motivada quase em exclusivo pelo facto de as ações da filha poderem afetar a sua reputação – nunca o homem considerou a dela ou os seus sentimentos pelo príncipe e vice-versa. Por seu turno, nenhuma das ações do novo rei se pauta pela honestidade ou pelo bem comum. A própria Ofélia é coagida a agir falsamente, embora neste caso haja claros atenuantes para o seu comportamento, como a sua juventude e consequente ingenuidade e o facto de viver numa sociedade dominada por homens e onde as mulheres pouca ou nenhuma vez têm.
    A questão da vingança torna-se um fardo cada vez mais pesado à medida que a peça se desenvolve. É neste contexto que surge uma das frases mais conhecidas da literatura universal: “Ser ou não ser…”. O sentido, ainda que indireto, é simples: “Devo matar-me?”, isto é, ele parece pesar se vale a pena ou não permanecer vivo, se deve ou não tirar a sua própria vida. É curioso que isto surja no preciso momento em que se debate com a necessidade de vingar a morte do pai. É uma nova indecisão, que mostra a sua incapacidade para decidir o que fazer com Cláudio que impactasse na sua capacidade de decidir o que quer que seja, mesmo que ele pareça colocar a questão “Ser ou não ser…” como uma questão de debate filosófico.
    O encontro entre Hamlet e Ofélia é muito curioso, desde logo porque é espoletado como um teste, engendrado para determinar se a loucura do príncipe decorre da paixão pela jovem. O leitor / público tem mais conhecimento sobre a matéria, pois sabe que o rapaz age como um louco somente para ter a certeza acerca do papel do tio na morte do seu tio, o que quer dizer que o seu comportamento alterado não tem como justificação o amor por Ofélia.
    Ainda atualmente, muitas pessoas não hesitariam em assassinar o assassino do seu pai, alegando que o tinham feito por vingança e em nome do dever de honra. Porque é que Hamlet não atua de modo semelhante e hesita constantemente? Porque o seu pensamento vai muito para além da questão da vingança, até à reflexão em torno do Bem e do Mal, do certo e do errado, possivelmente considerando que o ato de assassinar Cláudio o tornaria uma pessoa igual ao tio. Tornar-se um assassino contribuiria para acentuar o ambiente corrupto e moralmente decadente que se tem vindo a infiltrar em Elsinore. Além disso, convém nunca esquecer que o príncipe é um cristão e, enquanto tal, as questões do homicídio e do suicídio são muito problemáticas em termos morais.
    Durante o encontro com Ofélia, Hamlet afirma que outrora a amou, mas presentemente não, o que só se compreende se o seu objetivo for magoá-la, visto que a afirmação não afasta as suspeitas de Cláudio sobre si e, por outro lado, o apresentam como alguém emocionalmente inconstante. O seu comportamento relativamente a Ofélia e contra as mulheres em geral é complexo. É de crer que a crença de que as mulheres levam os homens ao pecado reflete a sua preocupação com a decadência moral da sociedade de Elsinore e com a humanidade em geral, pois as pessoas parecem ser facilmente tentadas a praticar o mal e o pecado.
    Ofélia não é inimiga de Hamlet, mas este tem consciência de que ela é filha de Polónio, que, por sua vez, é o principal conselheiro de Cláudio, pelo que manipulá-la é uma forma de, indiretamente, manipular o monarca. O seu comportamento durante o diálogo com ela é tão intenso e instável que se revela exagerado a ponto de colocar em dúvida se é real ou loucura fingida.
    As suas opiniões sobre as mulheres raiam o sexismo, visto que o príncipe as culpa e responsabiliza por levarem os homens ao Mal. No entanto, convém observar que, se é verdade que essa afirmação é dirigida a Ofélia, ele estará a pensar na própria mãe quando fala, pois considera que esta traiu o pai e, ao desposar o tio, o traiu a ele mesmo. Acresce que crê que a progenitora se encontra, de alguma forma, envolvida na desonestidade de Cláudio. Deste modo, a misoginia que vocaliza provém do seu ressentimento para com a própria mãe e não Ofélia.
    As palavras de Hamlet remetem para a Bíblia e para o conceito de pecado original. No Antigo Testamento, Eva come da Árvore do Conhecimento, mesmo depois de Deus ter proibido tal coisa. Isto levou à queda do Homem, que remete para ideia de todos os seres humanos, desde Adão a Eva, são pecadores à nascença. Este conceito cristão do pecado original simboliza as falhas inerentes aos homens, que devem ser expiados.
    As afirmações de Hamlet sobre as mulheres em geral refletem também os valores cultivados na sociedade patriarcal de Elsinore, uma sociedade também profundamente cristã, visto que os pensamentos que o jovem expressa se conectam intimamente com o conceito do pecado original. A estranheza neste episódio reside no facto de estas opiniões terem recaído sobre Ofélia, que ele supostamente amava e que, desta forma, iria magoar. Convém, contudo, não esquecer que tudo se inscreve no plano de se fazer passar por louco, pelo que dizer à jovem que deveria entrar num convento, socorrendo-se de afirmações sexistas e misóginas, se inscreve nessa estratégia de parecer desequilibrado. Contudo, mais importante notar é que, ao fazê-lo, Hamlet está a usar a mulher que supostamente ama como peão na sua estratégia de vingar a morte do seu pai.
    Por último, mais uma vez Cláudio parece preocupado com o estado de Hamlet, porém essa preocupação não é sincera, pelo que a ideia de o afastar de Elsinore, enviando-o para Inglaterra, é exatamente isso: afastá-lo da corte para bem longe. Além disso, é provável que tivesse planos mais escuros para o príncipe.

