1.1.
No poema “Autopsicografia”, o sujeito poético socorre-se da terceira pessoa
verbal (“é”, “finge”, etc.), visto que tece considerações de caráter
generalizante sofre o fingimento / a criação poética, que, naturalmente, também
o incluem a si.
Já
em “Isto”, que constitui uma espécie de “resposta poética” àqueles que, tendo
lido “Autopsicografia” e interpretado erroneamente a sua mensagem, o acusavam
de mentir nos poemas que escrevia, o sujeito aplica a si e à sua prática
poética as considerações sobre a construção lírica / a poesia e a figura do
poeta que efetuara, de modo geral, no segundo poema. Daí que, em “Isto”, faça
uso da primeira pessoa (“finjo”, “minto”, etc.).
1.2.
O sujeito poético é acusado de ser verdadeiro nos seus poemas, isto é, de
fingir / mentir sobre tudo o que escreve.
2.1.
O «eu» refuta essa acusação, defendendo que se limita a sentir com a
imaginação, racionalizando tudo, mas não mentindo, como se pode verificar pelo
recurso ao advérbio de negação «Não».
2.2.
O sujeito poético, nesses versos, refuta a “acusação” que lhe é feita, negando
que haja mentira no ato de criação poética. O fingimento poético resulta da
intelectualização do “sentir”, da racionalização. Ele nega o “uso do coração”,
aponta para a simultaneidade dos atos de “sentir” e “imaginar” (pensar),
apresentando a obra / criação poética como uma espécie de síntese onde a
sensação surge filtrada pela imaginação criadora. O fingimento poético é fruto
da imaginação criadora e não do coração.
2.3.
De acordo com um «outros» indefinido (“Dizem”), “fingimento” é sinónimo de
falsidade, de mentira. Segundo o sujeito lírico, tal interpretação é errada. De
facto, para ele, “fingimento” remete para a racionalização, para a imaginação
criadora.
2.4.
O advérbio “simplesmente” destaca a
simplicidade da sua teoria e da sua arte poética, mas possui também um valor
irónico, dado que, ao ressaltar a naturalidade e a singeleza do seu processo de
criação, reprova todos os que veem nele uma complexa e elaborada construção intelectual
e que criticam a sua autenticidade e espontaneidade. Por outro lado, sugere que
esta atividade intelectual é habitual para o sujeito poético.
3.1.
A figura de estilo é a comparação: “Tudo o que sonho ou passo / (…) É como que
um terraço (…)” (vv. 6 a 9).
3.2.
A comparação evidencia que a realidade que envolve o sujeito poético (“passo” e
“finda”) ‑ bem como os seus sonhos (“sonhos”) e falhanços (“falho”) ‑ é apenas
a “ponte” para “outra coisa”: a obra poética, a expressão máxima do Belo. Ou
seja, nos alicerces da criação poética encontram-se as emoções negativas e
positivas e delas fazem parte os sonhos e as vivências do poeta (“o que sonho
ou passo”), os falhanços e as deceções (o que falha), bem como a consciência da
efemeridade de tudo na vida (o que finda). No entanto, este conteúdo emocional
e realmente sentido é uma espécie de “terraço / Sobre outra coisa ainda”, isto
é, as emoções sentidas são a via de acesso a “outra coisa” que é “linda”, que é
o poema «perfeito» que o poeta sonha escrever, racionalizando as emoções.
3.3.
O sujeito poético sente dificuldade na sua procura, visto que entre ele e o que
procura alcançar há algo (“terraço”) que o impede de atingir “essa coisa”, “que
é linda”. Isto significa, portanto, que, por mais que o sujeito poético se
esforce na sua procura, o seu alvo está tão distante do mundo físico em que se
encontra que há sempre um outro nível que o separa do seu objetivo.
3.4.
Na esteira da Alegoria da Caverna de Platão, o terraço é uma espécie de “ponte”
entre o mundo sensível (o terreno) e o mundo inteligível (o perfeito, das
ideias).
4.1.
O marcador discursivo que introduz a terceira estrofe é a locução “Por isso”,
que tem um valor conclusivo ou explicativo.
4.2.
O sujeito poético procura libertar-se do que o rodeia, que é palpável, do que o
prende (“enleio”), de modo a atingir o que é verdadeiramente belo e que está
num nível superior de inteligibilidade. Ou seja, o «eu» procura desligar-se de
cada “enleio” e tornar-se “Sério do que não é”, isto é, consciente da
transformação que opera intelectualmente sobre os seus sentimentos. Ele concebe
o fingimento poético como uma forma de sinceridade intelectual (“Sério do que
não é”).
Dito
de forma mais simples e concisa, o poeta escreve distanciado das emoções que se
encontram arquivadas na sua memória ou naquilo “que não está ao pé”,
conseguindo assim libertar-se das perturbações de caráter emocional (“livre do
meu enleio”) e fingindo emoções que não sente (“Sério do que não é”).
4.3.
A interrogação conclui a explicação anterior do sujeito poético e reforça a sua
teoria. Assim, ele recusa a poesia como expressão imediata das sensações. O
sentir, de acordo com a sua teoria, é remetido para o leitor (“Sentir? Sinta
quem lê!” ‑ v. 15), enquanto ao poeta cabe a transformação do sentimento
através da sua racionalização, do fingimento.
4.4.
O sujeito poético transforma as emoções através do pensamento. Deste modo,
liberta-se da sinceridade humana convencionada, dos sentimentos espontâneos que
nega existirem para o criador poético, deixando essa tarefa a cargo do leitor.
5.
O tema do texto é o fingimento poético / a criação poética.
6.
O poema é constituído por três quintilhas de versos hexassílabos (seis sílabas
métricas). A rima é cruzada e emparelhada, de acordo com o esquema ABABB.
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