Português: Análise do conto «A Cartomante»

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Análise do conto «A Cartomante»

     Tema: traição / adultério, temas comuns em Machado de Assis e preferidos do Realismo.

    Espaço: Machado de Assis é um autor essencialmente urbano e a referência às ruas do Rio de Janeiro é importante, pela relação que se estabelece entre o espaço e as personagens:
        => Bota-Fogo, bairro rico onde habitam Vilela e Rita;
        => Largo da Carioca, onde ficam as repartições públicas;
        => Rua dos Barbonos, onde se davam os encontros de Camilo e Rita;
        => Outras ruas com altos índices de prostituição. As ruas e os ambientes ajudam a definir
              as personagens.

    Tempo: é uma categoria que tem grande importância. O tempo da narrativa apresenta-se em fragmentos.
    Quando o conto começa, estamos "numa sexta-feira de novembro de 1869", temos depois uma analepse rápida e a seguir retoma-se a história, que tem como centro o desfecho, importante pelo inesperado e pelo contraste que se estabelece, sobretudo em relação a Camilo: ao sair da casa da cartomante, ele vai confiante e esperançoso de que tudo acabará bem, mas o final é bem diferente e trágico:
            "Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror, ao fundo sobre o canapé,
            estava Rita morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola e, com dos tiros de
            revólver estoirou-o morto no chão."
    O tempo pode ser cronológico: sucessão de eventos, que é possível inserir num tempo real e datar; ou psicológico, tempo filtrado pela vivência subjetiva das personagens.O tempo psicológico acaba por alongar o tempo narrativo. De facto, o tempo da história será mais longo se for condicionado por um tempo psicológico, quando os eventos são filtrados pela subjetividade das personagens. O tempo do discurso pode estar sujeito a mecanismos de analepses ou prolepses, escolhidos pelo autor, de acordo com as suas intenções.

    Ação: esta é uma categoria fundamental nos contos de Machado de Assis. Neste conto, a ação é mínima e muito simples; resume-se a pequenos passos:
                    - encontros de Camilo e Rita;
                    - ida de Camilo à cartomante;
                    - morte de Rita e Camilo.

    Personagens:
        => Rita: caracterizada indiretamente ou diretamente, de foma sintética. A descrição física não e muito pormenorizada: "dama formosa e tonta"; "era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa" (caracterização direta sintética).
    A caracterização é dada pelos comentários do narrador ou através de factos e atitudes:
  • é supersticiosa e talvez não muito culta;
  • comparada a uma serpente que envolve e não deixa escapar a presa. Isto coloca-a numa situação ambígua e podemos perguntar se não será ela a culpada de tudo que perdeu Camilo.
        => Camilo: a sua caracterização é feita ao longo do conto, envolvido por uma longa ironia: é uma pessoa sem crenças, ingénua que se deixa envolver e acomodar e não acredita em nada. Todas as características são enunciadas com grande ironia e é este facto que o leva a seguir as pisadas de Rita, consultando também a cartomante. É o medo que o leva a isto e depois sente o sossego. Há uma contradição só possível no espírito fraco e ingénuo de Camilo.

        => Vilela: praticamente não é retratado, mas é da maior importância, pois é a sua ação que marca o final do conto. Resolve as coisas de modo prático e frio: mata os dois amantes.

        => Cartomante: é a personagem mais enigmática e nela está a maior ironia: Rita e Camilo não estavam sossegados em relação à sua ligação. Então, Rita resolve ir à cartomante e fica sossegada e segura. O mesmo se passa com Camilo, mas a sua segurança élogo confrontada com a morte de ambos. Tudo o que Machado de Assis pensa do amor está representado nesta mulher: oposição entre segurança e morte. Ela é a síntese da crençaque constitui a crítica do autor.

    Machado de Assis é muito cético em relação à religião e ao amor: o amor faz as pessoas perderem totalmente a razão. Assim se integram no Realismo. O seu realismo resulta ainda de:
  • uso de frases curtas e frias;
  • objetividade no uso do vocabulário;
  • linguagem filosófica e sentenciosa, sobretudo no campo amoroso;
  • linguagem também irónica: destrói todos os mitos do amor com a ironia, que se acentua no final do conto, marcado pelo inesperado e ironia, aspetos fundamentais em Machado de Assis.
    Há também crítica social à instituição das cartomantes, mas sobretudo crítica à segurança resultante da ida à cartomante. O objetivo mais eminente de Machado de Assis não parece ser a crítica, mas antes mostrar um sentimento pessoal perante as situações.

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