Resumo da cena 1 do ato III de Hamlet

    Cláudio e Gertrudes discutem o comportamento de Hamlet com Ronsencrantz e Guildenstern, que têm pouco a relatar, exceto o facto de a companhia teatral que, entretanto, tinha chegado ter agradado ao príncipe. O casal real concorda em verem a representação da peça nessa noite. Depois, o monarca envia Rosencrantz e Guildenstern para vigiar o sobrinho. De seguida, pede à esposa que saia também, para que possa observar secretamente um encontro entre Hamlet e Ofélia. Gertrudes sai e Polónio instrui a filha a passear pelo corredor, dando-lhe um livro de orações e dizendo-lhe para se comportar como se o estivesse a ler, enquanto os dois homens se esconderão nas proximidades para observar o encontro.
    Hamlet aparece em cena, perdido nos seus pensamentos e contemplando, aparentemente, o suicídio para acabar com a sua dor: “Ser ou não ser: essa é a questão”. O rapaz parece ponderar sobre os méritos de enfrentar os desafios da vida ou buscar o alívio na morte. O medo do desconhecido faz com que ele se sinta um cobarde. Ao avistar Ofélia, ele interrompe os seus pensamentos. Seguindo as instruções do pai, a rapariga diz-lhe que deseja devolver-lhe os presentes de amor que ele lhe dera, porém, desconfiado das intenções dela e enraivecido, nega que sejam seus. Ofélia insiste que ele lhe deu presentes e cartas de amor, que já não lhe trazem alegria, o que faz com que o príncipe questione a honestidade dela: embora seja linda, tal não significa que seja honesta. Em resposta, a rapariga argumenta que a beleza e a pureza estão intimamente ligadas, o que ele rebate, afirmando que a beleza pode corromper a honestidade, no entanto esta não pode restaurar a pureza de uma mulher pecadora. De seguida, afirma que já a amou, mas, de imediato, declara que nunca a amou de verdade, claramente com o objetivo de a confundir e magoar. Aconselha-a, então, a entrar num convento para não dar à luz mais pecadores e critica as mulheres por fazerem com que os homens se comportem como monstros e por contribuírem para a desonestidade no mundo ao pintarem os seus rostos para parecerem mais belos do que são na realidade e os fazem pecar. Culpa a promiscuidade deles pela sua loucura e deseja o fim de todos os casamentos. Enquanto ele sai furioso, Ofélia lamenta a queda de Hamlet na loucura, de coração partido pelo comprometimento da sua pessoa enquanto soldado e futuro rei da Dinamarca.
    Cláudio e Polónio saem do seu esconderijo, chocados com o que viram e ouviram. Enquanto o segundo continua a acreditar que o amor de Hamlet por Ofélia é a causa da sua loucura, o rei pensa exatamente o oposto e afirma que o seu discurso não parece de o alguém insano. Ele acredita que a situação do príncipe se pode tornar perigosa e decide enviá-lo para o afastar de Elsinore e lhe proporcionar a oportunidade de se recuperar emocionalmente e conhecer o mundo. Polónio concorda com a decisão do monarca, mas sugere que, antes de partir, Gertrudes o confronte na tentativa de descobrir a causa da sua loucura. Assim, Cláudio deverá mandar Hamlet aos aposentos de Gertrudes depois da peça terminar, enquanto o próprio Polónio se esconderá e assistirá ao encontro sem ser visto. Cláudio aceita a sugestão de Polónio e enfatiza a necessidade de continuar a vigiar atentamente o príncipe.

