1) Valorização da sensibilidade. a) Encontramos nos poetas pré-românticos uma espécie de libertação da sensibilidade e é essa afirmação dos sentimentos que rompe com os padrões anteriores, que parece não terem encontrado um rumo alternativo. É uma sensibilidade desenfreada, daí podermos desejar tudo, mesmo o que se designa por "locus horrendus"
Ao falar-se em valorização do sentimento entende-se aqui, mais do que uma análise de sentimentos, uma constante temática na poesia pré-romântica, no sentido de o sentimento se tornar o fundamento não só na vida psicológica, mas também da moral e dos valores. Está em causa uma valorização dos sentimentos, de modo a dar-se uma transformação radical. Os sentimentos irão definir os valores e a sua hierarquia. Vale o que é determinado pela sensibilidade e não pela razão. O sentimento passa a ser um critério de valor, daí que a moral passe a ser determinada a partir do sentimento. E a valorização do sentimento conduz a um novo conceito de virtude.
O autor que mais encarna estas ideias é Rousseau, através da sua teoria do bom selvagem: dá-se a valorização daquilo que é próprio de cada homem. Assim se dá o primeiro passo de uma revolução moral. Esta valorização conduz à teoria do "génio criador", porque se valoriza a individualidade de cada um. O génio cria segundo as suas regras e princípios, donde esses são diferentes dos princípios dos outros.
b) Que tipo de sensibilidade?
Temos, por um lado, uma sensibilidade terna e melancólica, que em certos casos vai dar lugar a emoções suaves e sentidas.
Neste caso, o poeta procura ambientes calmos, uma paisagem em consonância com os seus sentimentos. Não é necessariamente uma sensibilidade que se pode extravasar no relacionamento do poeta com figuras humanas, tendo em conta a delicadeza da sua personalidade. Também se pode antever um relacionamento com as paisagens às quais confidencia os seus estados de alma trespassados de felicidade. Este aspeto, no entanto, é o que menos se observa na estética pré-romântica.
Por outro lado, há uma sensibilidade exaltada, mais própria do Pré-Romantismo. Nesta situação, as confidências do poeta já não resultam da contemplação da paisagem, mas sim da "visão" que ele tem de uma paisagem. Esta pode ser terrífica, tempestiva ou noturna, chegando-se daqui à configuração do "locus horrendus".
Na sequência da valorização desta paisagem e destes ambientes negros, surge um novo tipo de literatura, chamada narrativa de terror ou gótica em contraposição ao Neoclassicismo. Este é um dos aspetos que aponta para posteriores orientações românticas.
2) Egotismo (valorização do "eu).
Com a valorização dos sentidos, vem a consequente valorização do "eu". A hipertrofia do "eu" acarreta consigo um certo egotismo.
A literatura pré-romântica é uma literatura do "eu". Note-se que este caráter egotista, esta exploração do íntimo pessoal, faz-se em termos intimistas, confessionais. Com este tópico, antecipa-se a literatura romântica, que trará a preocupação de expressar a vida pessoal e íntima do "eu".
Na literatura pré-romântica, o perfil do poeta aparece frequentes vezes associado ao signo da infelicidade, isto é, o poeta terá já nascido sob este signo. O poeta sente-se mais inclinado para a melancolia e o desespero.
Esta literatura pré-romântica defende o "confessionalismo do autor". Há, assim, um egotismo confessional, em que predomina a melancolia e a insatisfação.
Em conformidade com esta maneira de estar e sentir do poeta, a literatura pré-romântica traz um novo caudal de observações de pormenor, de minúcias relacionadas com a vida psicológico-afetiva do poeta. Esta literatura não tem pudor em tornar-se uma literatura de caráter confidente, o que constituiu uma novidade para a época. Isto implicava que tinha deixado de haver um controle sobre as faculdades expressivas. Por outro lado, acentuava-se o caráter psicológico e íntimo das coisas que se exprimiam.
3) A perseguição do destino, do fado.
Porque o poeta vive intensamente do afeto e dos sentimentos exacerbados, ele vive pelas e das suas emoções. Ao mesmo tempo, é um ser vibrátil, emocionável, apaixonado e fica sujeito aos caprichos do destino ("fatum"). Note-se que este fatalismo sentido, que se associa a uma sensibilidade melancólica, a um gosto de ser triste, estava presente em Camões. Daqui este projetar-se na poesia desta fase.
Ainda como ser apaixonado, o poeta sente que o seu amor pode ser total ou avassalador, ou também um amor violentamente sensual.
