“O
Sentimento dum Ocidental” é a investigação final e definitiva de Cesário Verde
sobre a cidade. Tal como “Noite Fechada”, o poema regista as percepções e as
impressões de um observador caminhando nas ruas nocturnas da cidade, com a diferença
de que o narrador do presente texto passeia sozinho.
Estamos,
assim, na presença de um extenso poema composto por 44 quadras, distribuídas
por 4 secções de 11 quadras (Avé-Marias,
Noite Fechada, Ao Gás, Horas Mortas), cujo tema
é o desespero e protesto de um português atormentado, face à
cidade de Lisboa, percorrida desde o anoitecer às "horas mortas".
Este é o sentimento que a civilização provoca, e ao mesmo tempo é um produto
dela e um protesto contra ela.
O
seu passeio não é apenas um movimento no espaço das ruas da cidade; é também um
processo no tempo, uma viagem para dentro da noite durante a qual o narrador
penetra e confronta o mundo simbólico de sombras reais que é a cidade nocturna.
Noite e cidade, como em “Noite Fechada”, são equivalentes simbólicos.
A
cidade é Lisboa; o “sentimento” do título é o do narrador, natural do extremo
ocidental da Europa, um português. Mas a cidade também representa o todo da
civilização ocidental a que Portugal pertence; e o sentimento que ela provoca é
ao mesmo tempo um produto dessa civilização e um protesto contra ela.
A
progressão da noite, desde o crepúsculo e o acender das luzes até à completa
escuridão das “horas mortas”, é acompanhada, num
complexo contraponto, por um correspondente aprofundamento dos sentimentos e
percepções do caminhante solitário nas ruas da cidade. O melancólico “desejo
absurdo de sofrer” despertado pelo anoitecer é justaposto com uma
nostálgica evocação visionária do passado; a mórbida exacerbação da angústia ao
acender das luzes é justaposta com as alucinações febris de um presente
fantasmagórico; a intensificada amargura provocada pela crescente escuridão é
justaposta com a presença espectral dos seres reais que se movem na cidade;
finalmente na escuridão total das horas mortas, a evocação ansiosa de um futuro
gerado pela própria noite, como a sua necessária negação num novo dia, é
justaposta com a culminante visão desesperada da dor humana como um sinistro
mal de fel em busca dos seus amplos horizontes bloqueados.
Em
termos formais, o poema é constituído por quadras com versos decassílabos
e alexandrinos (12 sílabas – conferem maior teor descritivo e analítico
à narração). A estrutura estrófica é fragmentada, igual à percepção do
real. A estrutura métrica é composta de frases independentes ou coordenadas
que ajudam à descrição duma cidade que o deprime e nauseia; para
exprimir este sentimento, temos o uso de frases exclamativas, traduzindo
espanto, surpresa, prazer, revolta. Notemos também
o uso da rima interpolada e a abundância da aliteração.
Sem comentários :
Enviar um comentário