Português

domingo, 29 de setembro de 2019

O século XVII em Portugal e o sermão

            A situação de instabilidade de um Portugal pós-Restauração (independente mas em crise, pressionado pela constante ameaça estrangeiro aos nossos domínios ultramarinos), e a defesa dos direitos humanos, nomeadamente dos índios do Brasil escravizados pelos colonos, bem como dos Cristãos-Novos perseguidos pela Inquisição, são preocupações a que Vieira se manteve sempre fiel até ao fim da sua vida.
            Ao assumir o poder, D. João IV teve de enfrentar um país moralmente exausto e financeiramente decadente em consequência da longa luta travada com Castela. A monarquia encontrava-se ameaçada e perigosamente vacilante, despojada como estava de órgãos de autoridade capazes de lhe garantir o poder absoluto.
            Os cofres estavam vazios, muito por culta do deslizamento das receitas portuguesas (representadas principalmente pelo ouro que nos vinha de África e pelas especiarias originárias do Oriente) das mãos trémulas de um Portugal periclitante, para as implacáveis presas da Holanda e da Inglaterra, que reclamavam a sua parte de leão.
            Mesmo as minas de ouro descobertas no Brasil, precisamente quando ocorreu a morte do Padre António Vieira, só viriam a servir para alimentar a pobreza moral, como o profetizara já o orador em 1656, no sermão proferido no Grão-Pará, intitulado Sobre as Verdadeiras e as Falsas Riquezas (Sermão da 1.ª Oitava da Páscoa). Em terras brasileiras, o trabalhador comum, possesso pela miragem do vil metal, viria a abandonar as terras, os bens, a família, para enveredar por atalhos, não poucas vezes do crime e da desonra, em demanda do ilusório pássaro azul que obstinadamente porfiava em alcançar. Na Metrópole, a nobreza passaria a dar largas a um fausto desenfreado e efémero, sem cuidar de produzir algo de útil para o bem comum ao utilizar o «maná» que jorrava então do Brasil.
            Recordemos que o século seguinte assistiu ao arrecadar de um milhão de libras esterlinas nos cofres da rapace Inglaterra, pago integralmente por Portugal com o ouro proveniente das minas do Brasil. Deste modo, mais uma vez se veio a verificar a lastimável negligência lusitana, que desprezou uma ocasião ímpar de valer à pátria debilitada.
            Na época de Vieira já Portugal se debatia em desesperada luta para reconverter a economia e caminhar lado a lado com os outros países europeus. estes manifestavam-lhe, porém, uma marcada indiferença, mas opunham-se á sua entrada nos tratados internacionais. Mero peão num jogo de interesses entre nações omnipotentes, Portugal erra arrastado numa torrente de ambições e encontrava-se preso nas malhas tecidas por potências interessadas em lucros rápidos e vantajosos. Por seu lado, a Santa Sé recusava-se teimosamente a reconhecê-lo como nação independente.
            A Restauração só poderia subsistir se fosse financiada pelos «homens de negócios» que orientavam em Portugal as grandes transacções. Foi, com efeito, sobre os recursos económicos dos Cristãos-Novos que o País se apoiou nas horas difíceis do recomeço mediante a isenção do confisco inquisitorial que lhes foi concedida pelo monarca a conselho de Vieira.
            A causa dos Cristãos-Novos advogada por Vieira, para além do incontestável carácter humanitário, do patriotismo e da solidariedade para com a Companhia de Jesus (a qual tomava partido contra a Inquisição, sua eterna rival), tinha também uma finalidade económica, pois visava mitigar a miséria nacional através dos largos proventos dos Hebreus. Contudo, a mentalidade tacanha dos opositores de Vieira, incapaz de assimilar a sede de Infinito do cosmopolita, habituado a vastos espaços e ideias), não se detinha na marcha do seu fanatismo impenitente para considerar um eventual interesse económico. Cuidava somente em velar pela defesa do sangue incorrupto, livre de qualquer contaminação dos hereges.
            Representando uma apreciável parcela da burguesia nacional e o principal suporte financeiro e mercantil da nação, os Cristãos-Novos desempenharam um papel decisivo no comércio externo e contribuíram para uma notável transformação na sociedade portuguesa. Supremo esteio de um Estado financeiramente dependente, este grupo social viu ser contra si movida uma feroz perseguição levada a efeito pelo Santo Ofício, mas instigada pela nobreza em dependência directa da Coroa.
            Foram-se, entretanto, implantando influentes comunidades de cristãos-novos portugueses em Amsterdão, Hamburgo, Ruão e Veneza, dando origem a uma verdadeira rede internacional de comércio. A repressão de que foram vítimas e, sobretudo, os processos diabólicos utilizados pela Inquisição, justificam a incansável defesa dos direitos desta raça segregada feita por Vieira.
