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Amigo Frei João, cuidas que é
barro
O fumoso tabaco por que berro?
Um nigromante me transforme em
perro,
Se há coisa para mim como o
cigarro!
Ele me arranca pegajoso
escarro,
Que nas fornalhas deste peito
encerro;
O frio, as aflições de mim
desterro,
Quando lhe lanço mão, quando
lhe agarro.
De vício, se é vício, não me
corro,
E só tomo rapé, simonte ou
esturro,
Quando quero zangar algum
cachorro.
Amigo Frei João, não sejas
burro;
Dize bem do cigarro; senão,
morro;
Traze-me lume já, ou dou-te um
murro.
(I, 116)
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Este
soneto aborda o vício do tabaco através de uma situação cómica: estando o autor
na cela do seu amigo Frei João de Pousafoles, sucedeu apagar-se-lhe um cigarro,
pelo que pediu lume, que ele lhe recusou. É por aí que o soneto se inicia: o sujeito
poético refere o pormenor de pedir lume ao amigo Frei João, porque o cigarro se
lhe tinha apagado. O amigo da cela, porém, nega-lhe o lume, querendo com isso
talvez não favorecer o vício.
Reconhecendo
os malefícios do tabaco, como o catarro do fumador (vv. 5-6), o sujeito poético
confessa, porém, que não lhe consegue resistir. Daí a formulação do desejo
hiperbólico dos versos 3 e 4: que um bruxo ou pessoa dedicada à arte de evocar
os mortos para predizer o futuro (“nigromante”) o transforme num cão (“perro”, palavra
de origem castelhana, usada frequentemente no sentido pejorativo de “tratante”).
O prazer do tabaco não tem paralelo. O gozo insubstituível de fumar, descrito
com humorado ênfase (v. 8), permite-lhe esquecer, ainda que momentaneamente, a
miséria e o sofrimento (v. 7).
Seguidamente,
faz a distinção entre o tabaco de fumo (cigarro), referido no verso 2, de
conhecidas consequências para os pulmões do sujeito poético (v. 6), e o tabaco
de cheirar, referido enfática mas depreciativamente no verso 10 (rapé, simonte,
esturro). Estes tipos de tabaco moído para degustar através de aspirações
nasais distinguem-se pela qualidade, sendo o simonte um tabaco da primeira
folha, e o esturro ou esturrinho um tipo de tabaco torrado, ambos usados para
cheirar, como o rapé.
O
fecho coloquial do soneto encerra admiravelmente o tom cómico que o perpassa
desde o início: “Traze-me
lume já, ou dou-te um murro!” (v. 14).
A
nível estilístico, repare-se no trocadilho com as palavras homónimas barro e
berro (vv. 1 e 2), ou no uso continuado da vibrante /r/, a estruturar toda a
rima alternada do soneto, que nos sugere, foneticamente, o nefasto efeito do
catarro típico do homem fumador.
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