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domingo, 23 de novembro de 2025

Bocage: a afirmação de uma singularidade na literatura portuguesa

    A vida de Bocage foi muito agitada.
    Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, em 1765. Era filho de pais burgueses, sendo o pai advogado e poeta nas horas vagas e por certo o ambiente familiar terá favorecido a tendência literária de Bocage. A mãe era de origem francesa e faleceu quando ele tinha dez anos, facto que marcou a sua vida: toda a força paroxística da sua poesia centrada na morte advém da perda da mãe.
    Desde cedo, Bocage manifesta um temperamento inquieto: aos catorze anos abandonou as aulas de latim preferiu seguir o curso da guarda marinha em Lisboa, onde passou a levar uma vida de boémia, pouco regrada. Participava em outeiros, uma espécie de serenatas que faziam nos conventos às freiras.
    Também desde cedo começou a manifestar os seus talentos de improvisação. Ao mesmo tempo, devido ao seu caráter impulsivo, começou a ter problemas sociais com o poder político e religioso.
    Em 1786, partiu para a Índia, tendo sempre presentes duas referências: Camões, com quem se acha identificado em muitos casos (destino); Getrúria, que terá sido o seu primeiro grande amor e que faz desabrochar alguns dos seus dotes de improvisador. A sua poesia é muito autobiográfica, o que é natural no texto lírico, fala muito do "eu", das suas vivências.
    Após quatro anos, regressa a Lisboa, pois sentira-se desterrado. Depois de regressado a Lisboa, em 1790 ingressa na Nova Arcádia, mas cedo manifesta o seu espírito boémio e começa a aguçar a sua veia satírica. Aproveita o tom poético-satírico para pôr a ridículo alguns confrades da academia. Manifesta o seu espírito arruaceiro e conflituoso e escreve versos com alusões religiosas, mas impregnados de forte heterodoxia.
    Em 1794, é expulso da arcádia, facto que terá várias repercussões: revela o seu individualismo de poeta que pretende impor a sua singularidade, que não se quer ligar a normas. Bocage evidencia uma sensibilidade romântica.
    Por outro lado, a expulsão incita-lhe um tom satírico, do qual vai resultar uma poesia "orgulhosa", revisteira, brejeira, sem preocupações estéticas. Daqui resulta o prejuízo de uma exploração temática mais profunda. Augusto França afirma que, em Bocage, os valores instintivos prevaleceram sobre os culturais.
    Em 1797, é denunciado como o "bota-fogo", "um fogo de ideias subversivas do trono e do altar". Era assim um crítico do poder político e religioso, o que o levou a ter problemas. Então, alguns amigos seus tentam fazer crer que não se tratava tanto de crime político, mas tinham a ver com sua impiedade em relação à Igreja; conseguem que o "crime político" seja convertido em acusação de "papéis ímpios, sediciosos e míticos". Deste modo, vai transitar da prisão do estado para a prisão da Inquisição, no convento das Necessidades, aproveitando para aí aprofundar os seus estudos  de latim, retórica e francês na biblioteca do convento. Daí sai em 1799 e graças ao seu conhecimento de línguas, dedica-se à tradução, vivendo desse trabalho e sustentando também a irmã. No entanto, retorna à sua vida de boémia, caindo na improvisação brejeira até à morte.
    Pressentindo a morte por causa de uma doença no sangue, Bocage abranda a sua combatividade interior e reconcilia-se com os seus inimigos: Filinto Elísio, António Macedo, contra quem escrevera uma sátira - "Pena de tabelião" - e também com Deus, numa atitude de humildade e de pungente arrependimento.
    Bocage morre em 1805, com apenas quarenta anos.

Síntese da poesia de Alberto Caeiro

    No link seguinte (poesia-de-alberto-caeiro),vais encontrar uma ótima síntese da poesia de Alberto Caeiro, através de uma apresentação.

Resolução do questionário sobre o poema "Um piano na minha rua", de Fernando Pessoa

     Se queres ter acesso à resolução, explicada pormenorizadamente, do questionário do poema "Um piano na minha rua", da autoria de Fernando Pessoa, clica no link: questionário-resolução.

Caracterização sistemática do Pré-Romantismo como estilo de época

        1) Valorização da sensibilidade.
    a) Encontramos nos poetas pré-românticos uma espécie de libertação da sensibilidade e é essa afirmação dos sentimentos que rompe com os padrões anteriores, que parece não terem encontrado um rumo alternativo. É uma sensibilidade desenfreada, daí podermos desejar tudo, mesmo o que se designa por "locus horrendus"
    Ao falar-se em valorização do sentimento entende-se aqui, mais do que uma análise de sentimentos, uma constante temática na poesia pré-romântica, no sentido de o sentimento se tornar o fundamento não só na vida psicológica, mas também da moral e dos valores. Está em causa uma valorização dos sentimentos, de modo a dar-se uma transformação radical. Os sentimentos irão definir os valores e a sua hierarquia. Vale o que é determinado pela sensibilidade e não pela razão. O sentimento passa a ser um critério de valor, daí que a moral passe a ser determinada a partir do sentimento. E a valorização do sentimento conduz a um novo conceito de virtude.
    O autor que mais encarna estas ideias é Rousseau, através da sua teoria do bom selvagem: dá-se a valorização daquilo que é próprio de cada homem. Assim se dá o primeiro passo de uma revolução moral. Esta valorização conduz à teoria do "génio criador", porque se valoriza a individualidade de cada um. O génio cria segundo as suas regras e princípios, donde esses são diferentes dos princípios dos outros.

    b) Que tipo de sensibilidade?
    Temos, por um lado, uma sensibilidade terna e melancólica, que em certos casos vai dar lugar a emoções suaves e sentidas.
    Neste caso, o poeta procura ambientes calmos, uma paisagem em consonância com os seus sentimentos. Não é necessariamente uma sensibilidade que se pode extravasar no relacionamento do poeta com figuras humanas, tendo em conta a delicadeza da sua personalidade. Também se pode antever um relacionamento com as paisagens às quais confidencia os seus estados de alma trespassados de felicidade. Este aspeto, no entanto, é o que menos se observa na estética pré-romântica.
    Por outro lado, há uma sensibilidade exaltada, mais própria do Pré-Romantismo. Nesta situação, as confidências do poeta já não resultam da contemplação da paisagem, mas sim da "visão" que ele tem de uma paisagem. Esta pode ser terrífica, tempestiva ou noturna, chegando-se daqui à configuração do "locus horrendus".
    Na sequência da valorização desta paisagem e destes ambientes negros, surge um novo tipo de literatura, chamada narrativa de terror ou gótica em contraposição ao Neoclassicismo. Este é um dos aspetos que aponta para posteriores orientações românticas.