            Era, pois, angustioso o clima que se vivia então em Portugal, tanto no aspecto económico, como político, como social. A Nação definhava em consequência das perdas sofridas. Os Holandeses haviam-se apoderado de cinco capitanias do nordeste brasileiro e para as suas mãos resvalara também Angola e São Tomé. Era urgente reconquistar esses territórios, mas impunha-se, igualmente, a celebração de uma aliança entre os dois países para esmagar Castela. Interessava a Portugal a influência da Holanda no xadrez político para a sua admissão no Tratado de Vestefália, pois tal equivaleria ao reconhecimento da independência por parte da Europa.
            Vieira chegou a Haia em abril de 1646, onde projetava negociar a paz com a Holanda através da entrega de Pernambuco. Contava o jesuíta, para realizar os seus planos, com o auxílio de judeus portugueses de Amsterdão. A Inquisição, porém, interveio e prendeu um importante cristão-novo que conduzia os negócios, lançando o descrédito sobre o enviado régio.
            A ideia de entregar Pernambuco aos Holandeses, de que Vieira parece ter sido um dos principais promotores, conheceu pertinaz oposição. Na opinião geral, o «Judas do Brasil» pecava, sobretudo, por falta de patriotismo. No entanto, como se depreende da leitura do «Papel Forte» por ele redigido, a velha raposa matreira ocultava, sob aparente capa de generosidade gratuita, a astuta decisão de se vir a reaver o que por ora se fingira dar de boa mente: «Desta maneira damos Pernambuco aos Holandeses, e não dado, senão vendido pelas conveniências da paz, senão a retro aberto, para a tornarmos a tomar com a mesma facilidade, quando nos virmos em melhor fortuna; que agora, é querer perder isto e o demais.»
            Por atitudes como esta, Vieira tem sido bastas vezes acusado de ter proposto soluções políticas nem sempre isentas de duplicidade; porém, há que considerar o próprio comportamento desleal dos outros países. A Holanda, por exemplo, com quem mantínhamos relações de paz na Europa, não se esquivava a atacar-nos no Brasil, enquanto que a Espanha estava secretamente ligada a essa nação que Vieira descrevia como pátria de anfíbios, composta de «peixe e homem».
            De outras missões diplomáticas se encarregou Vieira. A França foi ajustar o casamento da filha do Duque de Orleães, a vigorosa «Grande Demoiselle», com o jovem e frágil D. Teodósio, príncipe herdeiro. Não foi feliz nessa missão porque a ela se opôs tenazmente o cardeal Mazarino. Provocar em Nápoles um movimento de revolta contra os Castelhanos e promover o casamento de D. Teodósio com a filha de Filipe V eram os propósitos que animavam António Vieira na sua viagem a Itália em janeiro de 1650, numa empresa condenada uma vez mais ao fracasso. Não obstante, o seu espírito combativo não cessava de vibrar.
            Um dos eventos históricos que já vinha recrudescendo ao longo de toda a dominação filipina foi o Sebastianismo, forma de louca ânsia messiânica num rei justo e redentor de uma pátria mergulhada em letargia. As profecias do sapateiro de Trancoso, amálgama insipiente de citações bíblicas e de lendas populares, traduziam o anseio de liberdade e a esperança projectada num herói libertador. Ideal cristalizado na memória de um povo sedento de autonomia, a crença sebastianista no predestinado incitou os espíritos à luta pela independência nos anos sombrios da repressão castelhana. À semelhança dos seus contemporâneos, Vieira não se mostrou insensível ao apelo profético, que ia aliás tão ao encontro do seu marcado pendor, avivado por uma educação escolar propícia a cogitações visionárias. Do alto do púlpito, desafiando corajosamente os algozes da Inquisição, o jesuíta modela um Sebastianismo novo, ajustado ao contexto da Regeneração. É o mito judaico do Quinto Império transferido para o solo português, berço de um rei eleito de Deus que será o Imperador da Terra em serena aliança com o Pontífice de Roma, entidade centralizadora do poder espiritual.
            D. João IV torna-se o Messias que, após sessenta anos de humilhante subordinação a Castela, vem libertar o país e devolver-lhe o estatuto de nação escolhida para os desígnios do Eterno. O monarca é o novo Encoberto capaz de redimir o seu povo e conduzi-lo à Salvação. Resgatada a pátria, urge dilatar a Fé que há-de congregar em torno de si judeus e indígenas, sem distinção de raça ou credo, unidos na condição comum de filhos de Cristo e portadores da centelha divina. Mas o visionarismo em Vieira não se limita a uma mera atitude passiva; antes o conduz de imediato à acção a partir do momento em que deixa de combater o Sebastianismo para se empenhar com toda a fé na crença de um novo Encoberto. Sensível ao fascínio dos mistérios da Bíblia que procura explicar, Vieira consegue, no entanto, conservar intacta a sua atenção à realidade política e social, pronto a denunciar abusos e a condenar prepotências. No seu grito de revolta esconde-se a crítica enérgica a uma sociedade injusta e corrupta.


