O início do
terceiro ato é constituído pelas tentativas dos antagonistas descobrirem os
segredos um do outro: o rei espia o sobrinho para averiguar a sua proclamada
loucura, enquanto Hamlet engendra um estratagema para estabelecer a culpa do
tio. A peça dentro da peça conta a história de Gonzago, duque de Viena, e de
sua esposa, que acaba por se casar com Luciano, o sobrinho assassino do rei.
Hamlet, ao acrescentar à representação o excerto escrito por si que imita os
detalhes da morte do pai, acredita que a peça é uma oportunidade mais fiável de
estabelecer a culpa de Cláudio do que as afirmações do fantasma. Ele espera que,
recorrendo ao processo de imitação da realidade pela arte, Cláudia se traia e
indicie a sua culpa. Podemos, pois, concluir que Hamlet, ao socorrer-se deste
estratagema, está a manipular a realidade e o ambiente circundante, controlando
o desenrolar dos acontecimentos.
A reação
intempestiva de Cláudio à representação que reconstitui o assassinado do rei
Hamlet revela a sua culpa e permite a Hamlet concluir que o tio é efetivamente
responsável pelo crime. Este facto é muito importante, pois o jovem príncipe
não tinha qualquer prova que sustentasse a denúncia do fantasma e é
precisamente esta ausência de provas que alimenta a indecisão de Hamlet e que o
leva a adiar a execução da vingança solicitada pelo espectro, pois não quer
cometer um assassinato sem ter a certeza da culpa do rei. Agora, desaparece o
motivo do protelar do príncipe. Em simultâneo, confirma-se que há mesmo algo
podre no reino da Dinamarca: o atual rei ascendeu ao trono após cometer
fratricídio.
Tudo isto
reacende o tema da aparência versus a realidade: as artimanhas de
Hamlet, a pressão sobre Rosencrantz e Guildenstern para enganar o príncipe, a
reencenação da morte do rei Hamlet no jardim. Intimamente ligado a esta temática
temos o tema da loucura, desde logo por causa da loucura fingida de Hamlet, que
não passa de mais um embuste. Além disso, a saída de Cláudio da sala onde a
peça está a ser representada pode considerar-se uma saída louca, dando início a
uma espiral de decadência do rei.
As figuras
femininas da peça são sempre relevantes por diversos motivos. A cena de
abertura da peça, por exemplo, constitui um ataque a Gertrudes, visto que põe
em xeque a sua lealdade ao rei Hamlet, nomeadamente quando a rainha-personagem
afirma veementemente que não se voltará a casar caso o marido morra, ao
contrário do que fez a monarca da Dinamarca, que casou de novo pouco tempo
depois de ter ficado viúva. Convém, no entanto, ter presente que o
comportamento de Gertrudes está em consonância com a sociedade da época, visto
que era comum então que as mulheres viúvas se casassem de novo, contudo apenas após
um período de luto considerável pelo marido falecido. Assim sendo, a forma
célere como Gertrudes se casa novamente contraria certas expectativas da
sociedade da época, porém há que ter em atenção que estamos a falar de uma
monarca, com outras responsabilidades que uma mulher plebeia não tinha. Deste
modo, a acusação implícita de Hamlet relativamente à decisão da mãe pode conter
o seu quê de injusta, pois não tem em conta as pressões sociais a que Gertrudes
estava sujeita e que a levaram ao segundo casamento.
Por outro
lado, o modo como Hamlet trata Ofélia mostra-o como alguém injusto e
insensível, pois parece não refletir nos sentimentos de ambas as mulheres ou
nas consequências que as suas atitudes e decisões possam ter sobre elas.
Anteriormente, o príncipe já afirmara que não sentia nada por ela e, durante
esta cena, senta-se intencionalmente ao seu lado e faz comentários obscenos
para a deixar incomodada e desconfortável. Mas porquê tratar assim Ofélia, se já
atingiu o objetivo de convencer todos de que está louco? Será um reflexo da sua
eventual misoginia?
No final de
cena, Hamlet reflete brevemente sobre o seu comportamento e como este afetou a
sua mãe, mas será que o prometido encontro posterior com Gertrudes confirmará
este breve instante ou, pelo contrário, acentuará a sua raiva e grosseria
dirigidas às mulheres?
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