Embora nunca apareça em cena, Gomes Freire de Andrade - amado pelo povo e odiado pelos governadores - é a personagem central e constitui o elemento estruturador da acção:
- origina a sequência de episódios da peça;
- é o símbolo da luta pela Liberdade e pela Justiça;
- atrai a admiração e a esperança do povo miserável e oprimido;
- atrai, por oposição, a desconfiança e o ódio dos governadores.
- a sua prisão, condenação e execução constituem o centro das conversas e condicionam o comportamento das restantes personagens.
Apesar de estar fisicamente ausente (de facto, nunca surge em cena / palco), domina os pensamentos e as preocupações das restantes personagens, daí que o seu retrato seja traçado a partir do que elas nos dão a conhecer sobre ele.
1. Para o POVO:
- é considerado um mito / é mitificado ("Para esta cambada, o Freire é Deus." - pág. 24);
- é idolatrado (pelo povo);
- é carismático;
- é admirado ("Fala com entusiasmo." - pág. 20);
- representa a liberdade;
- é um amigo, «um homem às direitas»;
- é humano e corajoso («Não é um santo, é um homem como todos nós.»);
- é o único capaz de enfrentar «os senhores do Rossio».
2. Para o ANTIGO SOLDADO:
- é um militar - general ("No regimento de Freire d'Andrade" - pág. 18);
- defende / representa a liberdade ("No regimento de Freire d'Andrade / São cantadas com o estilo / De lá ré ó liberdade." - pág. 18);
- é "Um amigo do povo" (pág. 20);
- é justo, recto, honesto ("Um homem às direitas!" - pág. 20), sendo, pelas suas qualidades, único, diferente dos restantes ("Quem fez aquele não fez outro igual..." - pág. 20);
- é um herói ("Vê-se que Gomes Freire é o seu herói." - pág. 20);
- não é oportunista; é humano e um igual ao povo ("Não é um santo, é um homem como todos nós..."- pág. 23).
3. Para MANUEL:
- deposita no general a sua (única) esperança de enfrentar o poder instituído e lutar pela liberdade ("Se ele quisesse..." - pág. 21);
- é forte, corajoso, valente ("... é capaz de se bater com os senhores do Rossio..." - pág. 23);
- é o único "capaz de se bater com os senhores do Rossio" (pág. 23).
4. Para VICENTE:
- é um general como os outros, que se serve do povo quando dele necessita e depois o abandona à sua sorte;
- ignorará o sofrimento do povo, não o retirando da opressão e da miséria
- é um estrangeirado ("O teu general, então, é perfeito: nem sequer é português... (...) Estrangeirado: estrangeirado é que ele é!" - pág. 23);
- é idolatrado pelo povo ("Para esta cambada, o Freire é Deus." - pág. 24; "... a ninguém tem o povo mais amor do que ao primo de V. Excelência." - p. 34), que nele deposita toda a sua esperança numa revolução ("Em ninguém põe o povo mais esperança do que no general..." - p. 34).
5. Para BERESFORD:
- é um oficial de patente elevada, com um grande passado militar (p. 64);
- considera-o inimigo natural dos governadores pelas suas qualidades ("Trata-se de um inimigo natural desta regência." - pág. 71);
- é seu inimigo pois receia ser substituído por ele e, assim, perder os privilégios de que disfruta, entre os quais se conta a tença que recebe por comandar o exército.;
- é incómodo porque «... devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros...» (p. 96).
6. Para D. MIGUEL:
- considera-o lúcido, inteligente, idolatrado pelo povo, um soldado brilhante, grão-mestre da Maçonaria e um estrangeirado (p. 71);
- considera-o um "inimigo natural desta regência" (p. 71);
- considera-o um traidor, daí a necessidade da sua morte: "Morte ao traidor Gomes Freire d'Andrade!" (p. 74);
- consciente de que não possui a capacidade de comunicação do primo, receia que este ponha em causa o seu lugar na regência e lhe retire a sua projecção como estadista.;
- considera-o incómodo, já que «... devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros...» (p. 96).
7. Para PRINCIPAL SOUSA:
- odeia os franceses, os maçons, porque os considera responsáveis pela falta de respeito a Deus e à Igreja ["São muitos os inimigos do Senhor (...). Fala-se de Deus com ironia e da sua Igreja como se de letra morta se tratasse. Os piores, Srs. Governadores, são os pedreiros-livres (...). Quem será o chefe da Maçonaria?" - pág. 67]. Por ser considerado estrangeirado, Gomes Freire de Andrade representa os franceses, cuja influência faz com que o povo cante "... pelas ruas subservivas." (pág. 40).
8. Para MATILDE:
- constitui uma ameaça ao Poder, mesmo que não tenha sido conspirador: «Olhe que nem saía de casa com medo que o povo o aclamasse. Juro-lhe que nunca conspirou.» (p. 95);
- é o seu homem;
- é o paradigma da honestidade, da verdade, da lealdade: «(...) dizem a verdade (...) vêem para além da cortina de hipocrisia com que os poderosos escondem a defesa dos seus interesses...» (p. 95);
- não é ambicioso nem adulador: «Vê para além das medalhas que usais no peito...» (p. 96);
- é ousado, corajoso e destemido: «... olha para vós de frente e sorri...» (p. 96);
- é valente, justo e leal;
- está inocente do crime que lhe procuram imputar, isto é, conspirar contra o Poder («... ele não cometeu qualquer crime.» - p. 95).
9. Para SOUSA FALCÃO:
- é o oposto de D. Miguel Forjaz: «É franco, aberto e leal...» (p. 117) e sabe perdoar, ao contrário do primo, que é «calculista e medíocre»;
- é um homem corajoso, o exemplo da luta por um ideal, um daqueles «... homens que obrigam todos os outros homens a reverem-se por dentro...» (p. 137).
10. Para FREI DIOGO:
- é um santo: «Se há santos, Gomes Freire é um deles...» (p. 126);
- «Foi um grande privilégio que Deus lhe concedeu - o de viver ao lado dum homem como o general Gomes Freire.» (p. 127).
Em suma, o general Gomes Freire de Andrade é apresentado como:
- um homem culto, educado e letrado (um estrangeirado");
- o símbolo da luta pela liberdade e pela defesa dos ideais contrários à prática dos "reis do Rossio";
- o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais, por isso considerado pelos governantes subversivo e perigoso, daí que preencha todos os requisitos para ser o bode expiatório do ambiente de revolta;
- símbolo da integridade e da recusa da subserviência, da capacidade de liderança e de coragem na defesa dos ideais em que crê;
- culpado (pelos detentores do poder) porque "... é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado..." (p. 71);
- um homem cuja morte remete para a manutenção de uma ideologia fossilizada, num país estagnado e assolado pelo medo, pela denúncia e pela suspeição (p. 63);
- um homem cuja morte é duplamente aviltante enquanto militar, pois é enforcado e depois queimado, quando a sentença adequada para ele na qualidade de elemento do exército seria o fuzilamento; por outro lado, a morte pretende ser uma lição para todos aqueles que ousarem afrontar o poder político.