4) Uma fragilidade emotiva.
O estado de melancolia atinge, na poesia pré-romântica, uma grande valorização, que se alia por vezes a uma fragilidade emotiva, que se traduz com alguma frequência no choro e nas lágrimas. Esta forma de extravasar os sentimentos era inconcebível na literatura neoclássica, o que traduz uma atitude negativa. Aparece uma estética que denota uma particularidade semântica de teor essencialmente negativo em contraste com o Neoclassicismo.
5) Temática de presságios (temática pessimista).
Esta temática é mais um sinal da fragilidade humana sentida pelo poeta. Simultaneamente, esta temática revela uma insatisfação espiritual muito grande.
Esta temática dos presságios aparece geralmente ligada a certos cenários. Para além do mocho que pia, temos cenários ligados à sombra, à noite, às ruínas. Esta temática manifesta-se através do "locus horrendus". Nesta situação, não é de estranhar que haja maior abertura da personalidade humana aos presságios e que se encontre em alguma poesia pré-romântica os sonhos ruins e meditações sobre e sob a escuridão.
Um dos casos paradigmáticos é a poesia de Bocage, que chega a apresentar a noite negra como menos negra que o seu destino. Surge a temática da noite e do sepulcro.
6) (Re)descoberta da natureza e do pitoresco.
É uma nova visão da natureza e de um novo sentimento perante ela, pois entre a natureza e o "eu" estabelecem-se também relativamente afetivas. Daí que a natureza, tal como o poeta a vê, se associe aos seus estados mais íntimos. A natureza surge liberta para acompanhar os seus estados íntimos.
Assim, o poeta pré-romântico não se limita a dar maior e nova atenção ao mundo físico, à paisagem e aos caracteres pitorescos que a natureza vai tomando em certas regiões e épocas do ano.
O poeta manifesta preferência por uma certa paisagem. Prefere uma natureza agreste, onde predominam os precipícios, a queda, os abismos, os mares, pelo que estes fatores têm simultaneamente de sedutor e assustador. Na paisagem, procura-se também o seu lado exótico e, nas estações do ano, uma há que lhe dá mais estimulo para o exotismo: outono, porque é a estação que marca um declínio lento, um anoitecer mais cedo, uma constante quebra do dia. Traz ainda as colorações melancólicas; em suma, é a estação do crepúsculo, um "crepúsculo magoado".
Não é estranho que a par deste exotismo surja uma natureza agreste, onde o outono favorece uma reflexão melancólica e simbólica e daqui vai um pequeno passo aos ambientes noturnos e lúgubres. A natureza e os seus horrores harmonizam-se com os sentimentos do poeta, com o seu estado de alma e com o seu desespero.
Estes sentimentos eram mais agravados quanto mais as condições de vida a isso obrigavam: dificuldades económicas, desgostos amorosos, exílio, prisão. É o caso de Bocage.
7) Teoria do "génio criador".
Existem alguns pontos de doutrina que são inovadores na literatura pré-romântica.
Vimos já que a literatura pré-romântica traduz um forte declínio das influências greco-latinas e acentuado afastamento dos cânones clássicos. Contudo, várias vezes, os poetas pré-românticos se veem obrigados a vazar a sua nova sensibilidade dentro das formas poéticas e estilísticas da tradição clássica.
A maior parte dos princípios defendidos pelo Pré-Romantismo apresentam-se sob forma negativa, contestatória, porque não sendo este movimento apoiado em escolas ou grupos doutrinários, o Pré-Romantismo apresenta um caráter contestatário da doutrina clássica. Contesta-se a doutrina das regras, dos modelos, géneros literários e convenções clássicas. Na prática, passa-se duma literatura rigorosa, sujeita a modelos, para uma literatura confessional, que acentua a quebra com as regras neoclássicas.
Isto acontece na Alemanha com o movimento Sturm und Drang e na França. Neste último país, em volta dos princípios defendidos por Diderot, passa-se à defesa de princípios com um ponto de vista positivo. Um deles atinge grande divulgação: doutrina do génio criador.
O génio, fundamento da criação poética nas doutrinas do Pré-Romantismo, é uma força alheia ao domínio da razão e insuscetível de ser submetida a preceitos. O génio é, por conseguinte, uma força criativa, de caráter irracional, não estando sujeita a regras ou padrões. O génio é tido como força torrencial e incontrolada de potencialidades quase infinitas. Deste modo, cada manifestação do génio cria a sua própria expressão, donde o génio não pode de modo algum estar subordinado a regras alheias. É uma força inconscientemente submetida a regras universais, pela contradição latente que daí resultaria.
