Português: 03/01/2025 - 04/01/2025

segunda-feira, 3 de março de 2025

sábado, 1 de março de 2025

Análise da cantiga "A dona fremosa do Soveral", de Lopo Lias

    Esta composição de maldizer é a segunda que o trovador Lopo Lias dedica à dona do Soveral. A rubrica que a antecede antecipa o seu conteúdo: o sujeito poético antecipou uma determinada quantia a uma dama, a qual não gozava de boa reputação, como contrapartida para um encontro na casa de D. Corral. No entanto, a mulher faltou ao prometido, pelo que o trovador lhe exigiu, maliciosamente, o pagamento a dobrar.
    O «eu» poético abre o poema identificando, através de uma expressão que não a nomeia, porém, e caracterizando a figura feminina que é visada: trata-se da “dona (…) do Soveral” (localidade galega, pertencente à freguesia de Mogor, concelho de Marim) e é «fremosa». O trovador deu-lhe antecipadamente dinheiro (“há de mim dinheiros”) como contrapartida de um acordo que fizeram (“per preit’atal”): encontrar-se com ele (“que veess’a mi”), a sós (“u nom houvesse al”), num dia combinado (“um dia talhado”), em casa de Dom Corral, um burguês galego (como é referido na outra cantiga dedicada a esta dona por Lopo Lias). No entanto, a mulher faltou ao prometido (“ca nom fez en nada”), por isso ele a qualifica como perjurada, isto é, mentirosa, falsa (= cometeu perjúrio). Todavia, a dona não vai sair incólume da situação, dado que a sua falha terá consequências: o pagamento a dobrar. Ou seja, por causa da sua “negada”, quer dizer, por não ter cumprido o acordo, ela “será penhorada”, isto é, terá de pagar a dobrar o que recebeu como sinal (“que dobr’o sinal”).
    Se a dona acreditar nele (“Se m’ela crever”), ele dar-lhe-á o melhor conselho que conhece: o agradecimento. Ou seja, se a mulher pagar em dobro, o que lhe deve, ele agradecer-lhe-á o gesto, contudo, caso não o faça, penhorá-la-á, repete, já que ela tem o seu dinheiro à força, fora dos seus bolsos (“ca mi o tem forçado, / do corpo alongado”). É possível que, nestes dois versos, exista um segundo sentido, de cariz sexual, erótico. E, em jeito de refrão, repete que, se a mulher não cumprir o seu dever, ele a obrigará a pagar-lhe dobrado o sinal que o trovador lhe deu, dado que não tolerará tal situação (“nom lho sofrerei”).
    Estamos, pois, perante uma mulher fisicamente bela que, moralmente, no entanto, é falsa, mentirosa, pois não cumpre o que promete, sendo assim de duvidosa reputação. Não custa imaginar que, astutamente, ela tenha usado a sua beleza para mais facilmente convencer o trovador a entregar-lhe antecipadamente o dinheiro, em troca de uma promessa que se revelará falsa.
    Por seu turno, o trovador, insatisfeito e desagradado com a atitude da mulher, ameaça-a na tentativa de reaver o seu dinheiro, já que ela não cumpriu o acordo. Porém, ele não deseja um simples ressarcimento; de facto, como vingança, despeitado, ameaça exigir-lhe o dobro do pagamento inicial.
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