Português

domingo, 22 de outubro de 2084

Professor

     "Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais." 

Rubem Alves

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Na aula (LVII): Veneza é uma mulher

     Sophia escreveu O Cavaleiro da Dinamarca e colocou Veneza no caminho do protagonista.

     Na aula de Português, fala-se dessa passagem. O professor pergunta sobre a cidade. Um par de alunos sabe o que é e onde se situa. Beleza!

     Eis, porém, que a Ana Clara solta em voz audível do outro lado da avenida:

     - Veneza é uma cidade? Ah, eu pensei que era uma mulher...

     Adenda: Os alunos já tinham lido um excerto que reza(va) o seguinte: "Veneza, construída à beira do mar Adriático sobre pequenas ilhas e sobre estacas, era nesse tempo uma das cidades mais poderosas do mundo."

Análise do poema "Ofício", de Gastão Cruz

 Ofício
 
Ofício

 
Os poemas que não fiz não os fiz porque estava
dando ao meu corpo aquela espécie de alma
que não pôde a poesia nunca dar-lhe

 
Os poemas que fiz só os fiz porque estava
pedindo ao corpo aquela espécie de alma
que somente a poesia pode dar-lhe

 
Assim devolve o corpo a poesia
que se confunde com o duro sopro
de quem está vivo e às vezes não respira

 
    Este poema, da autoria de Gastão da Cruz, poeta, crítico literário, escritor, encenador e tradutor português, nascido em 1941, em Faro, e falecido em 2022, em Lisboa, aborda a questão da criação poética.

    O título – “Ofício” – remete para a ideia de trabalho, profissão, rotina. Deste modo, escrever poesia é apresentado no texto como um trabalho, um ofício, e não uma mera atividade criativa. Por outro lado, trata-se de um ato ligado ao viver, ao sentir e à procura de sentido entre corpo e alma. O «eu» poético não perceciona a escrita como «simples» passatempo, mas antes como um “ofício vital”, que exige sacrifício e entrega. Ou seja, o título valoriza a poesia como tarefa de vida, como luta constante entre expressão e introspeção, entre matéria e espírito.

    O primeiro dos três tercetos alude aos poemas que o sujeito lírico não escreveu, justificando o facto com uma necessidade que era mais premente: espiritualizar o corpo, dando-lhe “uma espécie de alma”, o que aponta para a ideia de que possuir essa alma é mais importante do que aquilo que a poesia lhe pode proporcionar. Neste sentido, esta é apresentada como insuficiente, pois não pode dar ao corpo do poeta aquilo que o seu corpo necessita: uma alma mais visceral, mais viva, “aquela espécie de alma / que não pôde a poesia nunca dar-lhe”. A repetição do verso 1 sugere precisamente a tentativa de justificar a ausência der criação poética – ele estava ocupado com algo mais importante, mais essencial.

    O segundo terceto, ao contrário mas em paralelo com o segundo, refere-se aos poemas que o sujeito poético escreveu e apresenta, igualmente, a justificação para tal. De facto, nesta estrofge, há uma inversão lógica da anterior: desta vez, ele escreve, ele cria poesia porque necessita de algo. Igualmente em contraste com a estrofe precedente, agora é o corpo quem necessita de alma, e o «eu» procura-a através da poesia: “Os poemas que fiz só os fiz porque estava / pedindo ao corpo aquela espécie de alma / que somente a poesia pode dar-lhe”. A alma, que antes o corpo recebia fora da poesia, agora é procurada dentro dela. Assim, a poesia aparece como o único meio de transmitir ao corpo uma certa essência espiritual ou transcendente.

    A partir das duas estrofes iniciais podemos concluir que a composição poética reflete sobre a tensão entre corpo e alma, mostrando que ora um dá sentido ao outro, ora se afasta dele, havendo uma espécie de duas formas de «alma» evocadas: uma, que o corpo recebe e é exterior à poesia, e a outra, que o corpo só pode receber através da poesia. Assim, o corpo é simultaneamente recipiente e agente dessa busca espiritual. Quando o «eu» poético está em busca de dar alma ao corpo (primeira estrofe), não escreve. Por seu turno, quando o corpo carece de alma, é a poesia que pode supri-la (segunda estrofe). Deste modo, a relação que existe entre corpo e alma é uma relação de interdependência, dado que ambas as dimensões coexistem em tensão e se alimentam mutuamente.