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Coerência textual - Correção (G 58)

1. A
2. D
3. G
4. B
5. E
6. F
7. C
8. H
9. I

2.
a) interveio; esteve
b) emitem
c) imitem

3.
3.1. “controlar” – contornar; “cumprida” – comprida; “germinadas” – geminadas; “aderência” – adesão; “cotas” – quotas; “facilidades” - comodidades

4.
4.1.
a) Estava doente, por isso, não foi para a escola. / Estava doente; no entanto, foi para a escola.




. Ficha

Dêixis / Deíticos II (G 59)


1. Leia o diálogo seguinte, tendo em consideração o contexto.

(Contexto: na feira; diálogo entre o professor de o vendedor de calçado e o professor de Filosofia)

– Bom dia! Quanto custam as galochas que estão ao lado dos chinelos de praia?
– As galochas custam 35 euros, mas as que estão aqui junto de mim são mais baratas.
– Sim? E quanto custam?
– 25. São quase de graça.
– Sei… de graça… E as que estão lá ao fundo da bancada?
– Bom, essas são carotas: 55 euros, já com desconto.
– Ó sr. Eusébio, isso é um roubo! Assim sendo, vou levar as que estão junto de si.
– Hum! Se é uma questão de dinheiro, de preço, talvez devesse levar as botas que estão aos seus pés. Vai bem servido também e poupa dinheiro.

1.1. Substitua as expressões sublinhadas por determinantes e pronomes demonstrativos adequados.

a. ………………………………………….          d. …………………………………………..
b. …………………………………………..         e. …………………………………………..
c. …………………………………………..

2. Leia o texto, tendo em conta o contexto que o rodeia.

(Contexto: transcrição de uma conversa telefónica entre o Ernesto e a Miquelina, que teve lugar no dia 4 de setembro, durante a manhã)

Ernesto – Ontem estive em casa do Eusébio.
Miquelina – O que foste lá fazer?
Ernesto – Fui ver o que se passava. Disseram-me que teve um acidente.
Miquelina – Ah, coitado! Fiquei de falar com ele amanhã por causa do almoço de sábado.
Ernesto – É verdade, temos de acertar isso. Tu estás em casa, hoje?
Miquelina – Não. Agora estou no escritório e só devo regressar ao fim da tarde. Queres passar por lá a essa hora?
Ernesto – Vou verificar a minha agenda e ligo para aí.
Miquelina – Está bem. Fico a aguardar.

2.1. Refira os deíticos que identificam os participantes no discurso.
……………………………………………………………………..
……………………………………………………………………..

2.2. Indique os referentes do deítico «lá» nas duas ocorrências no texto (ll. 2 e 7).
……………………………………………………………………………
……………………………………………………………………………

2.3. Identifique o referente do deítico espacial «aí» (l. 8).
……………………………………………………………………………

2.4. Identifique os referentes dos deíticos «ontem» (l. 1), «amanhã» (l. 4), «hoje» (l. 5) e «agora» (l. 6).
…………………………………………………………………..
…………………………………………………………………..
…………………………………………………………………..
…………………………………………………………………..