        2) Egotismo (valorização do "eu).
    Com a valorização dos sentidos, vem a consequente valorização do "eu". A hipertrofia do "eu" acarreta consigo um certo egotismo.
    A literatura pré-romântica é uma literatura do "eu". Note-se que este caráter egotista, esta exploração do íntimo pessoal, faz-se em termos intimistas, confessionais. Com este tópico, antecipa-se a literatura romântica, que trará a preocupação de expressar a vida pessoal e íntima do "eu".
    Na literatura pré-romântica, o perfil do poeta aparece frequentes vezes associado ao signo da infelicidade, isto é, o poeta terá já nascido sob este signo. O poeta sente-se mais inclinado para a melancolia e o desespero.
    Esta literatura pré-romântica defende o "confessionalismo do autor". Há, assim, um egotismo confessional, em que predomina a melancolia e a insatisfação.
    Em conformidade com esta maneira de estar e sentir do poeta, a literatura pré-romântica traz um novo caudal de observações de pormenor, de minúcias relacionadas com a vida psicológico-afetiva do poeta. Esta literatura não tem pudor em tornar-se uma literatura de caráter confidente, o que constituiu uma novidade para a época. Isto implicava que tinha deixado de haver um controle sobre as faculdades expressivas. Por outro lado, acentuava-se o caráter psicológico e íntimo das coisas que se exprimiam.

        3) A perseguição do destino, do fado.
    Porque o poeta vive intensamente do afeto e dos sentimentos exacerbados, ele vive pelas e das suas emoções. Ao mesmo tempo, é um ser vibrátil, emocionável, apaixonado e fica sujeito aos caprichos do destino ("fatum"). Note-se que este fatalismo sentido, que se associa a uma sensibilidade melancólica, a um gosto de ser triste, estava presente em Camões. Daqui este projetar-se na poesia desta fase.
    Ainda como ser apaixonado, o poeta sente que o seu amor pode ser total ou avassalador, ou também um amor violentamente sensual.

        4) Uma fragilidade emotiva.
    O estado de melancolia atinge, na poesia pré-romântica, uma grande valorização, que se alia por vezes a uma fragilidade emotiva, que se traduz com alguma frequência no choro e nas lágrimas. Esta forma de extravasar os sentimentos era inconcebível na literatura neoclássica, o que traduz uma atitude negativa. Aparece uma estética que denota uma particularidade semântica de teor essencialmente negativo em contraste com o Neoclassicismo.

        5) Temática de presságios (temática pessimista).
    Esta temática é mais um sinal da fragilidade humana sentida pelo poeta. Simultaneamente, esta temática revela uma insatisfação espiritual muito grande.
    Esta temática dos presságios aparece geralmente ligada a certos cenários. Para além do mocho que pia, temos cenários ligados à sombra, à noite, às ruínas. Esta temática manifesta-se através do "locus horrendus". Nesta situação, não é de estranhar que haja maior abertura da personalidade humana aos presságios e que se encontre em alguma poesia pré-romântica os sonhos ruins e meditações sobre e sob a escuridão.
    Um dos casos paradigmáticos é a poesia de Bocage, que chega a apresentar a noite negra como menos negra que o seu destino. Surge a temática da noite e do sepulcro.

        6) (Re)descoberta da natureza e do pitoresco.
    É uma nova visão da natureza e de um novo sentimento perante ela, pois entre a natureza e o "eu" estabelecem-se também relativamente afetivas. Daí que a natureza, tal como o poeta a vê, se associe aos seus estados mais íntimos. A natureza surge liberta para acompanhar os seus estados íntimos.
    Assim, o poeta pré-romântico não se limita a dar maior e nova atenção ao mundo físico, à paisagem e aos caracteres pitorescos que a natureza vai tomando em certas regiões e épocas do ano.
    O poeta manifesta preferência por uma certa paisagem. Prefere uma natureza agreste, onde predominam os precipícios, a queda, os abismos, os mares, pelo que estes fatores têm simultaneamente de sedutor e assustador. Na paisagem, procura-se também o seu lado exótico e, nas estações do ano, uma há que lhe dá mais estimulo para o exotismo: outono, porque é a estação que marca um declínio lento, um anoitecer mais cedo, uma constante quebra do dia. Traz ainda as colorações melancólicas; em suma, é a estação do crepúsculo, um "crepúsculo magoado".
    Não é estranho que a par deste exotismo surja uma natureza agreste, onde o outono favorece uma reflexão melancólica e simbólica e daqui vai um pequeno passo aos ambientes noturnos e lúgubres. A natureza e os seus horrores harmonizam-se com os sentimentos do poeta, com o seu estado de alma e com o seu desespero.
    Estes sentimentos eram mais agravados quanto mais as condições de vida a isso obrigavam: dificuldades económicas, desgostos amorosos, exílio, prisão. É o caso de Bocage.