Análise da cena 2 do ato II de Hamlet

    Na cena mais longa da peça, Cláudio e Gertrudes procuram esmiuçar o estado de espírito de Hamlet. Se os objetivos da mãe parecem ser os mais sinceros e honrados, já os do atual marido são bem diferentes. Quando pede a Rosencrantz e Guildenstern que animem Hamlet, está a ser falso e manhoso, pois está a usar os amigos mais próximos do príncipe para o espionar, manipular e, no fundo, neutralizar qualquer ameaça que possa representar para o seu poder. Por outro lado, Cláudio finge também estar preocupado com o Hamlet para agradar e conquistar Gertrudes.
    Outra questão abordada na cena prende-se com o regresso dos embaixadores enviados à Noruega, que traz o jovem príncipe Fortinbras para a ação da peça, para o fazer contrastar com a figura e comportamento de Hamlet: o primeiro é um homem de ação, enquanto o segundo se mostra hesitante, indeciso e até fraco. O contraste torna-se mais evidente se tivermos em conta as similitudes entre ambos: Fortinbras é o filho enlutado de um rei morto, um príncipe cujo tio herdou o trono no seu lugar, tal como Hamlet. Porém, enquanto procura vingar a morte do pai, o outro hesita, inquieta-se, reflete, mas não. Neste contexto, o facto de o tio de Fortinbras o ter proibido de atacar a Dinamarca, mas lhe autorizar o ataque à Polónia, atravessando exatamente o país de Hamlet, pode constituir uma tentativa de enganar Cláudio para que este permita a entrada de um exército inimigo no seu território. Espantosa é a reação de aparente indiferença de Cláudio ao facto de um inimigo poderoso poder penetrar no país que governa com a sua possível autorização. De facto, ele parece muito mais preocupado, para não dizer exclusivamente, com a ameaça que Hamlet pode representar. Deste modo, outro contraste parece desenhar-se aqui: de um lado, o falecido rei Hamlet, um guerreiro poderoso que, ao longo do seu reinado, se preocupou em expandir o poder da Dinamarca no seu exterior; do outro, o seu assassino, um governante apenas preocupado com a conservação do seu poder e as ameaças internas.
    Outro ponto importante da cena é a chegada da companhia de atores, constituindo uma situação de uma peça dentro da peça e apontando para um antiquíssimo tema literário: a vida real enquanto encenação. Por outro lado, a vinda dos atores proporciona a Hamlet a oportunidade de comprovar a culpa do tio. Além disso, a forma como o ator mostra uma emoção tão intensa quando representa a pedido do príncipe, envolvendo-se com a história que está a representar, remete para a forma como o comum das pessoas responde a situações da vida real com emoções e atitudes que não se baseiam em conhecimentos que possuem. É isto que Hamlet se recusa a fazer, isto é, a agir como se soubesse o que estava a fazer, quando, na realidade, não sabe. Em qualquer caso, o plano do príncipe para comprometer o tio rei, através da criação de uma situação que leve a uma resposta emocional, não é nada fiável.
    Até ao momento, o plano de Hamlet para se vingar de Cláudio é claro: fingir-se de louco, tornando-se imprevisível e, assim, mais difícil de ser compreendido pelas outras personagens, como, por exemplo, Polónio, o conselheiro de confiança do rei. Todavia, esse seu plano tarda em surtir efeito, desde logo por causa do caráter indeciso do jovem: assassinar Cláudio é algo com que reluta, daí protelar o ato, o que o deixa envergonhado e em conflito consigo mesmo. A armadilha que decide estender ao tio, usando a companhia teatral, é um sinal inequívoco das suas dúvidas e da sua preocupação com a moralidade de matar Cláudio. Se é verdade que o jovem não quer cometer o assassinato sem estar certo da culpabilidade do tio, não o é menos a evidente relutância que tem em cometer o crime, independentemente das circunstâncias. Neste sentido, o seu estratagema de encenar a peça não passa de mais uma forma de protelar agir. Por outro lado, o plano depende da crença de que emoções intensas vêm à tona quando as pessoas são apanhadas de surpresa, desprevenidas, eliminando o comportamento fingido e fruto do autocontrole.
    A sensação com que se fica é a de que Hamlet agirá apenas por sentir que esse é o que se espera de si, isto é, que vingar a morte do pai é o seu dever, é aquilo que a sociedade exige. Todavia, tal implicar cometer um assassinato. Desta forma, parte da inação e da hesitação do príncipe deve-se ao facto de a sociedade, simultaneamente, apoiar a vingança relacionada com a defesa da honra e tolerar o assassinato em sentido lato. Além disso, convém não esquecer que essa sociedade em que vive Hamlet é uma sociedade cristã, que considera matar alguém um pecado mortal. Assim sendo, o príncipe revela ser um homem com escrúpulos. Certificando-se da culpabilidade do tio, pelo menos Hamlet poderá alegar que a vingança configura uma defesa da honra do pai. Matar o tio sem ter a certeza de que Cláudio é culpado será imoral.