2.5. Indica o tipo de dêixis assegurado pelos advérbios indicados em 2.4.
……………………………………………………………………

3. Assinale a alínea que corresponde à afirmação correta.

3.1. No enunciado «Amanhã, almoçarei convosco, a palavra destacada assegura a dêixis
a. temporal.
b. espacial.
c. textual.
d. pessoal.

3.2. No enunciado «Ainda ontem vos pedi que fossem menos barulhentos.», as palavras sublinhadas asseguram a dêixis
a. espacial e temporal.
b. temporal e pessoal.
c. espacial e pessoal.
d. textual e pessoal.

3.3. Na frase «O estojo está ao lado do livro do Ernesto.», a expressão sublinhada assegura a dêixis
a. pessoal.
b. espacial.
c. temporal.
d. espacial, temporal e pessoal.

3.4. No enunciado «Um rei fez a promessa de edificar um convento que, hoje, é muito visitado pelos alunos portugueses.», a palavra sublinhada assegura a dêixis
a. pessoal.
b. espacial.
c. temporal.
d. textual.

3.5. No enunciado «Já o padre Bartolomeu Lourenço regressou de Coimbra, já é doutor em cânones…», as palavras sublinhadas asseguram, respetivamente, a dêixis
a. espacial e temporal.
b. pessoal e espacial.
c. pessoal e temporal.
d. pessoal, espacial e temporal.


. Correção

"O sentimento dum ocidental"

         “O Sentimento dum Ocidental” é a investigação final e definitiva de Cesário Verde sobre a cidade. Tal como “Noite Fechada”, o poema regista as percepções e as impressões de um observador caminhando nas ruas nocturnas da cidade, com a diferença de que o narrador do presente texto passeia sozinho.
         Estamos, assim, na presença de um extenso poema composto por 44 quadras, distribuídas por 4 secções de 11 quadras (Avé-Marias, Noite Fechada, Ao Gás, Horas Mortas), cujo tema é o desespero e protesto de um português atormentado, face à cidade de Lisboa, percorrida desde o anoitecer às "horas mortas". Este é o sentimento que a civilização provoca, e ao mesmo tempo é um produto dela e um protesto contra ela.
         O seu passeio não é apenas um movimento no espaço das ruas da cidade; é também um processo no tempo, uma viagem para dentro da noite durante a qual o narrador penetra e confronta o mundo simbólico de sombras reais que é a cidade nocturna. Noite e cidade, como em “Noite Fechada”, são equivalentes simbólicos.
         A cidade é Lisboa; o “sentimento” do título é o do narrador, natural do extremo ocidental da Europa, um português. Mas a cidade também representa o todo da civilização ocidental a que Portugal pertence; e o sentimento que ela provoca é ao mesmo tempo um produto dessa civilização e um protesto contra ela.
         A progressão da noite, desde o crepúsculo e o acender das luzes até à completa escuridão das “horas mortas”, é acompanhada, num complexo contraponto, por um correspondente aprofundamento dos sentimentos e percepções do caminhante solitário nas ruas da cidade. O melancólico “desejo absurdo de sofrer” despertado pelo anoitecer é justaposto com uma nostálgica evocação visionária do passado; a mórbida exacerbação da angústia ao acender das luzes é justaposta com as alucinações febris de um presente fantasmagórico; a intensificada amargura provocada pela crescente escuridão é justaposta com a presença espectral dos seres reais que se movem na cidade; finalmente na escuridão total das horas mortas, a evocação ansiosa de um futuro gerado pela própria noite, como a sua necessária negação num novo dia, é justaposta com a culminante visão desesperada da dor humana como um sinistro mal de fel em busca dos seus amplos horizontes bloqueados.
         Em termos formais, o poema é constituído por quadras com versos decassílabos e alexandrinos (12 sílabas – conferem maior teor descritivo e analítico à narração). A estrutura estrófica é fragmentada, igual à percepção do real. A estrutura métrica é composta de frases independentes ou coordenadas que ajudam à descrição duma cidade que o deprime e nauseia; para exprimir este sentimento, temos o uso de frases exclamativas, traduzindo espanto, surpresa, prazer, revolta. Notemos também o uso da rima interpolada e a abundância da aliteração.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

"A fim de" e "afim"

     A expressão "a fim de" é uma locução que expressa uma ideia de finalidade e equivale a "para" e "para que":
          . Fui ao estádio a fim de me despedir de Jonas.

