Esta
composição de maldizer é a segunda que o trovador Lopo Lias dedica à dona do
Soveral. A rubrica que a antecede antecipa o seu conteúdo: o sujeito
poético antecipou uma determinada quantia a uma dama, a qual não gozava de boa
reputação, como contrapartida para um encontro na casa de D. Corral. No
entanto, a mulher faltou ao prometido, pelo que o trovador lhe exigiu,
maliciosamente, o pagamento a dobrar.
O «eu»
poético abre o poema identificando, através de uma expressão que não a nomeia,
porém, e caracterizando a figura feminina que é visada: trata-se da “dona (…)
do Soveral” (localidade galega, pertencente à freguesia de Mogor, concelho de
Marim) e é «fremosa». O trovador deu-lhe antecipadamente dinheiro (“há de mim
dinheiros”) como contrapartida de um acordo que fizeram (“per preit’atal”):
encontrar-se com ele (“que veess’a mi”), a sós (“u nom houvesse al”), num dia
combinado (“um dia talhado”), em casa de Dom Corral, um burguês galego (como é
referido na outra cantiga dedicada a esta dona por Lopo Lias). No entanto, a
mulher faltou ao prometido (“ca nom fez en nada”), por isso ele a qualifica
como perjurada, isto é, mentirosa, falsa (= cometeu perjúrio). Todavia, a dona
não vai sair incólume da situação, dado que a sua falha terá consequências: o
pagamento a dobrar. Ou seja, por causa da sua “negada”, quer dizer, por não ter
cumprido o acordo, ela “será penhorada”, isto é, terá de pagar a dobrar o que
recebeu como sinal (“que dobr’o sinal”).
Se a
dona acreditar nele (“Se m’ela crever”), ele dar-lhe-á o melhor conselho que
conhece: o agradecimento. Ou seja, se a mulher pagar em dobro, o que lhe deve,
ele agradecer-lhe-á o gesto, contudo, caso não o faça, penhorá-la-á, repete, já
que ela tem o seu dinheiro à força, fora dos seus bolsos (“ca mi o tem forçado,
/ do corpo alongado”). É possível que, nestes dois versos, exista um segundo
sentido, de cariz sexual, erótico. E, em jeito de refrão, repete que, se a
mulher não cumprir o seu dever, ele a obrigará a pagar-lhe dobrado o sinal que
o trovador lhe deu, dado que não tolerará tal situação (“nom lho sofrerei”).
Estamos,
pois, perante uma mulher fisicamente bela que, moralmente, no entanto, é falsa,
mentirosa, pois não cumpre o que promete, sendo assim de duvidosa reputação.
Não custa imaginar que, astutamente, ela tenha usado a sua beleza para mais
facilmente convencer o trovador a entregar-lhe antecipadamente o dinheiro, em
troca de uma promessa que se revelará falsa.
Por seu
turno, o trovador, insatisfeito e desagradado com a atitude da mulher, ameaça-a
na tentativa de reaver o seu dinheiro, já que ela não cumpriu o acordo. Porém,
ele não deseja um simples ressarcimento; de facto, como vingança, despeitado,
ameaça exigir-lhe o dobro do pagamento inicial.
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