        7) Teoria do "génio criador".
    Existem alguns pontos de doutrina que são inovadores na literatura pré-romântica.
    Vimos já que a literatura pré-romântica traduz um forte declínio das influências greco-latinas e acentuado afastamento dos cânones clássicos. Contudo, várias vezes, os poetas pré-românticos se veem obrigados a vazar a sua nova sensibilidade dentro das formas poéticas e estilísticas da tradição clássica.
    A maior parte dos princípios defendidos pelo Pré-Romantismo apresentam-se sob forma negativa, contestatória, porque não sendo este movimento apoiado em escolas ou grupos doutrinários, o Pré-Romantismo apresenta um caráter contestatário da doutrina clássica. Contesta-se a doutrina das regras, dos modelos, géneros literários e convenções clássicas. Na prática, passa-se duma literatura rigorosa, sujeita a modelos, para uma literatura confessional, que acentua a quebra com as regras neoclássicas.
    Isto acontece na Alemanha com o movimento Sturm und Drang e na França. Neste último país, em volta dos princípios defendidos por Diderot, passa-se à defesa de princípios com um ponto de vista positivo. Um deles atinge grande divulgação: doutrina do génio criador.
    O génio, fundamento da criação poética nas doutrinas do Pré-Romantismo, é uma força alheia ao domínio da razão e insuscetível de ser submetida a preceitos. O génio é, por conseguinte, uma força criativa, de caráter irracional, não estando sujeita a regras ou padrões. O génio é tido como força torrencial e incontrolada de potencialidades quase infinitas. Deste modo, cada manifestação do génio cria a sua própria expressão, donde o génio não pode de modo algum estar subordinado a regras alheias. É uma força inconscientemente submetida a regras universais, pela contradição latente que daí resultaria.
    A teoria do génio criador associa-se diretamente à estética da espontaneidade pré-romântica: a poesia é a manifestação espontânea de uma sensibilidade ferida. É, portanto, uma poesia que alguns poetas confessam como imperfeita em relação à poesia que obedecia aos cânones do Neoclassicismo.
    Aparentemente trata-se de humildade relativa à assumida imperfeição. É uma "falsa humildade" por parte dos poetas pré-românticos, já que isso mesmo é transformado num dos motivos do Pré-Romantismo. Este princípio da estética da espontaneidade contraria não só a doutrina estética e literária dos clássicos (aristotélica-horaciana) como também toda uma série de aspetos ligados ao Neoclassicismo: regras e subordinação a modelos.
    Em relação às grandes influências do Pré-Romantismo, podemos dizer que as influências do Neoclassicismo são gradualmente substituídas por novas fontes pré-românticas. Dá-se a redescoberta de Shakespeare e influências de autores como Young, Gessner, Thompson.
    Do ponto de vista estilístico-formal, o quebrar com a doutrina neoclássica e as novas temáticas apresentadas traduzem como consequência um novo estilo de época e naturalmente novas influências no tema das produções literárias.
    Apesar de uma tendência para novas formas houve a manutenção de géneros literários comuns ao Neoclassicismo. Devido a isto, é natural encontrar elementos pré-românticos e neoclássicos que se misturam, devido à formação literária dos poetas. Um dos casos paradigmáticos a este nível é Bocage. A uma formação neoclássica virá corresponder uma acentuada tendência para uma sensibilidade e temática pré-românticas.
    Em relação ao corte com o Neoclassicismo, há uma nítida diferença em relação à conceção do texto literário e também em relação ao processo de criação e avaliação literária.
    Para os pré-românticos, o texto literário era entendido como um fruto espontâneo da vida interior e da sensibilidade do escritor, mesmo para os que não aceitavam a teoria do génio criador.
    Os pré-românticos defendiam uma conceção expressivista do escrito e, segundo esta, a criação literária seria uma expressão que passava da vida para o texto e que não a podia contrariar. Não é uma expressão racionalizada. Isto implicava que a avaliação do texto literário se ressentisse.
    Mesmo que o texto literário apresentasse vários traços que, à luz da doutrina neoclássica, fossem entendidos como imperfeições, o texto devia ser valorizado precisamente por isso, pois elas correspondia à autenticidade das emoções realmente vividas, ao impacto dos sentimentos e à delicadeza da sensibilidade pessoal.
    Estes traços, em vez de imperfeições, acabam por constituir as maiores qualidades do texto, porque falam da autenticidade da vida dos poetas.
    Algumas dessas imperfeições eram:
        . frases inacabadas;
        . uso e abuso de reticências;
        . ausência de rima, etc.
    Em Portugal, essas tendências apenas se fazem sentir em maior grau nos finais do século XVIII e princípios do XIX.
    O Pré-Romantismo português afirma-se com maior relevo através da produção de João Xavier de Matos, Filinto Elísio, Tomás António Gonzaga, José Anastácio da Cunha, Marquesas de Alorna e Bocage. Mas é Bocage que ocupa um lugar de relevo na análise das ideias pré-românticas em Portugal, porque ele representa uma fase adiantada da formação (teórica e prática) do Romantismo e porque ele representa, de algum modo, a síntese de todas as tentativas pré-românticas de libertação do Arcadismo e da cultura retórica.
    Em Bocage, notam-se forças contraditórias que, no seu caso, são vividas e sentidas dramaticamente, em parte devido à sua conduta pessoal. A sua conduta foi por natureza conflituosa e foi agravada pelo conflito de tendências estéticas da época em que viveu. É um poeta de conflitos e um poeta de charneira.
    Segundo Jacinto Prado Coelho, o conflito entre os moldes tradicionais, que lhe servem para exprimir formalmente a sua poesia, e a necessidade de encontrar uma linguagem adequada à violência dos impulsos afetivos criam-lhe um dramatismo interior que se torna visível muitas vezes através de alegorias e que se centra basicamente em temas como a noite, a solidão, a morte, o pecado, o amor, o ciúme e o destino.
    Tal como já dissemos, os pré-românticos, e destes em particular Bocage, combinam, de modo diverso e de acordo com experiências pessoais, diferentes elementos neoclássicos e românticos.

sábado, 22 de novembro de 2025

Pré-Romantismo na Literatura Portuguesa

    Toda essa discussão à volta do Pré-Romantismo europeu ganha uma maior equidade, quando nos debruçamos sobre o Pré-Romantismo português.
    Portugal, nesta altura, é um país periférico dentro do contexto europeu e o centro de referências culturais provinha da França. Vivia-se sob uma grande influência cultural francesa. As tendências do Pré-Romantismo vão-se constituir como divergentes em relação ao Classicismo. Há como que dois polos de divergência:
            . por um lado, Portugal estava influenciado pelo Classicismo francês;
            . por outro lado, em Portugal começa a verificar-se uma oposição em relação ao Neoclassicismo.
    O Pré-Romantismo, que aparece em Portugal nos meados do século XVIII, não tem um programa definido como acontecera com outros movimentos. Não chegou apoiado por movimentos teóricos e ideológicos; são tendências difusas que chegam a Portugal.

    Como entraram em Portugal as tendências pré-românticas?
    Há várias teses, mas sobretudo três são importantes e são apresentadas respetivamente por Hernâni Cidade, Jacinto do Prado Coelho e António José Saraiva.
    Hernâni Cidade foi um dos primeiros defensores de uma tese de conjunto sobre o Pré-Romantismo português. Segundo ele, o Pré-Romantismo influenciou a nossa literatura devido a vários fatores. Foi por um processo de influência das literaturas alemã, inglesa e francesa, em virtude das traduções que iam sendo feitas. Além disso, entram em Portugal obras de cariz filosófico e ideológico com um espírito crítico inerente, que antes não entravam. Apesar de se ter passado da Inquisição da Igreja para a censura pombalina, certas obras começaram a entrar. Através desta maior circulação de obras, Portugal passou a ter contacto com obras que divulgavam os princípios pré-românticos que vigoravam na Europa.
    Para Hernâni Cidade, os fatores e veículos dessa influência foram de três tipos:
        1- viagens ou estadias no estrangeiro de diplomatas ou portugueses exilados;
        2- traduções, adaptações e até imitações de obras literárias estrangeiras;
        3- importância da imprensa e circulação de jornais.
1- Deste modo, dava-se um relacionamento pessoal com o estrangeiro. Esta movimentação tinha dois sentidos:
. saída de diplomatas (Conde da Barca) bem como de exilados (Marquesa de Alorna) do país;
. entrada de estrangeiros, sobretudo generais, que vinham auxiliar o nosso exército, designadamente ingleses. Estas relações alargaram-se ao campo político e cultural. Alguns radicaram-se em terras lusas e foram portadores de novas culturas e novos gostos literários. Mas o mais importante é o primeiro sentido. Ao regressarem a Portugal, traziam consigo as novas tendências literárias em vigor na Europa. Mesmo quando não regressavam, escreviam cartas e mantinham relações com seus contemporâneos.
 
