Português: Análise da Cena 5 do Ato II de Frei Luís de Sousa

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Análise da Cena 5 do Ato II de Frei Luís de Sousa


  Importância da cena no contexto da peça
 
            Esta cena repõe aparentemente a ordem e a tranquilidade na família. Como o marido já não precisa de se esconder, D. Madalena sente-se “curada” e Frei Jorge incentiva-os a usufruir da felicidade como uma dádiva divina.
            Contudo, a alusão a sexta-feira, um dia muito temido por D. Madalena, e a ausência do marido, da filha e do próprio Telmo indiciam a vulnerabilidade da personagem, que ficará confirmada com a chegada do Romeiro. O confronto, cara a cara, entre D. Madalena e o primeiro marido prepara-se.
 
 
Estado de espírito de D. Madalena

D. Madalena surge em cena restabelecida e bem-disposta, afirmando estar bem (“Estou boa já, não tenho nada…”), mas essa boa disposição é passageira, e logo parece regressar à profunda tristeza em que vive [“(Vai recair na sua tristeza).”], procurando, após as palavras de Frei Jorge, mostrar-se alegre [“(fazendo por se alegrar)”].
 
No entanto, ao saber que o marido tem de ir a Lisboa, fica inquieta e apreensiva (“A Lisboa… hoje!”). A referência àquele dia (sexta-feira), ao qual atribui uma conotação muito negativa e considera aziago, deixa-a abatida e aterrorizada[“Sexta-feira! (aterrada). Ai que é sexta-feira!”]. Após as palavras de Manuel de Sousa, parece entrar num estado de resignação [“(caindo em si) – Tens razão.”; “(fazendo por se resignar)”].
 
As razões apresentadas por D. Madalena para a filha (e, no fundo, também o marido) não ir a Lisboa são todas de cariz sentimental e exageradas. De facto, não apresenta qualquer argumento racional ou sólido; apenas se lamenta de ficar só, abandonada por todos, entregue aos seus terrores:

- o terror de ser sexta-feira (“Logo hoje este advérbio de tempo será repetido 24 vezes até ao final do ato, constituindo uma espécie de refrão -voz coral que previne o espectador da data em que irão justificar-se os constantes terrores de D. Madalena);

- o terror de ficar só, sobretudo neste dia;

- a sensação de desamparo;

- a aflição por nunca se ter separado da família (cena 7);

- as inúmeras recomendações e os inúmeros cuidados, sobretudo com Maria, revelam o seu amor maternal;

- as expansões amorosas em relação a Manuel mostram a sua paixão (ficamos mesmo com a impressão de que o amor dela é muito mais profundo, talvez por Manuel se deixar guiar mais pela razão do que pelo sentimento).

 
A preocupação, a inquietação, a apreensão e a ansiedade de D. Madalena crescem quando o marido lhe diz que tem de ir a Lisboa nesse dia (“A Lisboa… hoje!”), pois aquele dia
 
 
Retrato das restantes personagens
 
Manuel de Sousa sente-se apreensivo com o estado psíquico da esposa, que, embora procure disfarçar, está cada vez mais insegura, receosa e vulnerável.

Por outro lado, perante o crescimento da preocupação e da ansiedade de D. Madalena quando lhe diz que tem de ir a Lisboa nesse dia (“A Lisboa… hoje!”), pois aquele dia é aziago e muito receado por ela, enquanto homem racional, Manuel de Sousa apresenta-lhe argumentos racionais que justificam a viagem (e a da filha por arrasto). Assim, (1) explica-lhe que, por uma questão de gratidão, deverá deslocar-se à capital para acompanhar o regresso do arcebispo a Almada. Além disso, (2) acrescenta que estará de volta a casa ao anoitecer e que, posteriormente, não sairá de junto dela durante o tempo que desejar.

Além disso, mais uma vez fica patente o contraste que caracteriza o casal: Madalena é uma mulher sentimental/emotiva, perseguida pelos agouros e ligada ao passado, do qual não se liberta, com problemas de consciência, enquanto Manuel é um homem decidido e racional, íntegro e sem problemas de consciência que o atormentem.

 
Maria fica entusiasmada com a perspetiva de ir a Lisboa, mas fica desiludida e triste quando lhe dizem que não poderá ir para não deixar a mãe sozinha. A alegria e o entusiasmo regressam quando tudo se compõe de forma a permitir a sua viagem, no entanto, acaba por reconhecer, num aparte, que não consegue deixar de pensar e de se preocupar, daí que a sua cabeça nunca será «fria», isto é, racional. Tal só sucederá quando estiver «oca», ou seja, sem vida.
 
Frei Jorge é aquela figura sempre pronta para pacificar os espíritos atormentados, por isso oferece-se para fazer companhia à cunhada durante a ausência, de modo que Maria possa acompanhar o pai a Lisboa e visitar Sóror Joana.
 
 
Presságios
 
O advérbio de tempo «hoje» é repetido treze vezes nesta cena, constituindo um símbolo da desgraça, um mau augúrio. A sua repetição indicia que algo muito importante vai suceder nesse dia.
 
A referência à “santa freirinha” (Sóror Joana), “que tanto deixou para deixar o mundo e se ir enterrar num claustro.” antecipa o destino de D. Madalena.
 
A sexta-feira é um dia aziago, de mau agoiro.
 

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