     O adjetivo "afim" significa "ter afinidade, parentesco ou semelhança"; "próximo, aderente, comum":
          . A nova loja do Continente vende produtos de cosmética e afins.
          . Eu e o Ernesto temos amigos afins.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O custo climático dos smartphones

     Todos sabemos que as tecnologias têm um custo pesado para o Ambiente da Terra.
     Um relatório recente do European Environmental Bureau (EEB) veio mostrar isso mesmo e como é urgente agir nessa matéria.
     Atente-se nalgumas das conclusões:
  • a produção dos smartphones da Europa tem o maior impacto climático entre os produtos analisados;
  • o ciclo de vida dos smartphones da Europa é responsável por 14 milhões de toneladas de emissões de CO2eq por ano, o equivalente a 25% das emissões médias em Portugal nos últimos anos. Aumentar um ano da vida útil destes gadgets permitiria economizar mais de 2 milhões de toneladas de emissões.

Encarregada de Educação condenada por injúria agravada e denúncia caluniosa a Professor

     Em determinada aula, certo professor passou uns exercícios no quadro e solicitou aos alunos que os registassem nos seus cadernos diários. À medida que foram acabando a tarefa, o docente foi circulando pela sala no sentido de verificar se a mesma tinha sido efetivada de forma adequada. Durante o périplo, notou que uma das alunas, já de caderno fechado e em amena cavaqueira com o colega de carteira, não tinha cumprido o que lhe havia solicitado.
     Ato contínuo, a aluna foi advertida do seu comportamento incorreto e informada de que seria objeto da marcação de falta, tendo então abandonado a sala de aula sem qualquer interação com o professor.
     Volvidos alguns minutos, a jovem reapareceu à porta da sala acompanhada da sua encarregada de educação, que «exigiu» ao professor que as acompanhasse até à direção, ao que aquele retorquiu que lhe era impossível tal, dado estar a lecionar uma aula. A situação degradou-se ainda mais (nos termos relatados na sentença abaixo transcrita) e só uma assistente operacional terá impedido que a agressão física ao docente se tivesse concretizado.
     É chamada a polícia, que toma conta da ocorrência, e o processo segue para tribunal, o qual emitiu uma sentença que, seguidamente, se reproduz a partir do post do ComRegras [aqui]:


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O teatro de Shakespeare

            No Globe, o teatro de Shakespeare construído em 1599, o palco estava aberto para o céu. O palco foi empurrado para o meio do “fosso” ou “páteo”, onde as pessoas que pagavam um centavo pela entrada ficavam ao redor de três lados do palco. Fornecedores que vendiam comida e álcool andavam pela plateia durante toda a apresentação. Além do palco e do fosso, havia uma área chamada galeria, que continha bancos cobertos. Esses assentos eram caros e reservados para clientes mais ricos. "Os céus" era um teto pintado sustentado por duas colunas que cobriam o palco. Um alçapão no céu permitia que os membros do elenco criassem efeitos especiais, como colocar pétalas de flores no palco durante uma cena do casamento, ou até mesmo abaixar atores em cordas ou fios para entradas “voadoras”. Efeitos sonoros como trovões ou pistas musicais também podiam ser criados nos céus.
            As peças eram realizadas à luz do dia, geralmente à tarde. Quando uma cena acontecia à noite, os atores traziam tochas flamejantes para o palco para sinalizar à plateia que era suposto estar escuro. O acompanhamento musical era providenciado por músicos numa varanda atrás do palco. Essa varanda também era usada quando uma peça de teatro exigia uma localização no andar de cima, como o quarto de Julieta em Romeu e Julieta. Os trajes eram elaborados e caros, geralmente os rejeitos de nobres muito ricos. O público elizabetano apreciava um espetáculo. Durante a produção de Henrique VIII, em 1613, um canhão foi disparado, o que se tornou uma questão de memória pública, porque uma faísca perdida do canhão deu origem a um incêndio que destruiu o teatro por completo, sendo reconstruído no espaço de um ano. No final da carreira de escritor de Shakespeare, em 1608, a sua empresa começou a usar um teatro interno para apresentações de inverno. O Teatro Blackfriars estava organizado como um teatro moderno, com fileiras de assentos em frente ao palco. Os preços das entradas eram mais altos do que no Globe, pelo que provavelmente atraíam um público mais rico.
            Em Hamlet, a personagem que dá nome à peça chama os membros da plateia que só podiam pagar ingressos de “groundlings”. Ele diz que eles só entendem “shows mudos e barulho”. Os groundlings provavelmente tinham pouca semelhança com o público atento e bem-comportado que associamos ao teatro hoje. Os membros da plateia que ficavam em pé no fosso estavam tão perto que podiam tocar nos atores. Estes falavam diretamente com eles, e os groundlings respondiam, torcendo pelas personagens heroicas e vaiando os vilões. Se o público não gostava da peça, irritava-se e até atirava coisas aos atores. O teatro não era uma forma de arte de elite, mas um entretenimento popular, apreciado por todos os níveis da sociedade. Nas suas peças, Shakespeare reflete a diversidade do público, recorrendo à linguagem, ao conhecimento especializado e às ideias de todos os níveis da sociedade. Os fundadores provavelmente não entenderam as referências latinas, gregas e filosóficas nas peças, mas mesmo as tragédias contêm humor físico, jogo sexual de palavras e gírias que os fundadores teriam apreciado. Por exemplo, Henrique IV, Parte 1, usa a terminologia da lei e da diplomacia, mas também inclui a gíria de proprietários, soldados e prostitutas.