2- Este fator é de fundamental importância. Foram vários os nossos pré-românticos que verteram para português obras de autores ingleses e alemães. Essas traduções eram feitas ou diretamente da língua desses autores pré-românticos ou principalmente através de traduções do francês. Assim se tornava acessível à maior parte do povo o contacto com as culturas estrangeiras. Através deste contacto, vai-se transformando o gosto estético nas várias camadas de leitores. Nesta altura, o francês é razoavelmente  dominado pela classe média e burguesa. Essa língua gozava de grande importância entre nós.
Obras são traduzidas pelos nossos neoclássicos e que tinham sido escritas antes, revelando já uma sensibilidade próxima da sensibilidade pré-romântica. Quase todos os nosso pré-românticos traduzem: Bocage, Filinto Elísio.
As ideias e sentimentos de maior ressonância vêm por meio da cultura francesa. É desta que recebemos paradigmas e temáticas novas e importantes: bondade natural do homem; interesse pelo exótico físico e moral; fascínio pela Idade Média.
Outros autores franceses exerceram a sua influência em Portugal: Voltaire, Montesquieu, Diderot.
No fundo há a temática da inquietação, de temas que provocam perturbações.
 
3- O contacto com a Europa culta era feito pelos periódicos, daí a importância da circulação da imprensa. Nesses periódicos, colaboravam alguns diplomatas e exilados no estrangeiro. Além deles noticiarem a publicação de certas obras no estrangeiro, também publicavam extratos dessas obras.
Nesta altura, quer em Portugal quer na Europa, surge uma série de gazetas, como então eram designadas essas publicações. Nesses jornais e gazetas, passa a haver um espaço dedicado às artes e às letras.
Em Portugal, uma das mais importantes foi a “Gazeta Literária”, editada no Porto e que teve como iniciador o cônego Francisco Lima. Um dos recursos da gazeta eram as traduções de obras estrangeiras. Esta gazeta publicou-se entre 1761 e 1762 e abrangia todos os géneros de novidades não só literárias, como da medicina, ciências naturais, história, etnografia, assuntos eclesiásticos, notas críticas sobre obras publicadas. Eram novidades sobre o que de mais recente se ia fazendo na Europa.
Outra gazeta importante era o “Jornal Encyclopédico”, publicado em 1791 por Manuel Henriques de Paiva. É uma gazeta de cariz enciclopédico e dava conhecimento das últimas novidades filosóficas e científicas dos países cultos.
Outra gazeta, “Investigador Portuguez”, era publicada em Londres pelos emigrantes portugueses nesse país e teve uma duração mais extensa: 1811-1819. Esta destinava-se principalmente a exilados políticos portugueses e mantinha uma regularidade e abundância na informação cultural.

    Todos estes veículos por ele apresentados são bem fundamentados. No entanto, essas influências são insuficientes para explicar a receção dos princípios pré-românticos em Portugal. Falta a atenção que tem que ser dada ao processo de evolução interna da nossa literatura, pelo que não nos bastam essas razões. Daí a importância dada à teoria do professor Jacinto do Prado Coelho.
    Ao debruçar-se sobre as origens do Pré-Romantismo, Jacinto do Prado Coelho chama a atenção para outros fatores:
        i) Reconhece que as origens do Pré-Romantismo estão na literatura inglesa e na literatura dos países anglo-germânicos. Nesses países, ter-se-ão criado as condições propícias ao desabrochar em relação às influências na literatura portuguesa, mas entende que ele não é suficiente para explicar as transformações por que passou a nossa literatura e entende que não deve entender-se essa influência de modo exclusivo.

        ii) Por maior importância que tivessem tido as influências estrangeiras, as novas tendências só podiam ter boa receção em Portugal se para isso se tivessem criado condições favoráveis. Procura analisar fatores de evolução interna na nossa literatura, destacando as relações que podiam estabelecer-se entre o Barroco Tardio e alguns pendores da sensibilidade e estilo pré-romântico.
    Assim, conclui que as origens do Pré-Romantismo português foram um pouco comuns às do conjunto de outras literaturas ocidentais, devido a sintomas gerais da época. Está tão convicto desta tese que vai justificá-la através de textos e poesia da época.
    Um dos textos em que essa linha é levada em conta é intitulado A musa negra de Pina e Melo e as origens do Pré-Romantismo português.
    Apesar deste poema surgir bastante afastado das primeiras manifestações pré-românticas, nele já se encontra uma temática com muitas afinidades pré-românticas, como, por exemplo, o tema da noite, da morte, enfim a temática do "locus horrendus". O que há de curioso é que este tipo de poesia já coexistiu com a poesia arcádica, embora surgisse ainda como manifestação oculta, porque não tinha condições para ser bem aceite. Deste modo e até certo ponto, Pina e Melo prepara já o alvorecer do Pré-Romantismo.
    Jacinto P. Coelho vai desenvolver a sua teoria, salientando o surgimento de "novos sintomas de época", como:
        . primado da sensibilidade;
        . primado da inspiração;
        . primado dos impulsos afetivos;
        . primado das forças do instinto.
    Punha-se o "génio criador" acima das regras ditadas pelos clássicos.
    Esta nova sensibilidade não se faz sentir apenas na Europa, mas também se encontra antecipadamente em Portugal. Esta nova sensibilidade estende-se pela Europa, que vive condições propícias à sedimentação de novas tendências (o que vinha dar mais liberdade de expressão artística), mas o mesmo também se verifica, ainda que de modo não tão intenso, em Portugal. Caso evidente é a poesia de Pina e Melo.
    Essas novas tendências têm a ver com a influência de uma visão subjetiva das coisas. Na poesia em particular, essa visão subjetiva tende, por vezes, a ser simbólica, tende a procurar uma interpretação dos sentimentos e do mundo exterior. Sendo assim, estava o caminho aberto para a liberdade de imaginação, para a meditação e o devaneio. Daqui surgirem novos gostos, novas apetências, como, por exemplo, uma interpretação dos sentimentos e do mundo exterior. Sendo assim, estava o caminho aberto para a liberdade de imaginação, para a meditação e o devaneio. Daqui surgirem novos gostos, novas apetências, como, por exemplo, pela natureza solitária, pela morte, prefiguração da morte, visualização de cenários macabros, etc. Jacinto P. Coelho conclui que as influências da literatura inglesa e alemã poderão ter vindo acordar ou reforçar tendências já latentes, senão mesmo já expressas, da nossa poesia. "A sensibilidade melancólica, o fatalismo e o gosto de ser triste repassam a poesia quinhentista portuguesa, incluindo Camões", que se vai projetar largamente na literatura do século XVIII.