Resumo da cena 2 do ato II de Hamlet

    Cláudio e Gertrudes contratam Rosencrantz e Guildenstern, dois amigos de Hamlet, para passar um tempo com ele, na esperança de que possam determinar a causa do seu estranho comportamento e o possam afastar do seu estado de luto. A rainha promete dar-lhes uma grande recompensa pela ajuda.
    Entretanto, chega Polónio com notícias favoráveis: os embaixadores Voltemand e Cornélio, que Cláudio enviou à Noruega, estão de regresso e revelam que o velho e doente rei norueguês repreendeu Fortinbras por planear declarar guerra à Dinamarca e o forçou a jurar que nunca o faria. Além disso, o idoso monarca deu ao sobrinho fundos e tropas para, em alternativa, atacar a Polónia e enviou uma carta a Cláudio solicitando que o exército de Fortinbras pudessem passar em segurança através da Dinamarca para atacar os polacos. Cláudio mostra-se aliviado com as notícias, agradece e dispensa os enviados, comprometendo-se a reler a missiva e a responder à solicitação.
    Quando os embaixadores saem, Polónio diz a Cláudio e a Gertrudes que Hamlet está louco de amor por Ofélia e mostra ao rei e à rainha cartas e poemas de amor que o príncipe enviou à jovem. De seguida, lê-lhes uma carta, na qual Hamlet proclama o seu amor por ela, e admite que, depois de descobrir o relacionamento, deu instruções à filha para o rejeitar. Por esse motivo, afirma recear ter sido o causador da loucura de Hamlet e propõe um plano para testar a sua teoria. O jovem príncipe costuma passear, frequentemente, pelo saguão do castelo e Polónio propõe orquestrar um encontro entre Hamlet e Ofélia durante uma dessas caminhadas reflexivas. Enquanto isso sucede, o pai de Laertes e Cláudia podem esconder-se atrás de umas cortinas, por exemplo, e observar a cena e verificar se a loucura do príncipe realmente provém do seu amor por ela.
    Gertrudes percebe a chegada do filho, lendo um livro enquanto caminha, os dois monarcas saem e Polónio ficam a sós com Hamlet. O primeiro tenta iniciar uma conversa com o príncipe, mas este mostra-se distante e frio e chama-o «peixeiro» e responde às suas perguntas de forma irracional, parecendo, de facto, louco. Polónio não compreende que as respostas aparentemente alucinadas de Hamlet constituem, com efeito, alfinetadas à sua postura pomposa e à sua velhice. Por exemplo, quando o príncipe lhe chama «peixeiro», acrescenta que gostaria que fosse tão honesto quanto um. Em resposta, Polónio admite que, realmente, a honestidade é escassa. Hamlet pergunta-lhe se tem uma filha e aconselha-o a observá-la atentamente, para evitar que ela fique demasiado exposta ao sol, o que poderia fazê-la «engravidar». Perplexo com o comportamento do seu interlocutor, questiona-o sobre o livro que está a ler e ele discute o retrato das pessoas de idade avançada como irrelevantes e estúpidas. O diálogo prossegue até que Polónio sai, determinado a falar com Ofélia para dar andamento ao plano que traçou com Cláudio. Após a sua saída, Hamlet apelida-o de velho, idiota e chato.
    Entrementes, entram em cena Rosencrantz e Guidenstern, cumprimentam entusiasticamente Hamlet, que, por sua vez, os recebe calorosamente. Posteriormente, questiona repetidamente o motivo por que regressaram à Dinamarca e eles, timidamente, respondem que vieram apenas para o visitar, mas o príncipe retorque que sabe que p rei e a rainha o chamaram. Rosencrantz finge que não, mas Hamlet insiste e Guildenstern acaba por confessar que é verdade. De seguida, o jovem príncipe descreve, de forma sarcástica, como o casal real terá descrito o seu estado