O discurso de Machado de Assis pauta-se pela ironia, pela coloquialidade na linguagem e, em relação ao enredo, há um clima de desconcerto. Este desconcerto vive de uma sucessão de contrastes. Deolindo e os colegas criam uma série de expectativas, que geram uma certa esperança, devido à jura de fidelidade. O clima de expectativa é aumentado pelo juramento.
As expectativas criadas, o clima de segurança são radicalmente alterados. A primeira mudança revela-se com o anúncio que faz a velha Inácia, de que Genoveva tinha ido viver com José Diogo, logo todas as expectativas são goradas.
Outro contraste apresenta-se no seguinte: quando recebe esta notícia, surge nele um desejo de vingança. Este desaba quando encontra Genoveva e ela o recebe, facto que cria de novo esperanças.
O tema é a traição a um sentimento, a uma jura / um juramento, que aparece filtrada por um desconcerto. O tema da traição não é novo, mas torna-se invulgar pelos termos em que é abordado. Isto faz do conto um conto invulgar - aqui reside a sua especificidade.
De que resulta o desencanto?
= contraste
= ironia
= comentários do próprio narrador, que vêm do seu próprio estatuto.
Qual o tipo de narrador?
É difícil caracterizá-lo. Usa a primeira pessoa e participa do discurso, conhecendo a história. Mantém-se, no entanto, a um nível exterior, o que lhe confere uma certa objetividade perante aquilo que narra. Mas esta objetividade perde-se quando fala na primeira pessoa. Temos sempre dúvidas quanto ao tipo de narrador. Mas o tipo de narrador e o seu discurso são causas do desconcerto.
A ironia é subtil, nomeadamente quanto ao comportamento de Genoveva: "Qualquer mestre de física lhe explicaria a queda das pedras." Ela não se apercebe de que está a provocar Deolindo. O seu comportamento é comparado às pedras.
Estrutura do conto
Grande parte do conto é ocupada com a criação de expectativas. De que modo se criam? Com o juramento, com os comentários dos colegas, com a esperança de Deolindo em relação à jura. Isto cria um clima de expectativas, que são ocupadas com uma analepse, que mostra como o relacionamento de Genoveva e Deolindo anteriormente era intenso. É de notar a distância que aparece entre convenções e atitudes e expectativas (agente: Deolindo) e quebras (agente: Genoveva).
Há uma grande diferença entre Deolindo e Genoveva: um simboliza as convenções, outro as atitudes. O principal fator na criação de expectativas é o juramento, que dá uma certa dimensão em relação aos dois.
A noção de juramento no contexto acaba por ser o núcleo do conto. Neste domínio, o juramento é o conjunto de convenções que se sobrepõem a sentimentos pré-existentes. Exige-se através do juramento algo que não existe.
Será que se pode exigir o juramento de uma coisa como o amor? Existirá, em matéria afetiva, a exigência de cumprir algo?
Esta questão provoca um certo clima de desconcerto entre uma pessoa que faz a jura e espera tudo (Deolindo) e outra que ignora totalmente (Genoveva). Há, pois, um desencontro de valores.
O núcleo do conto é a validade do juramento num campo amoroso / afetivo.
Machado de Assis é negativo em relação ao amor: não acredita em matéria afetiva, na relação amorosa entre duas pessoas.
De certo modo, o conto acaba por ser uma alegoria. Recorre-se a convenções que, a todo o momento, são destituídas pela própria evolução e pela impossibilidade de exigências no campo afetivo. O conto representa uma história que tem como objetivo definir a inutilidade de recorrer a convenções num campo sujeito a modificações.
Há, no conto, momentos determinados:
- Criação de expectativas, com as motivações de Deolindo.
- Quebra que começa com o diálogo de Deolindo com a velha Inácia. Daqui nasce o sentimento de vingança.
- No diálogo com Genoveva, há o reativar de esperanças que caem novamente por terra.
Não há, em Machado de Assis, o amor-paixão: o que fica são cinzas, desilusão, indiferença, algo que não vale a nada.