    Por outro lado, nas duas estrofes iniciais existe um paralelismo entre “Os poemas que não fiz” e “Os poemas que fiz” que dá origem a uma estrutura especular, que serve vários propósitos. Em primeiro lugar, mostra o equilíbrio instável entre criação e experiência: há momentos em que o viver impede o escrever e outros em que a escrita é a forma essencial de viver. Em segundo lugar, possibilita contrastar a procura de alma e a ausência de escrita e a necessidade de escrever para recuperar sentido ou alma. Por último, reforça a circularidade do processo poético: viver e escrever poesia são duas faces da mesma moeda, ou seja, uma não existe sem a outra, mas não coexistem plenamente em simultâneo.

    O terceiro terceto tem um caráter conclusivo ou demonstrativo, como o mostra o uso inicial de «Assim». Há um ciclo: o corpo, que deu ou recebeu algo da poesia, posteriormente devolve. A poesia é comparada ao “duro sopro”, algo essencial, vital, mas difícil, que funciona como uma metáfora da própria vida e do processo de criação poética. O nome «sopro» remete para a respiração, sinal de vida, mas o adjetivo que o qualifica («duro») associa-se às ideias de esforço, resistência, trabalho. Mas que sopro duro é esse? A tarefa da criação poética, de traduzir por palavras a existência? Viver e escrever são atos de resistência, que implicam esforço, sacrifício, trabalho aturado. O verso final é profundamente paradoxal: estar vivo sem respirar sugere um sofrimento silencioso, uma existência angustiada, sem paz e alívio.

    Curiosamente, no poema, a poesia possui um papel ambivalente, mas crucial. Por um lado, é limitada, dado que não pode dar ao corpo uma determinada alma, que apenas a experiência vivida permite. Por outro lado, é indispensável, já que é o único meio de o corpo obter outra «espécie» de alma. Assim, a poesia funciona como uma espécie de mediadora entre corpo e espírito, entre o mundo real e o mundo interior. A poesia é o «sopro» necessário à vida, mesmo que aquele seja difícil, árduo, duro – como o de quem vive sem fôlego. A arte poética configura uma forma de respirar quando a existência se torna sufocante.

    Em suma, o presente poema de Gastão Cruz reflete sobre o ato de criação poética, apresentando-o como uma relação entre corpo e alma, entre vida e arte. A escrita é um processo dinâmico e aturado, um ofício vital, por vezes doloroso, como o “duro sopro de quem está vivo e às vezes não respira”, em que o corpo ora busca uma alma que a poesia não fornece, ora clama por uma alma que só a poesia pode oferecer. Poesia e existência alimentam-se mutuamente – ambas são indispensáveis, ambas são incompletas sozinhas.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Análise do conto "Desenredo", de Guimarães Rosa

GR

Análise do conto "Barra da Vaca", de Guimarães Rosa

I

II

Análise do conto "Arroio-das-Antas"

Arroi-das-Antas
3

Análise de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto

esquema

    Continuação da análise aqui: »»».

Análise do poema Cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto

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esquema 2
esquema 3
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Análise do poema "A lição de poesia", de João Cabral de Melo Neto

a lição de poesiaa lição de poesia

Análise do poema "A Viagem", de João Cabral de Melo Neto

    A partir da obra Os três mal amados (1943), a poesia de J. Cabral pauta-se pela:
        =- construção
        =- racionalidade
        =- objetividade

    Estes elementos estão presentes em obras como O Engenheiro (1945) e Psicologia da Composição (1947).
    Em Pedra de Sono, o domínio do Surrealismo pode verificar-se em duas vertentes:
        =- alucinatória, pois o Surrealismo dá total liberdade à mente, às imagens tal como elas vão surgindo;
        =- construtivistas: nesta vertente, o rigor da construção sobrepõe-se ao domínio onírico.
    Estas duas vertentes já aparecem em Pedra de Sono, mas aqui a vertente alucinatória sobrepõe-se à construtivista, mas não com o relevo que vai ter nos livros que se seguiram.
    No Engenheiro, verifica-se ainda o embate das duas venturas; o problema não foram ainda resolvido, mas o projeto construtivista começa a ganhar espaço e relevo na construção dos poemas. Mas mantém-se ainda o clima surrealista, evidente na abundância de palavras ligadas ao domínio onírico: sonho, sono, noite, morte.
    Nesta obra, temos que distinguir dois tipos de poemas:
        . os poemas que são escritos segundo o ritmo da expansão onírica;
        . os poemas que, embora mantendo as palavras derivadas da expansão onírica, já estão sujeitos a um projeto de construção. Assumem, assim, uma forma mais racional e objetiva.