Pré-Romantismo francês

Rousseau
    Depois que surgiu uma fusão entre a sensibilidade e o ambiente exótico, esta vai encarnar a teoria rousseauniana do bom selvagem e da bondade natural do homem.
    Começam a surgir as novelas de caráter sentimentalista. Atingimos assim uma segunda fase do Pré-Romantismo francês.
    A partir daqui, começa a ganhar projeção o mito do bom selvagem e há uma figura mítica que começa a proliferar nas várias literaturas: o índio das Américas, que personifica o bom selvagem. É visto como o bom homem, não contaminado. Já numa terceira geração do Pré-Romantismo francês aparecem nomes como Chateaubriand e Madame de Stäel, que se distinguiu pelos seus ensaios teóricos que ajudaram a divulgar alguns dos princípios do Pré-Romantismo, entre os quais o da relativização do belo.
    Uma das suas mais famosas obras é La Litteratura, na qual estabelece a relação entre a criação literária e os condicionalismos de ordem social e sócio-cultural e mostra também que a apreciação do belo é condicionada pelas culturas.
    Obra obra é De l'Alemagne e vem reforçar certos princípios como a relativização do belo. Dá a conhecer à França a literatura alemã e evidencia o caráter relativo do belo.
    Tomado o Pré-Romantismo europeu como um movimento global, com características idênticas, houve quem defendesse que esse Pré-Romantismo era a confirmação ou o reflexo das formas pioneiras da literatura britânica, onde se começa a manifestar o Pré-Romantismo e depois ter-se-ia espalhado por outros países europeus através de um processo de influências a partir do ponto de partida inglês.
    Hoje em dia não se defende esta posição, embora se reconheça uma precedência do Pré-Romantismo nos países nórdicos, designadamente na Grã-Bretanha, isso não significa que o Pré-Romantismo seja nos outros países europeus apenas uma consequência do Pré-Romantismo inglês. Deve dizer-se que o Pré-Romantismo foi um movimento convergente, ou seja, nos países europeus ter-se-ão criado condições propícias ao surgimento das tendências pré-românticas.

Origem e desenvolvimento das tendências pré-românticas europeias

    Na literatura europeia, há como que uma cronologia diferenciada das manifestações pré-românticas.
    A difusão do Pré-Romantismo não se faz do mesmo modo nos países europeus.
    Em dois países, Grã-Bretanha e Alemanha, as tendências pré-românticas tendem a afirmar-se mais cedo. No entanto, a Grã-Bretanha tem a primazia. Podemos mesmo dizer que, nos princípios do século XVIII, surgem os primeiros escritores pré-românticos, que apesar de numerosos, não têm intenção de formar escola. A Grã-Bretanha desempenhou um papel primordial da gestação e florescimento do Pré-Romantismo. Alguns dos escritores ingleses mais importantes foram:
. Young (1683-1765): é um dos poetas mais conhecidos com a sua obra Night Thoughts, 1742 (Meditações Noturnas), através da qual começa a difundir-se o gosto pela noite e pela melodia noturna.
. Thomson: distinguiu-se com a obra The Seasons, em que já se troca o espírito neoclássico sobre a natureza por um novo espírito, em que se valoriza o que essa natureza tem de soturno, melancólico e perturbador para o homem.
. Thomas Gray: distinguiu-se com a obra Elegy written in a country churchyard (1771). Estamos perante um ambiente lúgubre e noturno, em que os títulos se tornam sugestivos. Retrata uma natureza humana perecível.. Richardson
. Macpherson: autor de uns célebres poemas que refletem uma sensibilidade da Idade Média. É o retomar de uma época esquecida. Inventa a poesia de um bardo do século III, Ossion, imaginando um passado heroico perdido nas brumas do tempo, eivado de solene melancolia.
    De uma maneira geral, nestas obras encontramos uma poesia cheia de sensibilidade e sombras melancólicas, o gosto por uma natureza propícia ao devaneio e à meditação; um elogio da noite; a prefiguração da morte; uma sensibilidade que se compraz nos espetáculos das ruínas e cemitérios.
    Esta poesia apresenta como vetores fundamentais:
        - a noite;
        - as ruínas;
        - os túmulos.
    Esta sensibilidade é originária da literatura inglesa.
    O professor Aguiar e Silva diz: "A meditação sobre a noite, os sepulcros e a morte inserem-se numa temática pessimista e traduzem a nostalgia do infinito e a funda insatisfação espiritual que já angustia os pré-românticos."
    Quanto à Alemanha, os pré-românticos surgem um pouco mais tarde do que na Grã-Bretanha; são menos numerosos, mas mais homogéneos. Os pré-românticos ganham consciência de que está em formação uma literatura nova e chegam a criar grupos e escolas.
    Merecem especial referência dois grupos:
        Sturm und Drang (fúria e luta), que surge ligado a Goëthe, com o qual explode o Pré-Romantismo alemão.
            Grupo dos Bardos, que se forma em redor de um poeta religioso: Klopstock.
    Além destes, temos ainda outro autor alemão importante: Lessing, um autor fundamentalmente teórico que acaba por derrotar certas teorias do Neoclassicismo.

    A maioria dos poetas pré-românticos veio de zonas montanhosas dos países nórdicos: Escócia, Irlanda e Suíça. Aqui temos que referir Gessner, autor de vários idílios e poemas bucólicos.
    Nos países do sul da Europa, o espírito pré-romântico aparece como que já filtrado pelo espírito do Classicismo francês. Nestes países, não encontramos escolas nem grupos. Verifica-se apenas a existência de um conjunto de características pré-românticas que lentamente se vão difundindo pela Europa do sul.
    Em todo este processo de difusão, a França desempenhou um papel de charneira e chegou a ter nomes de relevo:

        . Diderot, que escreveu obras sobretudo teóricas já de feição pré-romântica. Elabora uma teoria do génio. Aqui mais não faz do que traduzir um princípio difundido pelos poetas do movimento "Sturm und Drang". Defende a criação poética submetida ao génio. O poeta não pode estar sujeito a princípios; é o génio que se manifesta como forma torrencial.
    A teoria do génio criador elimina o modelo clássico de imitação dos antigos e também a teoria dos génios literários propostos pelos neoclássicos. O génio criador era livre de criar o que quisesse sem estar sujeito a princípios ou normas.

        . Rousseau: a ele se ligam obras como Emílio, Contrato Social, Confissões, através das quais se definiu e difundiu uma nova moral. Ao falarmos em moral de Rousseau estamos a referir-nos a uma moral de sensibilidade que sentimos que não assenta em princípios.
    Aparece um conceito novo consigo: a virtude no sentido de delicadeza da sensibilidade e não de princípios.
    A Rousseau se aliaram teorias como a do bom selvagem e a teoria da bondade natural do homem.
    Numa das suas obras (Confissões), reforçam-se algumas tendências da literatura alemã:
        . melancolia;
        . devaneio;
        . sonhar acordado.
    Com Confissões há a valorização do confessionalismo, da literatura centrada no "eu". Dá-se com esta literatura a abertura da alma e sensibilidade pessoal, na qual não há pudor em falar do "eu" e sua intimidade.
    Há um grande contraponto com a literatura neoclássica: o gosto não é universal, é pessoal. Valoriza-se a sensibilidade contrária à racionalidade.
    Surge também a tendência de procurar um ambiente próprio ao estado de alma do poeta, ligada à preferência pela noite e ruínas, o que evoca o passado e nele procurando um espaço e um tempo afastado do atual. Assim surge a preferência pela Idade Média. Ao valorizar-se a sensibilidade individual e subjetiva surge a valorização do que é peculiar em cada país e sua literatura.