O conto vive quando há uma quebra de expectativas. O momento do conto em que há mais vivência é quando Deolindo recebe a notícia acerca de Genoveva por Inácia.
1.º momento:
Deolindo surge confiante, facto que lhe confere uma caracterização positiva: na página 179, descreve-se Deolindo confiante; na página 185, Deolindo surge na praia cabisbaixo e triste.
Há um contraste entre a imagem de Deolindo e Genoveva. Ela está inatingível: passa pelos acontecimentos e não os sente. Não há propriamente uma caracterização física, nem descrições, pois não são necessárias para a economia da história. A analepse é necessária à criação de expectativas. É o juramento que dá uma certa segurança e que justifica a atitude confiante de Deolindo.
2.º momento:
Representa o primeiro desconcerto causado pela revelação da velha Inácia. Na sua descrição, há uma economia de meios. Inácia é importante, porque representa o bom senso (que Deolindo também partilha), a norma e a convenção.
3. º momento:
Se o segundo momento representa o primeiro desconcerto, o 3.º é a totalidade do desconcerto. São as atitudes de Genoveva que funcionam como núcleo de desconcerto, opondo-se ao valor da convenção.
Deolindo deixa a velha Inácia, que se sente culpada pela notícia que lhe deu. Apesar de tudo, o autor utiliza uma certa imagética romântica, com um objetivo irónico.
Note-se a importância do acaso, que coloca Genoveva à janela no momento em que Deolindo passa e faz com que ela um dia acorde a gostar de outro. A calma e simplicidade de Genoveva desarmam Deolindo quando se encontram. Os comentários do narrador são objetivos. Há um crescer de esperança e emitir de raiva.
4.º momento:
O último momento do conto corresponde ao crescer da esperança e ao diminuir da raiva. Mas cai novamente e o que fica é a desilusão. Isto advém da análise psicológica, característica fundamental de Machado de Assis. A análise psicológica é subtil, fundamental e não é explícita como na Senhora, de Alencar; é dada pelas atitudes e palavras das personagens. O desenvolvimento psicológico de Deolindo resulta da mistura do pensamento do narrador com os de Deolindo. Esta mistura é um processo inovador em Machado de Assis, constituindo o chamado discurso indireto livre (não se sabe quando são os pensamentos do narrador e da personagem). Este discurso está ao serviço da análise psicológica.
A personagem que marca mais o desconcerto é Genoveva. A base de Deolindo é a convenção. A atitude frontal de Genoveva desarma Deolindo e o seu desejo de vingança.
O narrador caracteriza Genoveva: pela simplicidade, pelo cinismo, insolência e pela leviandade. Estes são os seus predicados. É caracterizada de forma negativa. É realista em matéria de convenções e sentimentos; tem o valor verdadeiro das coisas: as coisas são o que são e não o que pensamos. Assume uma posição de descrédito em relação às convenções. Machado de Assis é um realista sobre as convenções.
A única vitória que Deolindo tem é a sensação de ter dado um presente a Genoveva: os brincos. A outra verifica-se quando conta as suas histórias a Genoveva, que aos olhos da vizinha faz dele um pequeno herói. O seu último argumento é a chantagem emocional: matar-se. Pas perante a frontalidade de Genoveva nem isso tem efeito.
Conclusões do conto:
1. Inutilidade de convenções e palavras, perante um campo em que tudo é inconstante.
2. Inocência de ambos: agem em coerência com o que sentem, com os valores que enformam a sua mentalidade. Deolindo acredita na convenção e espera que ela se cumpra. Genoveva não acredita na possibilidade de se exigir algo dessa convenção. Deolindo está mais próximo da convenção social, representada pelo juramento, pela mentira (final do conto). Genoveva representa a impossibilidade de obedecer a convenções. Ela não obedece a uma moral. Ela é amoral e não imoral, já que não reconhece a moral. Está perto da natureza, obedece a circunstâncias. Natureza opõe-se a convenção e não abdica dos seus sentimentos a favor das convenções.
Uma característica de Machado de Assis em relação ao amor é a inutilidade de convenções e o tom cinza que fica.
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