A coerência textual
é a propriedade que confere sentido global a um texto / enunciado, dizendo
respeito às relações de sentido que se estabelecem no texto e ao modo como ele
se apresenta lógico. As situações e as ideias veiculadas têm de ser lógicas e
adequadas ao conhecimento que os falantes têm da realidade, como, por exemplo,
as situações de ordenação temporal ou as relações de causalidade (Não saí porque
chovia.).
A coerência textual resulta de vários fatores:
(a) o género e a tipologia do texto;
(b) as relações intertextuais (as
relações com outros textos);
(c) os temas;
(d) a intencionalidade comunicativa
do autor do texto;
(e) a capacidade interpretativa do
leitor / recetor;
(f) o princípio da cooperação entre
emissor e recetor;
(g) do conhecimento do mundo e do
grau em que este conhecimento deve ser ou é compartilhado pelos interlocutores;
Por outro lado, como a coerência está dependente da
organização das ideias de um texto e à forma como elas se interligam a nível da
lógica e do sentido, esse texto deve obedecer a um conjunto de requisitos para estar bem estruturado e
produzir sentido:
(a) a unidade de conteúdo: o texto
deve tratar um tema central, que depois é desenvolvido e analisado;
(b) a continuidade:
o texto contém unidade de tema garante que existe um fio condutor;
(c) a progressão: diz respeito ao
desenvolvimento das ideias e dos acontecimentos e ao aparecimento de nova
informação;
(d) a estrutura (normalmente, um
texto apresenta uma estrutura tripartida: Introdução, Desenvolvimento,
Conclusão);
(e) do domínio das regras que
regulam a língua, o que permite as várias combinações dos elementos linguísticos;
Para
que um texto tenha coerência, é necessário também ter em conta alguns
mecanismos:
Mecanismos
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Exemplos
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Na
coordenação, os factos descritos são apresentados segundo a ordem por que
acontecem.
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A calçada portuguesa nasceu
em Lisboa, espalhou-se pelo país, alastrou pelo mundo.
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Seria
incoerente dizer: A calçada portuguesa
nasceu em Lisboa, alastrou pelo mundo, espalhou-se pelo país.
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Na
subordinação, é possível reconhecer uma relação de causa-efeito, de condição
ou consequência entre os acontecimentos descritos.
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Faltam calceteiros
profissionais, porque a Escola de Calceteiros formou poucos.
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Relação
de causa-efeito (causa: a Escola de Calceteiros formou poucos
calceteiros; efeito: faltam calceteiros profissionais.
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Os calceteiros são tão
poucos que não chegam para fazer a manutenção da calçada.
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Relação
de consequência.
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Se houvesse mais calceteiros, as
calçadas estariam em melhor estado.
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Relação
de condição.
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A
ordenação é feita de acordo com relações lógicas (ex.: classe-elemento,
todo-parte) ou segundo a forma como percecionamos a realidade.
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Faltam calceteiros profissionais
que façam a calçada como manda a tradição: pedras bem cortadas,
com o máximo de dois milímetros de separação, coladas com areia lavada
pelo rio.
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Primeiro
apresenta-se o todo (“calçada”), depois as partes – “pedras” (parte que percecionamos em
primeiro lugar) e “areia” (parte
que percecionamos em segundo lugar).
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Atentemos
nas palavras de Vilas-Boas e Vieira (Entre
Palavras 11, pág. 21):
“Ao leres o capítulo I do Sermão pudeste observar que:
● nada nele vai contra o que conheces do mundo, em geral, e do mundo
do século XVII, em particular; por outras palavras, o ouvinte do sermão ou o
leitor do mesmo reconheceria, ao ouvi-lo ou ao lê-lo nesse século, as
coordenadas religiosas, culturais ou sociais do seu mundo como corretas;
● ele se apresenta ordenado logicamente, seguindo uma progressão
evidente, que começa na constatação de que a terra está corrupta e na indagação
das causas deste estado; o texto progride, criticando os maus pregadores e os
maus ouvintes; apresenta depois o exemplo de Santo António e da sua pregação
aos peixes, dado não ter audiência humana, e termina com a resolução do
pregador em pregar também aos peixes, uma vez que nada espera dos homens.
Por estes motivos, o
texto apresenta coerência textual, a
propriedade dos textos que:
● representam a normalidade do
mundo;
● se apresentam logicamente
ordenados;
● progridem através de relações
lógicas internas ou intratextuais – de causa, de consequência, etc.;
● não apresentam informação
contraditória entre si.
A coerência textual ocorre quando as ideias e os conceitos
transmitidos pelo texto estão de acordo com o conhecimento que o leitor tem
do mundo e quando o texto possui uma lógica interna e respeita os princípios
da relevância, da não contradição e da não tautologia.
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Existem diferentes tipos
de coerência.
A. Coerência lógico-conceptual: uma frase ou um texto é
coerente se as situações nele criadas estiverem de acordo com aquilo que
sabemos acerca do mundo e se forem respeitados alguns princípios que orientam a expressão do pensamento bem
estruturado.
· «O carro está amolgado porque
não bateu.»
¯
Esta
frase é incoerente porque estabelece uma relação de causalidade que se opõe ao
conhecimento que temos do mundo.