    O Pré-Romantismo inicia uma nova experiência estética. Um dos seus traços era a valorização da literatura de cada país, fazendo com que essa literatura correspondesse aos espíritos próprios de cada povo.
    A partir daqui começa a ganhar forma a teoria da relativização do belo artístico e simultaneamente vai-se desmoronando o princípio neoclássico do belo universal. Começam a surgir literaturas de tendências nacionais. Surge o gosto da poesia de tradição e mesmo de caráter oral.
    Macpherson foi um dos que protagonizou esta teoria da relativização do belo.
    Herder (poeta alemão) e Lessing defendem que cada nacionalidade devia identificar o espírito próprio do povo: "volksgeist". Este acabava por se alargar a outros domínios como a língua, a arte, a religião e modos de vida, que não apenas a literatura. Daqui se valorizar um certo tradicionalismo e se depreender que eles defendam que a evolução de cada povo tem que ser feita segundo a tradição, segundo uma certa fidelidade ao "volksgeist" e não deve ter como preocupação o progresso desenfreado.
    Este "volksgeist" verificou-se em todas as nações europeias antes da dominação do império romano. Com a cristianização e a romanização tinha-se abafado o espírito genuíno de cada povo.
    O "volkesgeist" ter-se-ia manifestado na Idade Média, ainda que de forma abafada.
    O Renascimento trouxe um retrocesso com a universalização de princípios e o regresso aos clássicos e à razão universal. Esta ideia começa a refletir-se na produção literária da época. Por exemplo, Schiller, no seu teatro, começa a apresentar como heróis heróis nacionais.
    Também Garrett inicialmente se mostrava influenciado pela estética neoclássica. Mais tarde escreve obras como Camões e Dona Branca.
    Paralelamente à valorização dos heróis nacionais, há um gosto por personagens marginais, o que se vai estender pelo Romantismo.

Pré-Romantismo

     O conceito de Pré-Romantismo é relativamente recente na história da literatura. Antes falava-se apenas nas primeiras manifestações do Romantismo.
    É sobretudo à ação de Paul Van Tieghem que começa a divulgar-se o vocábulo Pré-Romantismo, com uma significação mais ou menos precisa.

                    O que é o Pré-Romantismo?

    São as tendências estéticas e as manifestações de sensibilidade que, no século XVIII, sobretudo a partir da segunda metade, se afastam dos cânones neoclássicos, anunciando já o Romantismo.
    Somos levados a pensar que estamos perante um conceito que já implica os cânones românticos. No entanto, ainda que aparentemente esta designação de Pré-Romantismo implique uma ligação direta (dependência) na anunciação do Romantismo, o Pré-Romantismo não é uma primeira fase do Romantismo.
    O que se designa por Pré-Romantismo é um estilo de época próprio. Surge como resultado e sob influência de anteriores tendências estéticas (sobretudo as que se opuseram ao Neoclassicismo), mas não é uma simples antecipação do Romantismo.
    O que se designa por Pré-Romantismo é um estilo de época próprio. Surge como resultado e sob influência de anteriores tendências estéticas (sobretudo as que se opuseram ao Neoclassicismo), mas não é uma simples antecipação do Romantismo.
    Não se trata duma espécie de proto-Romantismo do século XVIII, razão pela qual designá-lo como "Romantismo do século XVIII" é um erro que provoca confusões na periodização literária.
    No caso português, este estilo de época remete-nos para o conjunto de tendências pré-românticas que se manifestam nos finais do século XVIII e princípios do XIX.
    Em rigor, não podemos falar de uma escola literária homogénea em relação ao Pré-Romantismo, nem sequer da constituição de uma sistematização teórica dessa escola. Não obstante, é inegável que se verificaram nas principais literaturas europeias, desde meados do século XVIII, novas temáticas, conceitos estéticos e sobretudo uma nova sensibilidade, cuja manifestação evidenciou várias afinidades e simultaneidades cronológicas nessas literaturas.
    Em Portugal, as tendências pré-românticas constituem-se em divergência com o Neoclassicismo. Como tal, ao contrário de outros movimentos que tiveram um suporte teórico, o Pré-Romantismo português não tem ainda, nos finais do século XVIII, um programa definido.
    Segundo uma teorização de Jacinto do Prado Coelho, rigorosamente não houve Pré-Romantismo, pois não se trata de um movimento uno e de diretrizes conscientes.
    "Cada pré-romântico é um caso individual a considerar independentemente das escolas. Pré-românticos são os autores do século XVIII e XIX, que pelos temas, tópicos, pela atitude perante a vida, por uma conceção implícita da literatura, pelo estilo, apresentam várias características (...) que virão a distinguir o Romantismo."
    "Obedecem, não a uma doutrina, mas a tendências que não sabem ao certo aonde conduzirão."
    Combinam de diversos modos, de acordo com diferentes experiências pessoais, os elementos neoclássicos e românticos."
    É na linha desta conceção que vamos encontrar a definição de Paul Van Tieghem, para quem os pré-românticos são "escritores que, pelos fins da idade clássica, se distinguem por traços que anunciam o Romantismo, embora continuem clássicos sob vários pontos de vista. Na maioria, nasceram entre 1715 e 1760. Inovam principalmente pelas tendências morais, pelos modelos e fontes que utilizam."
    Há novos referentes e, por isso, a literatura tinha que mudar.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Características do Neoclassicismo

    O Neoclassicismo é um retomar da estética clássica. A ideia de que o Classicismo consiste na imitação dos autores greco-latinos é já uma característica que deriva de um núcleo de ideias da estética clássica. Algumas dessas ideias configuram-se na luta contra o Barroco. Eram tão nítidos os excessos do Barroco, que vários críticos começam a dar-se conta de que se haviam afastado muito dos antigos moldes com a nova arte cheia de ornamentos, com a variação de ideias ilógicas. Ignorava-se o conteúdo da poesia.

    Por parte dos cultores do Barroco não havia a consciência de que tinha havido uma quebra em relação aos cânones clássicos. Esta consciência apenas surgiria ao longo da primeira metade do século XVIII em Portugal.

    Há um sentido profundo do Neoclassicismo que nasce daqui, desta ideia de que o remédio contra a perversão do gosto estava no regresso aos antigos, à lição genuína dos modelos greco-latinos, mas imitá-lo segundo a fúria nacionalista que se vivia.