de depressão, a sua falta de interesse em socializar e a incapacidade de apreciar a beleza que o rodeia. Rosencrantz sugere que, se o amigo não consegue desfrutar da companhia de pessoas, talvez possa ser entretido por uma companhia de atores que está a caminho de Elsinore. Hamlet aprova a vinda do grupo, mas questiona a razão por que andam de terra em terra quando poderiam ganhar mais numa cidade. O amigo responde que os tempos são difíceis e que os atores e as peças infantis perderam popularidade, algo que o príncipe considera absurdo, comparando-o à crescente popularidade de Cláudio como rei. Entretanto, uma trombeta faz-se ouvir, simbolizando a chegada dos atores e Hamlet prepara-se para os saudar, todavia, antes, sugere aos companheiros que a sua loucura é fingida e destinada a enganar o seu «tio-pai» e a sua «mãe-tia».
    Polónio entra e anuncia a chegada dos atores, sendo objeto de vários comentários trocistas da parte de Hamlet. Quando o grupo entra, o príncipe dá-lhes as boas-vindas e pede-lhes que um deles faça um discurso sobre a queda de Troia e a morte de Príamo e Hécuba, os reis troianos, para testara sua qualidade. Impressionado com o desempenho do ator, Hamlet ordena a Polónio que os acompanhe aos quartos de hóspedes e solicita-lhes que, na noite seguinte, representem a peça O Assassinato de Gonzago, acrescentada de um texto que ele próprio escreverá. O ator principal concorda e todos abandonam a sala, deixando-o sozinho.
    Num monólogo, Hamlet lamenta a sua incapacidade de agir contra o assassino do seu pai e revela toda a sua frustração por não conseguir reunir a raiva necessária para consumar a vingança exigida pelo fantasma do pai e assassinar Cláudio, em contraste com a atuação do ator, caracterizada por conferir grande profundidade e emoção a figuras já falecidas há muito tempo e que nada lhe dizem, enquanto ele é incapaz de agir, mesmo tratando-se de algo relativo ao seu próprio pai. É o autorretrato de alguém fraco, indeciso e até covarde.
    Deste modo, decide montar uma armadilha a Cláudio: fazer representar uma cena que lembra o relato do fantasma sobre o seu assassinato. Assim, pretende obrigar o novo rei da Dinamarca a assistir a uma representação cujo enredo se assemelha imenso à morte do velho Hamlet. A reação de Cláudio mostrará se é culpado ou não e, então, obterá a prova definitiva da culpabilidade (ou não) do monarca. No fundo, o príncipe quer certificar-se que o fantasma disse a verdade e de que não se trata do Diabo a tentar enganá-lo.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Análise do poema "Aquela senhora tem um piano", de Alberto Caeiro

    Este poema é constituído por dois tercetos de versos brancos ou soltos e métrica irregular.

    Na primeira estrofe, o sujeito poético estabelece uma analogia entre o som do piano e o produzido pelo curso das águas dos rios e das árvores, para constatar que o instrumento musical, quando tocado por uma determinada senhora, produz um som agradável, porém bastante inferior ao produzido pelos elementos da Natureza (atente-se na sua personificação, traduzida pelo nome «murmúrio», bem como na metáfora clássica do «correr dos rios»). O som do piano é, de facto, agradável, todavia não é natural, simples e verdadeiro, como o da Natureza. Tudo o que é humano não é natural. Tudo o que é humano não é natural. À semelhança do que sucede com o piano, que imita os sons da natureza nas suas melodias, o pensamento humano imita o natural movimento das coisas. Nesta estrofe e neste poema, o «eu» poético defende novamente a objetividade.