A teoria do génio criador associa-se diretamente à estética da espontaneidade pré-romântica: a poesia é a manifestação espontânea de uma sensibilidade ferida. É, portanto, uma poesia que alguns poetas confessam como imperfeita em relação à poesia que obedecia aos cânones do Neoclassicismo.
Aparentemente trata-se de humildade relativa à assumida imperfeição. É uma "falsa humildade" por parte dos poetas pré-românticos, já que isso mesmo é transformado num dos motivos do Pré-Romantismo. Este princípio da estética da espontaneidade contraria não só a doutrina estética e literária dos clássicos (aristotélica-horaciana) como também toda uma série de aspetos ligados ao Neoclassicismo: regras e subordinação a modelos.
Em relação às grandes influências do Pré-Romantismo, podemos dizer que as influências do Neoclassicismo são gradualmente substituídas por novas fontes pré-românticas. Dá-se a redescoberta de Shakespeare e influências de autores como Young, Gessner, Thompson.
Do ponto de vista estilístico-formal, o quebrar com a doutrina neoclássica e as novas temáticas apresentadas traduzem como consequência um novo estilo de época e naturalmente novas influências no tema das produções literárias.
Apesar de uma tendência para novas formas houve a manutenção de géneros literários comuns ao Neoclassicismo. Devido a isto, é natural encontrar elementos pré-românticos e neoclássicos que se misturam, devido à formação literária dos poetas. Um dos casos paradigmáticos a este nível é Bocage. A uma formação neoclássica virá corresponder uma acentuada tendência para uma sensibilidade e temática pré-românticas.
Em relação ao corte com o Neoclassicismo, há uma nítida diferença em relação à conceção do texto literário e também em relação ao processo de criação e avaliação literária.
Para os pré-românticos, o texto literário era entendido como um fruto espontâneo da vida interior e da sensibilidade do escritor, mesmo para os que não aceitavam a teoria do génio criador.
Os pré-românticos defendiam uma conceção expressivista do escrito e, segundo esta, a criação literária seria uma expressão que passava da vida para o texto e que não a podia contrariar. Não é uma expressão racionalizada. Isto implicava que a avaliação do texto literário se ressentisse.
Mesmo que o texto literário apresentasse vários traços que, à luz da doutrina neoclássica, fossem entendidos como imperfeições, o texto devia ser valorizado precisamente por isso, pois elas correspondia à autenticidade das emoções realmente vividas, ao impacto dos sentimentos e à delicadeza da sensibilidade pessoal.
Estes traços, em vez de imperfeições, acabam por constituir as maiores qualidades do texto, porque falam da autenticidade da vida dos poetas.
Algumas dessas imperfeições eram:
. frases inacabadas;
. uso e abuso de reticências;
. ausência de rima, etc.
Em Portugal, essas tendências apenas se fazem sentir em maior grau nos finais do século XVIII e princípios do XIX.
O Pré-Romantismo português afirma-se com maior relevo através da produção de João Xavier de Matos, Filinto Elísio, Tomás António Gonzaga, José Anastácio da Cunha, Marquesas de Alorna e Bocage. Mas é Bocage que ocupa um lugar de relevo na análise das ideias pré-românticas em Portugal, porque ele representa uma fase adiantada da formação (teórica e prática) do Romantismo e porque ele representa, de algum modo, a síntese de todas as tentativas pré-românticas de libertação do Arcadismo e da cultura retórica.
Em Bocage, notam-se forças contraditórias que, no seu caso, são vividas e sentidas dramaticamente, em parte devido à sua conduta pessoal. A sua conduta foi por natureza conflituosa e foi agravada pelo conflito de tendências estéticas da época em que viveu. É um poeta de conflitos e um poeta de charneira.
Segundo Jacinto Prado Coelho, o conflito entre os moldes tradicionais, que lhe servem para exprimir formalmente a sua poesia, e a necessidade de encontrar uma linguagem adequada à violência dos impulsos afetivos criam-lhe um dramatismo interior que se torna visível muitas vezes através de alegorias e que se centra basicamente em temas como a noite, a solidão, a morte, o pecado, o amor, o ciúme e o destino.
Tal como já dissemos, os pré-românticos, e destes em particular Bocage, combinam, de modo diverso e de acordo com experiências pessoais, diferentes elementos neoclássicos e românticos.