    Ao estabelecermos uma poética do Classicismo (que serviu de programa estético para os neoclássicos), esta apresentaria os seguintes princípios:

        1) Imitação dos modelos (autores) greco latinos (como já foi dito, esta imitação não deve ser entendida como pura idolatria): é uma imitação  à luz dos princípios da época. Era dado assente que os clássicos tinham contribuído para o  alcance do belo universal e intemporal. Esta é uma das principais características derrubadas pelo Pré-Romantismo.
    A imitação, contudo, não devia impedir a criação. Trata-se de seguir voos mais seguros, que seguissem rumos propostos pelos antigos, pois assim havia uma referência cultural. Em Portugal, este princípio acabou por se manifestar também na imitação de autores clássicos portugueses (por exemplo, Camões e António Ferreira.

            2) Universalidade racional do belo.
    A luz da razão é que deve dominar na criação literária. Por detrás do Classicismo está uma certa convicção (exaltação) racional. O Classicismo vai adotar a doutrina filosófica de Aristóteles sobre a criação, que devia ter por base a razão, o trabalho (estudo) e a cultura (o conhecimento). Não há aqui nada que se pareça com a imaginação ou espontaneidade do criador. Esta noção de estética da criação vai subentender também o apuramento e a correção. A beleza consegue-se através de princípios rígidos e universais. É a racionalidade que define o gosto do belo, daí ser impossível separar o intelectualismo da universalidade e intemporalidade do belo. É uma beleza justificada racionalmente. Contudo, pode-se criar,  mas sempre com base em princípios racionais e na imitação dos clássicos. Segundo os clássicos, a razão seria universal, intemporal e imutável ao longo dos tempos.
    Estes dois princípios são uma espécie de macro-princípios.

            3) Princípio da verosimilhança.
    Para o Classicismo, a arte deve obedecer à razão, logo deve representar o que é verdadeiro. Para os neoclássicos, a arte não deve representar todo o verdadeiro, mas o verosímil, daí afastando tudo o que seja irreal. Ser verosímil implicava que se exprimisse o que dentro de um plano  verdadeiro fosse típico. Devia pôr-se de lado o que se apresenta como pitoresco. Nada de literatura fantasista.

            4) Princípio da mimese (imitação) da natureza.
    A arte devia ser entendida como uma imitação da natureza.
    Este princípio está ligado ao segundo princípio. Com efeito, detrás da estética clássica está a ideia de que o belo, determinado pela razão, há de ser universal e igual em todas as épocas.
    A racionalidade conduziria a uma atividade essencialmente mimética. A imitação da natureza respeita a uma natureza própria: o homem, enquanto senhor da natureza, devia preocupar-se em retratá-la, mas esta imitação não devia corresponder a uma simples fotografia ou a um puro decalcamento dessa natureza. Devia escolher-se o mais harmonioso e o mais positivo. Trata-se, portanto, de uma natureza seletiva e idealizante. Esta mimese procura na natureza os seus aspetos mais nobres.
    Além disso, no Classicismo há certos paradigmas que mudam: locus horrendus versus locus amoenus. Os lugares desejados têm a ver com a configuração de um lugar ideal.

            5) Intelectualismo.
    Este princípio está por detrás dos princípios anteriores.
    Traduz-se na subordinação aos princípios da razão, pois esta condicionava o juízo estético do bom gosto. A razão é que devia ajuizar o que era bom ou mau para a arte. Mas também é em resultado deste intelectualismo que se pode seguir a imitação dos autores greco-latinos e o primado das regras. Há a necessidade de conhecer os autores greco-latinos e as regras e isto conduz a um certo intelectualismo.
    As regras eram importantes para os clássicos, mas não tinham em si mesmas o seu fundamento; havia regras, porque elas seguiam o primado da razão.
    Por outro lado, os autores greco-latinos deviam ser imitados, porque foram os que estiveram mais próximos do belo universal e intemporal. Há a preocupação da procura do rigor formal de qualquer texto.
    Quer devido aos ditames da razão, quer devido à imitação dos autores greco-latinos, temos dois princípios:
. princípio das conveniências internas: exigência de uma coerência interna do texto;
. princípio das conveniências externas: adequação da estrutura interna ao público e às finalidades do texto. Isto subentende que o público, enquanto destinatário, já esperasse um determinado rigor ou temática, uma determinada linguagem ou personagens.
    No fundo, é desta regra geral que deriva a regra das três unidades: tempo, espaço e ação.
    Este princípio do intelectualismo fazia com que não houvesse contrastes violentos entre as diversas produções estéticas ou mesmo entre uma parte e outra da obra (coerência dos elementos internos da obra).

            6) Distinção dos géneros literários.
    Cada género literário implicava um certo padrão temático-estilístico, além de um conjunto de convenções a que devia subordinar-se. A inspiração dos poetas neoclássicos enveredou pela poesia didática.
    Os géneros preferidos, no caso português, são: poemas científicos e filosóficos: ode moral pindárica (Cruz e Silva); ensinamento da fábula (Bocage); poesia portuguesa de género.

            7) Função moral da literatura.
    Toda a literatura devia obedecer a um princípio ético e moral.
    Os neoclássicos vão interpretar este princípio à luz de um maior pragmatismo em relação aos clássicos. Entende-se neste princípio que a forma devia manter um equilíbrio entre a razão e o sentimento.
    Se, por um lado, vão imperar os aspetos da ética e do ensino de costumes, por outro lado, vão dominar os aspetos da crítica social e cultura. O caso do Neoclassicismo português vai sublinhar os aspetos da racionalidade e utilidade.
    Esta função moral da literatura é também uma forma de atribuir uma função social à literatura. Não é uma literatura moralista, mas serve a moral; não é uma literatura dogmática.
    O que está em causa nesta função pode exprimir-se numa expressão de Molière: "moral da autenticidade". Através dos retratos dados pela literatura, cada homem conhece-se melhor enquanto homem. É mais neste sentido que se deve entender a função moral da literatura.
    Em coerência com este princípio, a forma estética devia manter uma perfeita harmonia entre a razão e o sentimento.

            8) A não espontaneidade da criação literária.
    O Classicismo defende que o processo de formação literária é um processo progressivo, gradual, do texto, no qual a claridade da razão vai afastando os defeitos dessa produção. A criação literária é assim um trabalho de constante progresso, de "vigília racional". Os clássicos procuravam ainda "a clareza racional do apuramento formal constante". A criação literária não é espontânea, é um processo lento. A inspiração é um dom, uma semente que tem que se cultivar, se cair num bom húmus, onde a inspiração germine.
    Há espontaneidade apoiada num conhecimento, numa cultura e por isso é um processo lento.