A época de Shakespeare: a Bíblia inglesa

            Na Inglaterra católica, era ilegal publicar a Bíblia em qualquer idioma além do latim, mas os protestantes acreditavam que ela deveria estar disponível nos idiomas que todos entendiam. Desde a infância, Shakespeare ouvia a Bíblia lida em inglês todos os domingos. Quando estudante, ele provavelmente traduziu passagens bíblicas do latim para o inglês e vice-versa e estudou-a como adulto também. As suas peças e poemas fazem centenas de referências a várias traduções diferentes da Bíblia, incluindo a oficial dos Bispos e a mais popular Bíblia de Genebra. Shakespeare até faz uma referência ao prefácio dos editores desta última. O Prefácio explica que, para a "edificação" dos seus leitores, os editores "têm anotado nas margens" lugares onde acham que as escrituras apoiam as suas crenças protestantes. Em Hamlet, Horatio zomba de Osric por usar termos tão obscuros que precisam de explicação.
            A influência da Bíblia na escrita de Shakespeare é tão profunda que às vezes é difícil dizer onde termina a linguagem dela e começa a de Shakespeare. Às vezes, o dramaturgo cita diretamente o texto da Bíblia, mas mais frequentemente inclui uma citação parcial, uma alusão ou uma paródia. Um exemplo típico de como Shakespeare se baseia na Bíblia é o título da peça Medida por Medida. Este título não é uma citação direta da Bíblia, mas baseia-se numa passagem bíblica (Lucas 6.38). Quando Iago diz: "Não sou o que sou", a audiência de Shakespeare entenderia que o vilão de Otelo está virando de dentro para fora o que Deus diz a Moisés: "Eu sou o que sou" (Êxodo 3:14).
            É provável que Shakespeare esperasse que o seu público pudesse recordar histórias e episódios inteiros da Bíblia. Em Como você gosta, Orlando sente que seu irmão Oliver o tratou injustamente. Ele pergunta a Oliver: “Que parcela pródiga eu gastei para chegar a tal penúria?” Essa é uma alusão à parábola de Jesus do filho pródigo, sobre o filho mais novo de um homem rico que gasta toda sua herança e acaba sem teto . Na parábola de Jesus, o filho mais novo volta para casa com seu pai, que fica muito feliz em vê-lo, e a alegria do pai deixa seu filho mais velho com ciúmes. Ao se referir a essa história, Orlando sugere algo sobre seu relacionamento com Oliver que nenhum dos irmãos pode dizer diretamente. Um público familiarizado com a história entenderia que, na opinião de Orlando, Oliver está se comportando mal porque está com ciúmes do relacionamento que seu irmão mais novo teve com o pai.