    Além disso, há uma oposição entre «Natureza» e pensamento e o piano constitui uma metáfora deste contraste. Dado que a Natureza produz sons mais melodiosos, não é necessário um piano para ouvir belos sons, isto é, não é preciso pensar para viver. Além disso, o piano é um intermediário entre o ser humano e a Natureza. O piano representa um bem cultural, uma construção humana, que se opõe aos bens naturais – o correr dos rios e o murmúrio das árvores. Assim sendo, o «eu» descarta a necessidade do piano, preferindo a fruição dos sons da Natureza. O melhor é ter ouvidos para os escutar.

    Caeiro vive de impressões, sobretudo visuais, todavia, neste poema, o foque recai sobre as auditivas. Por outro lado, são frequentes na poesia de Caeiro as comparações que têm como segundo elemento de comparação um elemento da Natureza e que servem para concretizar ideias abstratas.

    Em suma, embora os objetos e as criações humanas ofereçam prazer e conforto, eles ficam aquém da complexa e rica experiência oferecida pela Natureza: há um contraste entre o artificial, o construído, e o natural e simples.

    A segunda estrofe abre com uma interrogação retórica: “Para que é preciso ter um piano?” (v. 4). De facto, o piano é desnecessário, porque há a Natureza, que ultrapassa tudo o que o ser humano pode construir para a compreender. O essencial é usufruir da Natureza através dos sentidos, neste caso da audição, e amá-la. Não é necessário um instrumento musical – um objeto material musical construído – quando se tem o que é natural, uma forma mais autêntica de existência humana: a beleza e a pureza da Natureza, simples e natural. Amar é aceitar incondicionalmente, ao mesmo tempo que nos oferecemos por inteiro, sem compromisso, mesmo que tenhamos medo de falhar ou de ser magoados.

    Para concluir, esta composição poética recorda uma passagem do Livro do Desassossego que reza o seguinte: “Quando vim primeiro para Lisboa, havia, no andar lá de cima de onde morávamos, um som de piano tocado em escalas, aprendizagem monótona da menina que nunca vi. Descubro hoje que (…) tenho ainda nas caves da alma (…) as escalas repetidas, tecladas, da menina hoje senhora outra, ou morta e fechada num lugar branco onde verdejam negros os ciprestes. Eu era criança, e hoje não o sou.”. O piano, neste passo, parece constituir uma referência simbólica à mãe de Fernando Pessoa, tendo em conta que O Livro do Desassossego se debruça sobre a sua infância perdida. Ela tocava piano e o poeta recorda essas notas tocadas em sua casa, durante a idade infantil. Dado que recusa a necessidade do piano, denega também a necessidade da memória do piano (da própria mãe a tocá-lo, no que isso teria de reconfortante). Deste modo, os versos “Para que é preciso ter um piano? / É melhor ter ouvidos / E amar a natureza” podem ler-se como um lamento triste em que Pessoa, aparentemente, recusa a memória reconfortante.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Vida e Obra de Oscar Wilde

    Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde, um ícone literário irlandês dono de uma vida intensa, rica em experiências e caracterizada pelo talento, nasceu a 16 de outubro de 1854, em Dublin, Irlanda. O seu pai, Sir William Wilde, foi um médico aclamado(cirurgião de ouvidos e oftalmologista), nomeado cavaleiro pelo seu trabalho como consultor médico nos censos irlandeses. Mais tarde, fundou o Hospital Oftalmológico St. Mark, inteiramente às suas custas, para atender os pobres da cidade. Além disso, publicou obras sobre arqueologis, folclore e o escritor Jonathan Swift. Por seu turno, a mãe de Wilde, Jane Francesca Elgee, que escreveu sob o pseudónimo de Speranza, foi uma poeta revolucionária (este intimamente ligada à Rebelião dos Jovens Irlandeses de 1848) e uma autoridade em mitologia e folclore celta, aclamada pela tradução para inglês de Sidonia, a Feiticeira, uma obra da autoria de Wilhelm Meinhold que influenciou posteriormente o filho.
    Desde cedo, Oscar Wilde revelou-se uma criança curiosa, inteligente e estudiosa. Depois de ter frequentado a Portora Royal School, em Enniskillen, entre 1864 e 1871, onde se apaixonou pelos estudos clássicos e alcançou o prémio de melhor aluno nos dois últimos anos de frequência, bem como o segundo prémio em desenho no último, recebeu a bolsa Royal School para estudar no Trinity College, Em Dublin, onde permaneceu entre 1871 e 1874. No final do primeiro ano, portanto em 1872, obteve o primeiro posto no exame da escola sobre clássicos e foi premiado com uma bolsa de estudos, a maior homenagem concedida a alunos de graduação. Após a sua formatura em 1874, Wilde recebeu a Medalha de Ouro de Berkeley para o melhor aluno do Trinity College na disciplina de grego. Seguiu-se, entre 1874 e 1878, a Magdalen College, em Oxford, onde foi contemplado com a bolsa Demyship para estudos adicionais. Em Oxford, Wilde continuou a destacar-se pelo seu brilhantismo enquanto aluno, mas também como poeta, ao encetar as suas primeiras tentativas de escrita criativa. Em 1878, ano da sua formatura, um seu poema, intitulado “Ravenna”, granjeou-lhe o Prémio Newdigate de melhor composição de versos em inglês por um estudante de Oxford.
    Depois de se formar em Oxford, Oscar Wilde mudou-se para Londres, indo morar com o seu amigo Frank Miles, um retratista popular entre a alta sociedade londrina. Na capital inglesa, continuou a escrever poesia e começou a estabelecer-se nos círculos sociais e artísticos graças à sua inteligência e à sua extravagância. Rapidamente, o periódico ilustrado Punch, famoso pelo seu humor satírico e pelas caricaturas e desenhos animados, fez de Wilde o objeto satírico do seu antagonismo aos estetas por causa da sua alegada escassa devoção masculina à arte. Na sua ópera cómica, intitulada Patience, Gilbert e Sullivan basearam parcialmente a personagem Bunthorne, um “poeta carnal”, em Oscar Wilde. Em 1881, este publicou, a expensas próprias, o livro Poemas, uma coletânea que recebeu elogios moderados por parte da crítica, mas que o estabeleceu como um escritor promissor. No ano seguinte, em 1882, viajou para Nova Iorque, para participar numa turnê de palestras pelos Estados Unidos, que o levou também ao Canadá. No total, em cerca de nove meses, terá proferido 140 palestras. Quando aportou em Nova Iorque, terá declarado, nos serviços da alfândega, nada mais ter a declarar além da sua genialidade. Durante a sua estada no continente americano, Wilde foi hostilizado pela imprensa local, por causa das suas poses lânguidas e dos seus trajes, entre os quais se destacavam a jaqueta de veludo, as calças até aos joelhos e as meias de seda preta. Em simultâneo, contactou com algumas das principais figuras norte-americanas ligadas à literatura, como, por exemplo, Henry Longfellow e Walt Whitman.
    Concluída a viagem por terras do tio Sam, Wilde regressou a Inglaterra e, de imediato, deu início a novo ciclo de conferências pelo país e pela Irlanda, o qual se estendeu até 1884. Este conjunto de palestras, bem como a poesia que ia produzindo, permitiu-lhe estabelecer-se como um dos principais defensores do “aesthetic mmovement”, uma teoria de arte e literatura que enfatizava a busca da beleza por si mesma, em vez de promover qualquer ponto de vista político ou social.
    Em 29 de maio de 1884, Oscar Wilde desposou Constance Llloyd, uma mulher de famílias ricas filha de um proeminente advogado irlandês. Desse matrimónio resultaram dois frutos, Ciryl, nascido em 1885, e Vyvyan, em 1886. Um ano após o enlace, foi convidado para dirigir Lady’s World, uma revista inglesa, entre 1887 e 1889, depois de ter sido revisor da Pall Mall Gazette. Durante esses dois anos, revitalizou a revista, expandindo os assuntos que abordava e, consequentemente, o público alvo, nomeadamente focando não só o que as mulheres vestiam, como também as suas ideias e sentimentos, sobre diversas matérias, como a literatura, a arte e a vida moderna. Não obstante, deveria ser uma publicação que também os homens pudessem ler com prazer.
