Português: Contexto de Memorial do Convento

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Contexto de Memorial do Convento

Contextualização histórico-cultural - Século XVIII


          O reinado de D. João V, um dos mais longos da História da monarquia portuguesa, é visto como uma continuação da política absolutista, tendo o monarca concentrado em si todo o poder de decisão e execução. Exemplos disto são a suspensão da convocação de cortes e a dispensa de funções dos Ministérios e dos Conselheiros. Tal política é inteiramente sustentada pelas remessas de ouro do Brasil, que proporcionavam uma situação de desafogo económico e político.
          desde muito cedo viu-se envolvido nos problemas internos e políticos da Europa, nomeadamente na Guerra se Sucessão espanhola, o que lhe permitiu aperceber-se das manobras políticas, algumas de bastidores, que decidiam o poder no continente europeu. este rei procurou sempre manter uma posição neutral nesses jogos de poder, tendo, numa primeira fase, no que concerne à política externa, mantido ligações estreitas com a Áustria - como o prova o seu casamento com D. Maria de Áustria - e depois com a Inglaterra.
          Em termos íntimos, ficaram registadas as várias ligações extra-matrimoniais do rei, algumas verdadeiramente famosas, como é o caso com a madre Paula, freira do Convento de Odivelas.

          Esta é também a época do Iluminismo, que se faz sentir em vários domínios da vida e da cultura nacionais, sobretudo no ensino. Este movimento pretendia uma iluminação ou uma modernização de conceitos, de técnicas e normas com o objectivo de melhorar a sociedade e a vida das pessoas. Daqui advém a crítica a certos princípios e instituições até então tidos como intocáveis, desde a intolerância religiosa ao regime absolutista e à supremacia da fé e da tradição sobre a razão.
          O século XVIII é visto pelos «iluminados» como o momento oportuno para a difusão das "luzes" da razão, através do exercício constante do espírito crítico que vem pôr em causa todo um conjunto de ideias e de teorias do passado, principalmente a escolástica e os seus métodos tradicionais de ensino. Os grandes responsáveis por este movimento são os chamados "estrangeirados", um conjunto de portugueses que viveu e viajou pela Europa, como diplomatas ou exilados da Inquisição, tendo aí tomado contacto com as novas ideias iluministas (Alexandre de Gusmão, irmão de Bartolomeu de Gusmão - personagem do Memorial -, Luís António Verney, Ribeiro Sanches, etc). A fundação de academias, como a de História, ajudou à difusão destas ideias.
 
          Em terceiro lugar, a força e o poder da Inquisição em Portugal marcaram decisivamente esta época. O Inquisidor-Geral, em termos de poder, vinha imediatamente a seguir ao Rei, tinha poderes vitalícios e total liberdade de nomear todos os inquisidores seus subordinados. O processo inquisitorial era instaurado com base em testemunhas denunciantes que o acusado desconhecia e, para obter incriminações, recorria-se até a testemunhos anónimos e a qualquer tipo de tortura física e psicológica. As sentenças iam até à morte, pelo garrote ou pelo fogo. O Tribunal do Santo Ofício julgava vários tipos de crime, desde a heresia à feitiçaria, passando ainda pelo crime de mau uso do confessionário e por casos de aberrações sexuais. O maior número de processos,
 contudo, tinha a ver sobretudo com a denúncia de práticas judaicas levadas a cabo por judeus e cristãos-novos.
          O enorme poder da Inquisição no reinado de D. João V, capaz de enfrentar até famílias nobres e personalidades próximas e caras ao Rei e à família real, estendia-se a todos os sectores da sociedade, desde o religioso ao cultural, passando pelo económico e pelo político. Os autos-de-fé constituíam a forma predilecta de exibição desse poder, estando rodeados de uma prática quase teatral, pelos inúmeros ritos exigidos para a sua realização.
          Por esta altura, começam também a fazer-se ouvir algumas vozes discordantes deste tipo de actuação, cujos resultados práticos e concretos só terão visibilidade no reinado de D. José, com a reforma pombalina.
          Mas, mesmo depois de ter desaparecido da Península Ibérica, onde actuou durante mais tempo e com mais severidade, a Inquisição continuou a fazer parte do imaginário popular e não só, tendo aparecido como tema literário de várias obras e de vários géneros.

          Relativamente às artes, o reinado de D. João V é pródigo na execução de construções monumentais como o Convento de Mafra, o edifício dos Clérigos no Porto e o Aqueduto das Águas Livres em Lisboa, por exemplo. A decoração dos interiores é cada vez mais rica, como no caso da Biblioteca da Universidade de Coimbra, e assiste-se ao apogeu do Barroco.
          Esta arte exprime culturalmente o absolutismo e o rei D. João V foi um grande impulsionador da renovação cultural que teve lugar em Portugal. Deste modo se explica a contratação de estrangeiros dos vários campos artísticos (também eles subsidiados pelo ouro do Brasil, que tudo pagava e comprava em Portugal), conjugada com o envio de bolseiros para estudarem no estrangeiro.
          No domínio da música, foi contratado o músico Domenico Scarlatti (personagem de Memorial do Convento); das artes plásticas vieram para terras lusas nomes como os de Ludovice (o responsável pela construção do Convento de Mafra), Nazzoni e Azzolini, que depois fizeram escola e possibilitaram, mais tarde, o aparecimento de grandes figuras portuguesas nas Artes.
          Convém, contudo, referir que o pensamento português da época se revelou incapaz de produzir frutos em termos de abstracção e de construção teórica, tal como era formulado na Europa, pelo que os portugueses se dedicaram sobretudo a trabalhos práticos no âmbito da cartografia, da engenharia ou estudos da área humanística como o Direito.
          Dentro do campo literário, a figura de maior destaque é a do judeu António José da Silva. Cabe ainda aqui referência ao sermonário, já que a língua portuguesa atingiu com o estilo oratório, um elevado grau de apuramento e numerosos cultores, de qualidade irregular.
          O ensino é totalmente dominado pelos jesuítas e a cultura surge demasiado agarrada à tradição, à escolástica medieval e a metodologias consideradas já ultrapassadas em toda a Europa.

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