Nom mi digades, madre, mal e irei
vee'lo sem verdad'e que namorei
na ermida do Soveral
u m'el fez muitas vezes coitada estar,
5 na
ermida do Soveral.
Nom mi digades, madre, mal, se eu for
vee'lo sem verdad'e o mentidor
na ermida do Soveral
u m'el fez muitas vezes coitada estar,
10 na
ermida do Soveral.
Se el nom vem i, madre, sei que farei:
el será sem verdad'e eu morrerei
na ermida do Soveral
u m'el fez muitas vezes coitada estar,
15 na
ermida do Soveral.
Rog'eu Santa Cecília e Nostro Senhor
que ach'hoj'eu i, madr', o meu traedor
na ermida do Soveral
u m'el fez muitas vezes coitada estar,
20 na
ermida do Soveral.
Frequentemente, nas cantigas de
amigo, a donzela pede à mãe que a deixe ir ver o amigo, mas nesta ela diz algo
diferente: “Mãe, por favor, deixe-me ir ver o traidor”. Noutros poemas, o amigo
costumava deixá-la esperar tristemente por ele (presumivelmente, não aparecia).
É raro que uma donzela tente renovar o relacionamento depois que o amigo não
cumpriu a sua palavra ou foi infiel ou algo parecido.
A jovem mostra deferência para com a
mãe e faz o que noutras circunstâncias poderia ser um pedido simples e normal,
mas neste caso acrescenta duras críticas ao amigo (“sen verdad ', mentidor,
traedor”), associadas ao campo linguístico do insulto (ou culpa). Normalmente,
quando se quer reconciliar com o amado após uma rutura, ela não o critica mesmo
quando ele é o culpado. A rapariga, no entanto, não se lhe refere através de
nenhuma das expressões usuais (“amigo”, “amado”, “namorado” e semelhantes),
limitando-se à expressão “que namorei”.
Verso 1 – “Nom mi digades mal e irei”: o pedido da donzela
é precedido de um pré-pedido educado e autodefensivo. A frase parece provir de
uma tradição oral encontrada noutras cantigas. A jovem expressa a sua intenção
de ir ver o amigo. Se a mãe se opuser (ou se puder opor) ao pedido, ela pedirá
permissão para ir. Noutras cantigas, a rapariga exorta as amigas a irem com
ela. Raramente pede diretamente ao amigo para a acompanhar.
Verso 2 – “vee'lo sem verdad'e que
namorei”: a donzela acusa o amigo de ser “infiel” (desleal, infiel, falso)
antes mesmo de o identificar como seu namorado. Isto explica o motivo pelo qual
a jovem pode ter medo que a sua mãe fale mal de si se ela for (I.1, II.1).
Versos 3 a 5: nos estratos mais
antigos desta tradição, os encontros amorosos teriam ocorrido além dos limites
do povoamento e do alcance dos costumes: “longi de vila” (Bernal de Bonaval); “fonte”
(Nuno Fernandez Torneol, Johan Soarez Coelho, Pero Meogo); “fontana” (Pero Meogo);
“monte” (Roi Fernandiz); “rio” (Johan Zorro, Pero Meogo); “mar” (Meendinho,
Nuno Porco, Johan de Cangas, Martin Codax); “lago” (Fernand ’Equio). Contudo, o
local do encontro foi em grande parte apropriado por locais cristãos: a ermida,
a igreja, o “sagrado”. Seja pagão ou cristão, este espaço remoto é onde a
donzela e o amigo se podem encontrar, embora não saibamos exatamente o que
acontece num encontro específico.
O amigo muitas vezes deixava-a à
espera ou, pura e simplesmente, não comparecia (“Se el nom vem i”). Atrasar-se
para um encontro amoroso (ou atrasar-se para a voltar a ver em qualquer
circunstância) é uma quebra de confiança que pode causar ansiedade e tristeza
ou levantar suspeitas. De acordo com o texto, pode pressupor-se que os dois combinaram
um encontro. Ora, não comparecer a um encontro amoroso é motivo suficiente para
a donzela romper com ele. Tal como a jovem afirma, o atraso ou a falta de
comparência deixam-ma extremamente triste e levam-ma a apelidá-lo de “mentidor”
(verso 7) ou “traedor” (v. 17).
De facto, o verso 11 permite pressupor
que a donzela e o amigo concordaram em se encontrar. Provavelmente, é porque
ele não cumpriu a sua palavra no passado que ela o chama de “mentidor” e
traidor. Nada no texto, por outro lado, sugere que ela suspeite de
infidelidade.
A solução sai também da boca da
rapariga: se o amigo não aparecer, tal significará que ele é falso, mentiroso,
e ela morrerá na ermida do Soveral, onde o aguarda e onde ele já a fez sofrer
muitas vezes, certamente por faltar aos compromissos assumidos pelos dois (“Se
el nom vem i, madre, sei que farei: / el será sem verdad'e eu morrerei / na
ermida do Soveral / u m'el fez muitas vezes coitada estar…”). Estes versos
confirmam, portanto, que não é a primeira vez que a donzela passa por esta situação.
A estrofe final abre com o rogo da
jovem, dirigido a Santa Cecília e Nosso Senhor, um rogo, portanto, a um poder
divino ou mágico que reflete a religiosidade da época, no sentido de fazerem
com que o amigo compareça ao encontro, no local combinado – a ermida do
Soveral. Note-se, contudo, que a derradeira palavra da composição poética
(excluindo o refrão) é «traidor».
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