    A partir de 1888, enquanto ainda dirigia a Lady’s World, Oscar Wilde iniciou um período de fervilhante criatividade e escrita, durante o qual deu à luz grande parte das suas obras literárias. Assim, nesse mesmo ano, publicou O Príncipe Feliz e Outros Contos, uma coletânea de histórias infantis. Em 1891, publicou Intentions, uma coletânea de ensaios em que defendia os princípios do esteticismo, e, de seguida, O Retrato de Dorian Gray, tida como a sua obra-prima (publicada na Lippincott’s Magazine, em 1890, e em forma de livro, revisto e acrescentado de seis capítulos, em 1899), na qual o protagonista, Doriam Gray,um jovem belo, deseja (e consegue) que o seu retrato envelheça enquanto ele permanece jovem e leva uma vida de pecado e prazer, e o escritor mistura elementos sobrenaturais típicos do romance gótico com o decadentismo francês. A obra foi recebida com violentas críticas, que a acusavam de imoralidade, apesar do seu desfecho de acordo com a moral coincidente com o castigo do Mal.
    Em 1891, foram ainda publicadas outras duas obras: Crime e Outras Histórias de Lord Arthur Savile e Uma Casa de Romãs. Em fevereiro de 1892, estreou a sua peça O Leque de Lady Windermere, um texto que obteve enorme sucesso e popularidade, bem como a aclamação da crítica. Em 1893, saíram Salomé e Uma Mulher sem Importância e, sucessivamente, O Marido Ideal (1895) e A Importância de se chamar Ernesto (1895), a sua peça mais famosa.
    Neste período em que desfrutava de enorme popularidade e sucesso literário, Oscar Wilde iniciou uma relação amorosa com um jovem chamado Alfred Douglas. Em 18 de janeiro de 1895, o pai do rapaz, o marquês de Queensberry, ao tomar conhecimento do caso, acusou o escritor de ser um sodomita. Apesar de a homossexualidade de Wilde ser um segredo aberto, instado por Alfred, processou o marquês por difamação, uma decisão que arruinou a sua vida. De facto, o caso fracassou, pois as evidências foram contra si e o escritor desistiu do processo. Incentivado pelos seus amigos a fugir para França, Wilde recusou, o que levou à sua prisão e julgamento, durante o qual testemunhou de forma brilhante, porém o júri ficou num impasse e não chegou a qualquer conclusão. O julgamento teve início em março de 1895 e neste o marquês de Queensberry e os seus advogados apresentaram provas da homossexualidade de Oscar Wilde, concretamente passagens das suas obras literárias e cartas de amor endereçadas a Alfred Douglas. Foram estes dados que levaram à rejeição do caso de difamação e à sua condenação e prisão sob a acusação de “indecência grosseira”. Assim, em 25 de maio de 1895, Oscar Wilde foi sentenciado a dois anos de prisão e trabalhos forçados. A maior parte do seu encarceramento foi cumprida na prisão de Reading, a partir da qual escreveu uma longa carta a Alfred repleta de recriminações contra o jovem por o ter incentivado a levar uma vida de dissipação e a distraí-lo da criação literária.
    Oscar Wilde foi libertado da prisão em maio de 1987, fisicamente frágil e de saúde debilitada e emocionalmente exausto e falido. Partiu rapidamente para Paris, na tentativa de se regenerar como escritor, e aí viveu em hotéis baratos e apartamentos de amigos, tendo mantido um breve encontro com Alfred. Durante esse período, escreveu muito pouco, tendo-se destacado unicamente um poema completado em 1898 sobre o tempo passado na prisão – The Ballad of Reading Gaol –, no qual denunciava as condições precárias e desumanas da prisão. Não obstante os seus problemas financeiros, Wilde manteve-se alegre e foi visitado por amigos leais como Max Beerbohm e Robert Ross.
    Oscar Wilde morreu, vítima de meningite aguda causada por uma infeção no ouvido, em 30 de novembro de 1900, aos 46 anos. Nos momentos que antecederam a sua morte, foi acolhido no seio da Igreja Católica Romana, que há muito admirava.

    Uma vida em síntese:

. Nome: Oscar Wilde.

. Data de nascimento: 16 de outubro de 1854.

. Cidade natal: Dublin.

. País natal: Irlanda.

. Género: masculino.

. Obras principais: O Retrato de Dorian Gray, A Importância de se chamar Ernesto.

. Géneros literários: poesia, ficção e teatro.

. Data de falecimento: 30 de novembro de 1900.

. Local de morte: Paris.

. País: França.

 
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