A época de Shakespeare: a Reforma

            Shakespeare viveu durante um período de enorme revolta religiosa conhecida como Reforma. Durante séculos, a Europa esteve unida sob a liderança religiosa do Papa, chefe da Igreja Católica Romana. No início de 1500, no entanto, um novo movimento religioso conhecido como protestantismo rompeu com a Igreja. Ao contrário dos católicos, que acreditavam que a salvação era alcançável através de boas obras, os protestantes acreditavam que a salvação só era possível através da fé verdadeira. Toda a Europa se dividiu em linhas religiosas, com a maior parte do norte da Europa a tornar-se protestante, enquanto a maior parte do sul permaneceu católica. Henrique VIII retirou a Inglaterra da Igreja Católica na década de 1530, quando o pai de Shakespeare era pequeno. Quando o dramaturgo nasceu, a maior parte da Inglaterra era solidamente protestante, embora muitos ingleses continuassem praticando o culto católico em segredo. Os radicais católicos conspiravam para assassinar Isabel I e Jaime I, enquanto as nações católicas da Europa ameaçavam invadir a Inglaterra para derrubar o domínio protestante. Como resultado, os católicos eram temidos e odiados por muitas pessoas da maioria protestante.
            Não conhecemos as crenças particulares de Shakespeare. As suas peças costumam troçar das crenças e rituais católicos. Em A Tempestade, o servo bêbado Stephano oferece uma garrafa de bebida e exige que Caliban "beije o livro", numa referência zombeteira à prática católica de beijar a Bíblia durante a missa. Quando Shakespeare retratava católicos muito religiosos, no entanto, geralmente fazia-o sob uma luz solidária. Isabella, em Measure For Measure, é uma noviça. Os conventos eram uma característica do catolicismo que a Igreja Protestante da Inglaterra aboliu, mas Isabella é a personagem mais virtuosa de uma peça cheia de pecadores e hipócritas. Frei Lawrence, de Romeu e Julieta, também pertence a uma ordem religiosa católica que foi abolida na Inglaterra. Enquanto as outras personagens da peça se preocupam apenas com as próprias paixões, o principal objetivo de Frei Lawrence é pôr um fim à luta violenta que molda a sociedade em que vive.

A época de Shakespeare: o reinado de Jaime I

            Depois de a rainha Elizabeth ter morrido em 1603, o rei Jaime VI da Escócia foi nomeado seu sucessor e tornou-se Jaime I da Inglaterra. Os novos súbditos sentiram-se aliviados por evitarem a guerra civil e a invasão. Shakespeare acolheu o novo rei com Macbeth (escrito por volta de 1606).
            A maior ambição de James era unificar os seus dois reinos, Inglaterra e Escócia, num único país, que ele queria chamar de Grã-Bretanha. Shakespeare contribuiu com propaganda para a causa do rei nas suas peças Rei Lear (escrita por volta de 1604) e Cymbeline (por volta de 1610). Ambas as obras decorrem no período antigo e semi-mítico em que a Inglaterra e a Escócia eram um único país conhecido como "Bretanha". No Rei Lear, a decisão de dividir a Bretanha em três reinos separados tem consequências terríveis, suportando a visão de Jaime de um país unificado. O Rei Lear também explora um dos interesses intelectuais do novo monarca. Jaime publicou dois livros, A Verdadeira Lei das Monarquias Livres (1598) e Basilikon Doron (1599), que tentam definir a monarquia. Na peça de Shakespeare, Lear é despojado de tudo o que faz dele um rei, exceto o seu título, que pede ao público que questione o que é a monarquia e de onde ela vem.
            Jaime não foi sucedido nos seus esforços para unificar a Grã-Bretanha, mas alcançou o seu segundo objetivo político quando terminou a guerra da Inglaterra com a Espanha. A paz facilitou o fornecimento das colónias pelos navios ingleses na América do Norte e, em 1607, a primeira colónia inglesa de sucesso nas Américas foi fundada em Jamestown, Virgínia. Nos anos que se seguiram, muitos relatos da vida colonial foram publicados na Inglaterra. Particularmente sensacionais foram as descrições de indígenas americanos "selvagens" que adoravam deuses pagãos, viviam em harmonia com a natureza e não prestavam atenção à moralidade sexual europeia. A Tempestade (escrita por volta de 1612) passa-se numa ilha remota e abundante que abriga o "monstro" Caliban, que adora o deus pagão "Setebos". Caliban tenta estuprar o personagem europeu Miranda e, quando o pai desta o confronta, ele não mostra remorsos. Caliban também está em sintonia com o mundo natural da ilha, que para ele está “cheio de barulhos [...] que dão prazer e não magoam”. Os relatos dos colonos ingleses mostram que eles se sentiam justificados ao maltratar americanos indígenas, e Shakespeare dramatiza isso também. O personagem principal de A Tempestade, o mágico italiano Prospero, escraviza Caliban e pune-o por desobediência com torturas físicas cruéis.

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