A
influência provençal foi reconhecida entre nós publicamente desde o meado do
século XIII. É conhecida a censura de Afonso X a Pêro da Ponte de não trobar como proençal, mas à maneira do
segrel galego Bernal de Bonaval (CV 70); e mais conhecida ainda é a cantiga de
D. Dinis, em que ele se propõe imitar a poesia occitânica.
Crê-se
geralmente que a imitação da cultura francesa entre nós data da vinda do conde
borgonhês D. Henrique, ou melhor, desde quando começou a reger o Condado
Portucalense, em 1094 ou 1095.
Os
cantares provençais penetraram na Península Ibérica devido a várias causas, a
saber:
1.ª) A
transmissão da coroa da Provença, em 1092, aos condes de Barcelona.
2.ª) A
emigração, motivada pelas perseguições das cruzadas contra a heresia dos
Albigenses.
3.ª) O
recrutamento de gente francesa, no governo do conde D. Henrique, para as
necessidades correntes da paz e da guerra. Com os reis seguintes continuou a
infiltração francesa, por via do repovoamento de terras.
4.ª) As
Cruzadas, que trouxeram ao litoral peninsular gente oriunda de França. Por
exemplo, a tomada de Lisboa, em 1147, na qual entraram cruzados flamengos e
anglo-normandos, teve grande importância, por serem a Flandres e a Inglaterra
focos intensos de civilização em língua francesa. Realizada a conquista, Afonso
Henriques repartiu com eles as terras desde Santarém até Lisboa. Guilherme
Descornes foi povoar, com outros, a Atouguia; Jourdan estabeleceu-se na
Lourinhã, Allardo em Vila Verde. Azambuja, Alenquer, Santarém ficaram também
sendo núcleos de população franca.
Com D.
Sancho I entramos no período áureo da colonização francesa. Agentes do rei
andavam pela Europa, sobretudo pela Flandres, a aliciar colonos. Protegiam-se
por meio de forais as colónias existentes e fundavam-se outras em Leziras,
Sesimbra, Montalto de Sor, etc.
5.ª) As
peregrinações a santuários (Santiago de Compostela – a partir de 829 tornou-se
apóstolo protetor das Espanhas contra os árabes, chegando Compostela a
rivalizar com Roma –, Tours, Santa Maria de Rocamadour), que reuniam peregrinos
quer vindos de França, quer da Península, peregrinos esses que traziam consigo
novas ideias, novas formas de vida, a música, poesias e danças.
6.ª) A
influência de Afonso X de Castela, avô de D. Dinis, grande criador da poesia
castelhana e um dos melhores poetas em galaico-português, onde as cantigas à
Virgem se destacam com um lirismo, uma espontaneidade e um espiritualismo bem
expressivos.
7.ª) Os
casamentos de D. Mafalda, filha do conde de Sabóia, com D. Afonso Henriques; o
de D. Teresa, filha de D. Afonso Henriques, em 1180, com o conde Filipe de
Flandres, grande protector de trovadores, e o de D. Sancho I com D. Dulce,
filha dos condes de Barcelona, que, tal como D. Mafalda, eram princesas de
cortes muito ligadas à Provença e contribuíram também para a difusão destes
cantares.
8.ª) O regresso
a Portugal de D. Afonso III, que esteve treze anos exilado em Bolonha, onde
frequentou as cortes e casou e onde conviveu com o gosto de trovar.
9.ª) As saídas
de estudantes peninsulares para as grandes universidades além Pirenéus, onde
contactaram com novas ideias e saber.
10.ª) D. Dinis,
um dos grandes trovadores portugueses, foi educado por um professor francês,
Américo d' Ebrard, futuro bispo de Coimbra, e casou com uma princesa de Aragão,
corte onde a poesia era muito apreciada.
11.ª) As
movimentações dos trovadores que, segundo o costume, andavam na Primavera
("no tempo da frol"), de castelo em castelo, divulgando as suas
composições. Além disso, houve também o contacto e convivência com trovadores
provençais. O conhecimento pleno, directo, da poesia provençal efectivar-se-ia,
para os portugueses, fora do país, em Leão, sobretudo depois de terem saído
para aquela corte numerosos fidalgos, descontentes com a política cesarista de
Afonso II.
12.ª) A acção dos
monges de Cister e Cluny, que deixaram muitas das suas influências na
arquitectura e nas letras, antes de Portugal se tornar reino independente.
13.ª) O
intercâmbio comercial entre Portugal e a França.
A
influência provençal nas cantigas de amor galego-portuguesas manifesta-se
inclusivamente ao nível da linguagem. A missão da cultura francesa foi a de
despertar os germes da poesia nacional; e aqui em Portugal esse facto
produziu-se com maior intensidade, devido à existência dum rico filão de poesia
popular cujo valor e qualidade são inquestionáveis.
A
nossa imitação foi sobretudo uma apropriação de formas. Ainda assim, não há um
único verso português traduzido de autores estrangeiros. As semelhanças explicam-se
mais por inevitável encontro de ideia e de expressão. Mantivemos, pois, intacto
como nunca o nosso génio literário, o nosso temperamento nostálgico, a nossa
humildade amorosa, que tão bem se espelha na saudade e no fatalismo das
cantigas. E a influência francesa deu-se precisamente entre nós nos pontos e na
medida em que lisonjeava esse temperamento.
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