O espaço social do Memorial concentra-se em torno de dois locais - LISBOA e MAFRA - e procura recriar a sociedade portuguesa - cortesã e popular - dos primeiros decénios do século XVIII, focando aspectos como a Inquisição, as festividades, a corte, a escravatura, as injustiças, a feitiçaria, os autos-de-fé, os rituais religiosos e cortesãos, as epidemias, etc.
1. LISBOA
Citando Auxília Ramos e Zaida Braga, responsáveis intelectuais pela colecção RESUMOS, da Porto Editora, «Lisboa aparece descrita através de uma série de sensações auditivas (pregões, vozes alteradas, toques dos sinos, das trombetas, rufos de tambores, salvas de tiros anunciando a chegada ou a partida das naus, o som monocórdico das rezas, das ladainhas e da sineta dos frades mendicantes) que constroem a imagem de uma cidade - apesar de, na voz do narrador, parecer 'tão quieta' - em constante movimento.» (pág. 23).
Em Lisboa, são vários os ambientes que constroem a visão epocal da capital do reino:
1.1. O Paço
- A subserviência e o vazio dos gestos repetidos e inúteis por parte do enxame de cortesãos que rodeiam o rei e a rainha;
- Os aspectos caricaturais que definem a relação conjugal dos monarcas (o cerimonial, a ausência de afectividade, intimidade, amor, etc.).
1.2. O Entrudo e a Procissão da Quaresma
- A religião enquanto pretexto para a prática de excessos e desvarios (a satisfação de prazeres carnais) e brincadeiras carnavalescas (as pessoas comem e bebem em demasia, dão «umbigadas pelas esquinas», atiram água à cara umas das outras, batem nos mais desprevenidos, tocam gaitas, espojam-se nas ruas...);
- A penitência física dos pecados da carne (o jejum e o açoite - pág. 28) e a mortificação da alma (o jejum e o açoite - pág. 28) e a mortificação da alma após o desregramento do Entrudo (é tempo de «mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se...»);
- As manifestações de fé caracterizadas pela histeria, pelo sadomasoquismo e pelo primitivismo: as pessoas arranham-se, arrastam-se pelo chão, puxam os cabelos, esbofeteiam-se, autoflagelam-se para gáudio das mulheres e amantes que assistem à procissão a partir das janelas;
- Os comportamentos das mulheres que reclamam mais violência e vigor na «actuação» do seu «servidor» e obtêm prazer dos actos de autoflagelação dos penitentes (sadismo: obtenção de prazer a partir do sofrimento de outrem);
- A alteração dos comportamentos femininos: as mulheres, nesta época, são livres de percorrer sozinhas as ruas e de frequentar as igrejas, comportamento que facilita o adultério;
- A alteração periódica da mentalidade machista masculina: os homens «fecham» os olhos» aos