    Este poema é um exemplo vido do primado da expansão onírica; continuamos a ter presentes os três temas comuns, que são a noite, o sonho e a morte e uma sucessão de imagens oníricas.    
    No poema “Poesia”, a interrogação mostrava uma clara tentativa de racionalização; aqui esta função de objetivar as coisas não é tão evidente.
    Outra característica do poema é o domínio da subjetividade. Mas esta característica está igualmente presente na vertente construtivista. O poeta aparece à deriva entre as sugestões com que se depara e relaciona-se com elas de forma diferente: umas vezes, tenta separar-se e outras funde-se com elas.

Análise do poema "O Poeta", de Gracialiano Ramos

Este poema é uma sucessão de imagens oníricas tal como elas surgem ao poeta, tal como dizia o Surrealismo.

    O poeta termina com uma tentativa de racionalização, concretizada por alguns vocábulos ou expressões:
        - “acenderam”: ver algo que estava no escuro; é o primeiro indício da racionalização;
        - “duas flores secas” representam um tipo de poesia objetiva, concreta, sem lágrimas. Por isso, há uma certa racionalidade e tentativa do poeta se libertar do mundo onírico.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Análise do poema "Poesia", de João Cabral de Melo Neto

    O discurso é interrogativo e está ligado a um clima de mistério e também de racionalização. O discurso parece ser o único elemento que permite chegar à racionalização e nunca o conteúdo, apesar de haver palavras que só por si são racionais, claras e objetivas: sol, luz, saúde (são palavras que fogem ao domínio da noite, do escuro e do sonho). Mas toda a “luz” e “saúde” são subordinadas a um mistério maior. Por isso, toda a tentativa de racionalização pelo uso de certas palavras desaparece, ficando apenas o discurso interrogativo.
    A conquista de um território diurno esbarra com um território em que se produz a poesia. Há uma desistência do real enquanto instância passível de organização pela consciência. Apesar do poeta procurar ordenar o real, pela sua consciência acaba rendido à evidência de o não conseguir. A poesia surge como ato de criação, onde é valorizada a mente onírica, do sonho, da evasão do criador, que não consegue ter uma atitude crítica perante o que cria.
    Como conclusão, poderemos dizer que a poesia é o resultado da mente do criador e, como dizia o Surrealismo, é um conjunto de expansões oníricas. A interrogação surge ao poeta como única forma de colocar em causa o que foi dito.

Análise do poema "Nocturno", de João Cabral de Melo Neto

    Neste poema, temos uma reivindicação do imaginário, que passa por uma reinvenção sintática, que tem a ver com a associação de palavras com sentidos totalmente diferentes: “O mar soprava sinos”, “Os sinos secavam as flores”.
    Nesta reinvenção sintática, tem grande importância a subjetividade do sujeito criador (ex.: “minha memória”, “meus pensamentos”, “meus pesadelos”).
    Os dois poemas abordados mostram diferentes relações que se estabelecem entre o mundo onírico e o sujeito: no anterior, há uma nítida tentativa de separação; neste, pelo contrário, há uma aproximação: o sujeito procura esse mundo.
    No poema, o “eu” aparece como forma de discurso dominante: na segunda estrofe, o “eu” é agente; na terceira estrofe, o “eu” assume-se como espectador do processo que cria.
    A noite, o sonho e a morte são também ideias presentes no poema e, embora se associem, não há entre eles uma relação necessária: por exemplo, se a noite é propícia ao sonho, contudo a expansão onírica não implica a noite.
    Temos ainda neste poema o que se pode chamar de “poética do deslizamento”, ou seja, preferência pelo que é líquido, inconsistente e incorpóreo (ex.: “... meus pensamentos soltos / voaram como telegramas...”). Daí que J. Cabral ignore a terra e o fogo e apenas se debruce sobre o ar e a águia (vide: “O poema e a água”).

Análise do poema "Composição", de João Cabral de Melo Neto

    O Surrealismo tem como principal característica a expressão de imagens oníricas, que também neste poema são abundantes.

    Ao lado da vertente de organização consciente e objetiva, sobressaem no poema três ideias fundamentais: a ideia de noite, de sonho e de morte. Mas em J. Cabral, estas imagens são submetidas a um processo de racionalização, concretizado no final pelo verbo “digo”, que marca a separação do mundo onírico e a consciência de criação desse mundo pelo “eu” lírico. O sujeito lírico compactua com o onírico, mas não o subscreve, não o “celebra”.

Pedra de Sono, de João Cabral de Melo Neto

    Os poemas reunidos nesta obra foram escritos entre 1939 e 41.
    A obra tem uma epígrafe constituída por um verso de Mallarmé: "Solicitude, récife, etoile",que mostra uma certa influência do Simbolismo. Apesar de não ser simbolista, João Cabral apresenta alguns traços comuns ao Simbolismo:
        - espírito crítico
        - traçar artes poéticas. Este 
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