    Face ao exposto, verificamos que, quando o Neoclassicismo vai retomar os princípios clássicos, fá-lo com influência (inspiração) racionalista, trazida pelo espírito das luzes do Iluminismo. Por isso, alguns dos princípios clássicos já não são puros e surgem como que "degenerados" ou "contaminados".
    Quando o Neoclassicismo surge com a intenção de retomar a estética clássica, tem que supor a transposição de uma estética de um século para outro, pois a estética clássica quinhentista vai confrontar-se, em finais do século XVII e XVIII, com uma situação histórico-cultural substancialmente diferente. Nesta altura, vivia-se a época da "crise  da consciência europeia", uma época que anunciou e favoreceu o surgimento do Iluminismo e também uma época que iria proporcionar o surgimento de um novo Classicismo: Classicismo francês.

    Tal como na literatura clássica, também no Neoclassicismo há uma reflexão moral do homem em sociedade. Esta dimensão implica não só princípios morais, mas também princípios éticos e sociais, daí o seu caráter pragmático.

    Se a tendência da literatura, nesta época, é a de ser a expressão de uma cultura das luzes, a literatura ganha, nesta altura, uma função de crítica social e de orientação ideológica. Ganha também uma função didática, daí a literatura, com influência do Iluminismo, dever contribuir para o progresso social.

    Contudo, a estrutura neoclássica apresenta princípios contraditórios, porque o facto de se tratar de retomar a estética clássica, quando alguns dos traços da literatura clássica já começavam a ser desprezados, faz com que haja um certo caráter artificioso na literatura neoclássica. Tudo isto ganha maior relevo por  causa do processo polémico da implantação do Neoclassicismo. Não só em Portugal, mas também noutras literaturas europeias, a literatura neoclássica foi-se desenvolvendo contra um outro tipo de conceção de literatura e de prática literária: o Barroco tardio.

    O Rococó aparece como uma espécie de visão em miniatura do Barroco e que deste vai manter o gosto pela ostentação, pelo frívolo e pela elegância formal.

    O Rococó, sem que mantenha a grandiosidade típica do Barroco, vai favorecer a manutenção de traços desse estilo de época: foge à racionalidade e utilidade clássicas defendidas pelo Neoclassicismo; vai favorecer o gosto pela intimidade, o que permite o devaneio e o sonho, daí a vida ser concebida como um sonho de felicidade.

    Do ponto de vista estilístico, o tratamento da linguagem também apresenta um caráter perfecionista e denota preferência pelos diminutivos. Também não está isento de aspetos contraditórios. Assim, vai manifestar tendências que se vão misturar com tendências do Barroco Tardio e do Neoclassicismo.

    O Rococó não pode ser considerado como o estilo dominante no século XVIII. Aparece como tendência difusa que vamos encontrar dispersa por obras onde ainda predominam características do Barroco ou, pelo contrário, do Neoclassicismo ou até em obras onde já começa a afirmar-se o espírito pré-romântico.

    No entanto, o Rococó, ao apresentar esta subversão de valores, acaba por ter uma importância fundamental na gestação do Pré-Romantismo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A era vitoriana

    A arte varia de época para época, de acordo com as circunstâncias e as transformações histórico-sociais que vão ocorrendo, daí que possamos considerar que ela constitua a expressão da sensibilidade dos indivíduos perante a realidade com que se confrontam.
O Fantasma de Canterville
    A vida e a produção artística de Oscar Wilde coincidem com o final da Era Vitoriana, uma designação que se refere ao período do reinado da rainha Vitória, que reinou, no Reino Unido, entre 1837 e 190.
    Apesar de a Era Vitoriana coincidir com o Esteticismo e o Decadentismo pós-românticos, movimentos característicos do final do século XIX, na verdade, a obra de Wilde contém ainda traços temáticos e estilísticos típicos do Romantismo, como, por exemplo, a exaltação do indivíduo e da liberdade individual, o culto da beleza como ideal superior e a visão trágica do artista incompreendido.
    No entanto, outros traços distanciam-na dessa corrente literária. Com efeito, substitui a emoção e a sensibilidade românticas (no caso da literatura portuguesa, basta pensar na figura de D. Madalena de Vilhena, personagem de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett) pela ironia, bem como o idealismo romântico pela experiência estética. Por outro lado, o seu texto é marcado pela atmosfera cosmopolita moderna e pela crítica à sociedade vitoriana. Quer isto dizer que a obra de Oscar Wilde se situa numa fase de transição entre a fase final do Romantismo e as vanguardas modernas.
    Convém ter presente também que o reinado da rainha Vitória foi marcado por um assinalável progresso económico, social e tecnológico, essencialmente impulsionado pela Revolução Industrial e pela expansão imperial britânica. Deste modo, Londres, a capital, tornou-se o centro de um império mundial e o símbolo de poder e supremacia. Em simultâneo, a sociedade britânica era caracterizada por um grande conservadorismo a todos os níveis (social, moral e religioso) que assentava numa rígida e hierarquizada estrutura de classes e num código de conduta baseado em valores como o decoro e a disciplina.
    Socialmente, a classe dominante era a burguesia, que impôs os seus ideais de respeitabilidade como a moral vitoriana que regulava a vida. Significa isto que as pessoas – nomeadamente as das classes altas – tinham de reprimir os seus impulsos e conservassem uma aparência de virtude. No fundo, vivia-se uma época de fachada, na qual predominava a hipocrisia e a repressão do que não fosse convencional. Em simultâneo, os problemas sociais emergiram, alimentados por uma pobreza extrema que impulsionava as desigualdades socioeconómicas, sobretudo nas maiores cidades. Ora, estas circunstâncias não passam despercebidas a Oscar Wilde, que as expôs nas suas obras com apreciável ironia e perspicácia.
    A época vitoriana é uma época de crescimento, industrialização e progresso, mas também caracterizada pela desvalorização da arte, da cultura e de determinadas tradições familiares, que tinham constituído um importante universo de referência durante vários séculos que, pouco a pouco, foram senso substituídas por uma visão utilitária e mercantilista da vida que enfatiza a obsessão pela novidade e pela produção de bens em massa.
    Concretamente, O Fantasma de Canterville põe em cena a oposição, de forma deliberada e ostensiva, entre as mundividências norte-americana e britânica. Assim, a obra evidencia a tendência norte-americana de generalizar a Era Vitoriana a praticamente todo o período compreendido entre 1700 e 1900 que se refere à tradição aristocrática tipicamente britânica, ultrapassada, entretanto, pela modernidade e pelo progresso, aos olhos dos americanos e respetivo modo de vida. Além disso, é visível a cada vez maior distinção entre o inglês usado na Grã-Bretanha e o inglês norte-americano, no vocabulário, no tom e na pronúncia. Deste modo, assiste-se a um registo “mais liberal” e à introdução de novas palavras, que reforçam as mudanças entre a velha sociedade e o “Novo Mundo”.

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