Os
princípios a que um texto tem de
obedecer para ser coerente são os seguintes:
1.º)
Princípio da não contradição:
um texto coerente não deve representar situações incompatíveis ou
contraditórias entre si; devem ser compatíveis entre si e com o mundo (quer no
que está explícito quer no que se pode inferir) – por exemplo, a pessoa ou os
tempos verbais não se devem contradizer:
· O
número três é ímpar e é par. [texto incoerente]
· Estar vivo é estar morto.
[texto incoerente]
·
Estão 40 graus lá fora. Vou vestir um sobretudo. [texto incoerente]
· Entrei
no consultório. Havia revistas de capas coloridas. Uma pequena mesa estava
debaixo delas.
¯
A
frase é incoerente, pois a ordenação lógica
dos elementos descritos não corresponde ao modo como geralmente os percecionamos
na realidade.
· Entrei
no escritório. Havia revistas de capas coloridas em cima de uma pequena mesa.
¯
A
frase é coerente.
· Entrei
no consultório. Primeiro vi revistas de capas coloridas. Só depois reparei na
pequena mesa que estava debaixo delas.
¯
A
frase é coerente, pois as formas linguísticas «primeiro» e «só depois»
determinam a ordem pela qual a realidade foi percecionada.
2.º)
Princípio da relevância:
–
um texto coerente deve apresentar informações (situações e acontecimentos) que
estejam relacionadas entre si, por meio de relações intratextuais (organização
temporal, relações de semelhança, de oposição, de causa-efeito, de parte-todo
ou todo-parte, de geral-particular ou particular-geral, de classe-elemento ou
elemento-classe, de compatibilidade / incompatibilidade entre um tema e as
informações remáticas a ele ligadas);
–
o que é transmitido deve ser compatível com o conhecimento que os leitores têm
do mundo;
–
um texto seleciona apenas aquilo que é importante para a sua progressão
temática, para a consecução do objetivo da comunicação, devendo, pois,
suprimir-se o que não é relevante ou o que é facilmente dedutível.
· Estou
a estudar gramática. O meu irmão gosta de
rebuçados. A coerência é uma matéria interessante. [texto incoerente]
· Gostei
muito deste livro porque amanhã vou sair. ® A frase não é coerente porque
não há uma relação de causa / consequência entre os eventos descritos.
· «A mesa dançou toda a noite.»
¯
A
frase é incoerente, pois as propriedades atribuídas ao objeto «mesa» não são
conformes à nossa visão do mundo. Poderá, no entanto, assumir coerência se,
enquadrada num determinado contexto, funcionar com valor estilístico – por
exemplo, de personificação.
· «A Ernestina dançou toda a
noite com o namorado.»
¯
A
frase é coerente.
3.º)
Princípio da não redundância ou tautologia:
para que seja coerente, um texto deve conter informação nova (progressão
temática), ou seja, novos tópicos de conteúdo, evitando as repetições ou redundâncias
desnecessárias/inúteis. A repetição das mesmas ideias por palavras diferentes
torna o texto excessivo e rebuscado.
· Estar vivo é o contrário de
estar morto.
· O
Afonso chegou atrasado por causa do pai. O seu pai foi o responsável pelo seu
atraso. Por isso ele não chegou cedo. ®
O texto é
incoerente, pois transmite uma informação quase nula, uma vez que esta é
repetida constantemente.
B. Coerência
pragmático-funcional:
o texto é construído e articulado com coerência quando se adequa à situação de
comunicação, de acordo com
Ä a articulação entre atos
ilocutórios;
Ä
a adequação à situação de comunicação (ao contexto e aos interlocutores);
Ä a intenção comunicativa.
· «Declaro-vos marido e mulher.»
¯
O
enunciado só será coerente se for proferido pela pessoa institucionalmente
adequada (ex.: um padre), no contexto apropriado.
· A ‑ «Vamos à praia amanhã?»
B ‑ «Tenho de
estudar.»
¯
A
resposta dada à pergunta formulada em A só será coerente se o locutor proceder
a uma inferência pragmática, ou seja, se do enunciado de B inferir uma resposta
negativa ao convite.
C.
Isotopia
A
isotopia (do grego isó = mesmo, igual
+ tópos = tópico, lugar) é outra
forma de conferir coerência a um texto e remete para a presença de uma temática
que se manifesta em diferentes expressões da mesma área de sentido, isto é, a
repetição de palavras e expressões semanticamente equivalentes ao longo da
sequência textual.
Por
exemplo, no soneto “A formosura desta fresca serra”, Camões aborda a isotopia
da dor / saudade causada pela ausência da mulher amada através de um conjunto
de palavras ou expressões semanticamente equivalentes: tristeza, magoando, enoja, aborrece, tristeza.
D.
Pontuação
A
pontuação é um elemento decisivo na construção da coerência de um texto. De
facto, um texto mal pontuado é difícil de perceber ou torna-se mesmo
incompreensível.
Ex.:
Um homem tinha um cão e a mãe do homem era também o pai do cão.
¯
A ausência de
pontuação torna a frase ininteligível. Porém, se a pontuação for acrescentada,
ela adquire sentido: Um homem tinha um
cão e a mãe; do homem era também o pai do cão. (= o homem tinha três cães:
pai, mãe e filho).