O
poema, constituído por versos curtos que lhe imprimem um ritmo vivíssimo, abre
com uma metáfora clássica (“Durante toda a minha caminhada / pela bola”), que
representa a vida enquanto viagem pelo planeta e sugere uma perspetiva sobre as
coisas decorrente da experiência e aprendizagem feita. A referência à Terra
reflete a diversidade de perspetivas sobre as coisas: uns chamam-na “terra” e
outros “água” (neste caso, por a superfície do planeta ser constituída
maioritariamente precisamente por água), o que parece indiciar a noção de que a
realidade pode ser interpretada de formas diversas, dependentes da perspetiva
de cada pessoa.
De
seguida, associa a forma redonda da Terra a uma memória da juventude: a de um
amigo do colégio que apelidaram “balofo”, certamente por causa do seu excesso
de gordura corporal. Atente-se no uso irónico do advérbio de modo “carinhosamente”,
pois estamos na presença de um epíteto que nada tem de carinhoso nem para o
alvo nem para os autores. Por outro lado, estamos perante uma espécie de
tradição escolar juvenil: a atribuição a colegas de escola de epítetos,
alcunhas, umas vezes traduzindo, de facto, relações de amizade e carinho,
outras enquanto forma de humilhação, ou, como se dirá hoje, “bullying”. É da
natureza humana distribuir apelidos pelos seus semelhantes. Seja como for, quer
interpretemos o “balofo” como apelido carinhoso, quer como depreciativo, estes
versos indiciam a importância das relações interpessoais e das memórias
afetivas ao longo da vida.
Do seu
percurso de vida, resulta um processo de aprendizagem do «eu» poético: a vida é
feita de incertezas, porém há uma certeza que tem e que gostaria de partilhar
com os outros, nomeadamente com as gerações futuras diretas – “os seus filhos”.
Deste modo, os versos parecem traduzir a ideia de que a transmissão do
conhecimento e da experiência aos vindouros é um legado, uma herança extremamente
valiosa(o).
Mas,
afinal, que certeza é essa? Todo o ser humano possui ou já possuiu uma toalha
bordada. É evidente que esta referência configura uma metáfora que traduz a
importância das pequenas coisas, ou gestos, que possuem pouco valor material,
mas enorme valor sentimental e cultural. Estamos, pois, no campo da tradição e
da herança familiar. Note-se que, numa entrevista concedida em 2022, a poeta
afirmou que desconhece o conceito económico de herança, ou seja, bens, imóveis,
fortunas materiais, e que nunca herdou nada. No entanto, acrescenta, na sua
família existe aquilo que chama “a mística dos objetos de carinho”: “Fui criada
recebendo, não sem controle e num intervalo de tempo que não prevê facilidades,
um rádio de pilha de um avô aqui, um reloginho de uma avó acolá, um cinzeiro
que meu pai já me repassou em vida (…) Enfim, desde que nasci recebo objetos
que têm ou tiveram importância para alguém que ajudou a me criar. Amigos e
amigas também fazem isso comigo, namoradas já fizeram. Parece que as pessoas
ficam à vontade para confiar em mim suas memórias e elas podem ficar tranquilas
porque nunca vou jogar fora aquela toalhinha que ganhei quando tinha sete anos
ou aquela lâmpada de pisca-pisca de Natal de 92. Assim, herança para mim é
confiança.” As palavras da própria escritora dispensam mais considerandos.
Voltando
ao poema, atente-se na referência “pela bola – há quem /a diga achatada”, uma
alusão evidente àqueles que acreditam no terraplanismo, uma nova indireta às
diferentes crenças e perceções que as pessoas têm do mundo e da realidade. Por
outro lado, os versos “É importante / que seus filhos / passem pros deles /
essa verdade” enfatizam a importância de transmitir e preservar a cultura e as
tradições familiares, passando-as às futuras gerações. Mesmo aqueles que não
possuem filhos aos quais possam passar a “toalha bordada” continuarão a tê-la,
isto é, continuarão a possuir as suas tradições e legados familiares e
culturais. O facto de alguém não possuir filhos a quem legar a sua “toalha
bordada” não invalida a importância ou o significado da herança cultural, pois
existirão sempre objetos que testemunharão uma experiência e identidade
compartilhadas. O legado transcende a procriação e as conexões familiares, pois
há elementos compartilhados que nos unem como seres humanos.
Deste modo,
podemos concluir que a toalha bordada constitui uma metáfora para a herança
cultural, por mais singela que seja, que é passada de geração em geração. A
toalha é um elemento tangível e concreto, alfo concreto, um objeto que pode ser
tocado e visto e que incorpora em si histórias, memórias e significados que
transcendem a materialidade. Desta forma, o «eu» poético enfatiza a importância
de o ser humano preservar e compartilhar as suas tradições e cultura, algo que
já é indiciado pelo título – “As avós e as tias” –, que aponta desde logo para
o conceito de família e ancestralidade, sugerindo que as tradições culturais
são transmitidas por figuras maternas. Afinal, as “toalhas bordadas”, os
trapos, são tipicamente associados ao universo feminino, estando o masculino
totalmente ausente.
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