1 No último andar
é mais bonito:
do último andar
se vê o mar.
É lá que eu
quero morar.
O último andar
é mais longe:
5 custa muito a lá
chegar.
Mas é lá que eu
quero morar.
Todo o céu fica
a noite inteira
sobre o último
andar.
É lá que eu
quero morar.
10 Quando faz lua, no
terraço
fica tudo luar.
É lá que eu
quero morar.
Os passarinhos
lá se escondem,
para ninguém os
maltratar,
15 no último andar.
De lá se avista
o Mundo inteiro,
tudo parece
perto, no ar.
É lá que eu
quero morar:
no último
andar.
Neste poema, o sujeito poético
exprime o seu desejo de habitar o “último andar”, que caracteriza de diferentes
formas.
Assim, começa por o apresentar
como «mais bonito» (v. 1), pois dele «se vê o mar». Trata-se, portanto, de um
espaço amplo, vasto, ilimitado, como é sugerido pela amplitude da visão que
proporciona, do mar e do céu (3.ª estrofe). É nesse lugar, pois, que o «eu»
deseja morar.
Na segunda estrofe, associa-o à
altura («é muito longe» ‑ v. 4) e à
consequente dificuldade de acesso («custa-se
muito a chegar» ‑ v. 5). Não obstante, reafirma, convictamente, o desejo de
aí morar.
A ideia de amplitude e vastidão
é reafirmada na terceira estrofe. De noite, é possível ver todo o céu (hipérbole),
quase como se estivesse ao alcance da mão e nele fosse possível tocar. O
próprio luar parece repousar inteiramente nele.
No último andar, os passarinhos
(diminutivo afetivo) escondem-se para ninguém os maltratar. Assim, o espaço
assume-se como uma espécie de refúgio e sinónimo de liberdade. De refúgio, porque
serve de proteção e acolhimento, e de liberdade, pelo que o voo das aves no céu
ilimitado, metaforicamente, simboliza.
Por último, desse lugar é
possível avistar-se o mundo inteiro e «tudo
parece perto» (hipérbole). Ou seja, o último andar é um local elevado quer
no plano físico quer no plano moral, pelo que representa enquanto espaço simbólico:
local associado ao anseio de liberdade (que caracteriza o ser humano de qualquer
época e espaço), local de refúgio e proteção, local que permite o acesso à
vastidão do mundo e à contemplação das suas belezas, local de desejo de
transcendência e plenitude.