Português: Causas do despertar da cantiga de amor em Portugal

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Causas do despertar da cantiga de amor em Portugal

            A influência provençal foi reconhecida entre nós publicamente desde o meado do século XIII. É conhecida a censura de Afonso X a Pêro da Ponte de não trobar como proençal, mas à maneira do segrel galego Bernal de Bonaval (CV 70); e mais conhecida ainda é a cantiga de D. Dinis, em que ele se propõe imitar a poesia occitânica.
            Crê-se geralmente que a imitação da cultura francesa entre nós data da vinda do conde borgonhês D. Henrique, ou melhor, desde quando começou a reger o Condado Portucalense, em 1094 ou 1095.
            Os cantares provençais penetraram na Península Ibérica devido a várias causas, a saber:

1.ª) A transmissão da coroa da Provença, em 1092, aos condes de Barcelona.

2.ª) A emigração, motivada pelas perseguições das cruzadas contra a heresia dos Albigenses.

3.ª) O recrutamento de gente francesa, no governo do conde D. Henrique, para as necessidades correntes da paz e da guerra. Com os reis seguintes continuou a infiltração francesa, por via do repovoamento de terras.

4.ª) As Cruzadas, que trouxeram ao litoral peninsular gente oriunda de França. Por exemplo, a tomada de Lisboa, em 1147, na qual entraram cruzados flamengos e anglo-normandos, teve grande importância, por serem a Flandres e a Inglaterra focos intensos de civilização em língua francesa. Realizada a conquista, Afonso Henriques repartiu com eles as terras desde Santarém até Lisboa. Guilherme Descornes foi povoar, com outros, a Atouguia; Jourdan estabeleceu-se na Lourinhã, Allardo em Vila Verde. Azambuja, Alenquer, Santarém ficaram também sendo núcleos de população franca.
Com D. Sancho I entramos no período áureo da colonização francesa. Agentes do rei andavam pela Europa, sobretudo pela Flandres, a aliciar colonos. Protegiam-se por meio de forais as colónias existentes e fundavam-se outras em Leziras, Sesimbra, Montalto de Sor, etc.

5.ª) As peregrinações a santuários (Santiago de Compostela – a partir de 829 tornou-se apóstolo protetor das Espanhas contra os árabes, chegando Compostela a rivalizar com Roma –, Tours, Santa Maria de Rocamadour), que reuniam peregrinos quer vindos de França, quer da Península, peregrinos esses que traziam consigo novas ideias, novas formas de vida, a música, poesias e danças.

6.ª) A influência de Afonso X de Castela, avô de D. Dinis, grande criador da poesia castelhana e um dos melhores poetas em galaico-português, onde as cantigas à Virgem se destacam com um lirismo, uma espontaneidade e um espiritualismo bem expressivos.

7.ª) Os casamentos de D. Mafalda, filha do conde de Sabóia, com D. Afonso Henriques; o de D. Teresa, filha de D. Afonso Henriques, em 1180, com o conde Filipe de Flandres, grande protector de trovadores, e o de D. Sancho I com D. Dulce, filha dos condes de Barcelona, que, tal como D. Mafalda, eram princesas de cortes muito ligadas à Provença e contribuíram também para a difusão destes cantares.

8.ª) O regresso a Portugal de D. Afonso III, que esteve treze anos exilado em Bolonha, onde frequentou as cortes e casou e onde conviveu com o gosto de trovar.

9.ª) As saídas de estudantes peninsulares para as grandes universidades além Pirenéus, onde contactaram com novas ideias e saber.

10.ª) D. Dinis, um dos grandes trovadores portugueses, foi educado por um professor francês, Américo d' Ebrard, futuro bispo de Coimbra, e casou com uma princesa de Aragão, corte onde a poesia era muito apreciada.

11.ª) As movimentações dos trovadores que, segundo o costume, andavam na Primavera ("no tempo da frol"), de castelo em castelo, divulgando as suas composições. Além disso, houve também o contacto e convivência com trovadores provençais. O conhecimento pleno, directo, da poesia provençal efectivar-se-ia, para os portugueses, fora do país, em Leão, sobretudo depois de terem saído para aquela corte numerosos fidalgos, descontentes com a política cesarista de Afonso II.

12.ª) A acção dos monges de Cister e Cluny, que deixaram muitas das suas influências na arquitectura e nas letras, antes de Portugal se tornar reino independente.

13.ª) O intercâmbio comercial entre Portugal e a França.

            A influência provençal nas cantigas de amor galego-portuguesas manifesta-se inclusivamente ao nível da linguagem. A missão da cultura francesa foi a de despertar os germes da poesia nacional; e aqui em Portugal esse facto produziu-se com maior intensidade, devido à existência dum rico filão de poesia popular cujo valor e qualidade são inquestionáveis.
            A nossa imitação foi sobretudo uma apropriação de formas. Ainda assim, não há um único verso português traduzido de autores estrangeiros. As semelhanças explicam-se mais por inevitável encontro de ideia e de expressão. Mantivemos, pois, intacto como nunca o nosso génio literário, o nosso temperamento nostálgico, a nossa humildade amorosa, que tão bem se espelha na saudade e no fatalismo das cantigas. E a influência francesa deu-se precisamente entre nós nos pontos e na medida em que lisonjeava esse temperamento.


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