. a leitura que D. Madalena realiza do episódio de Inês de Castro,
incluso n’Os Lusíadas, que motiva a
sua reflexão (no início do acto I), o que alia o seu destino ao final trágico
de Inês;
. os agouros de Telmo, que não acredita na morte de D. João de Portugal,
colocando a hipótese do seu regresso, e que afirma que uma situação ocorrerá
que deixaria claro quem nutria maior amor por Maria naquela casa;
. os pressentimentos de D. Madalena de que um acontecimento funesto irá
atingir a sua família, o que não a deixa viver o seu amor por Manuel de Sousa
de uma forma tranquila, motivando a sua insegurança, a sua angústia e impedindo
a sua felicidade;
. o facto de Manuel de Sousa, antes de pegar fogo ao próprio palácio,
por considerar a resolução dos governantes espanhóis uma afronta, evocar a
morte de seu pai, que caíra “sobre a sua própria espada”, indicando o destino funesto da sua família: “Quem
sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos?” (I, 11); por outro
lado, o seu acto irá motivar a aproximação da família de um espaço que
pertencera a D. João de Portugal e que a ele está ligado metonimicamente;
. as folhas das flores que Maria traz consigo secam;
. os sonhos e as visões de Maria (motivadas pelo seu temperamento
romântico, pela imaginação e aguçadas pela tuberculose), dado o seu carácter
negativo e o facto de a impedirem de dormir, remetem, igualmente, para a
ocorrência de um acontecimento funesto; às visões da personagem, acrescenta-se
a sua intuição e a sua compreensão precoce das coisas;
. a simbologia da sexta-feira, considerada por D. Madalena como um dia
aziago e fatal;
. o sebastianismo de Maria e de Telmo indica a hipótese de regresso de
D. João de Portugal que, tal como D. Sebastião, desaparecera na batalha de
Alcácer Quibir;
. os indícios de tuberculose de Maria: a febre, as mãos que queimam, as
rosetas nas faces e o ouvido apuradíssimo;
. a leitura que Maria faz da Menina
e Moça (obra de Bernardim Ribeiro – “Menina e moça me levaram de casa de
meu pai”) indicia a sua separação da família (acto II, cena 2);
. a visita que Maria e Manuel fazem a Soror Joana (acto II), que fora
casada com D. Luís de Portugal – o casal decidira, em determinado momento da
sua vida, abandonar o mundo e recolher-se num convento;
. as alterações da decoração dos espaços físicos: no acto I; encontramos
um ambiente alegre e aberto ao exterior, que será substituído nos segundo e
terceiro actos por uma decoração melancólica e soturna;
. a localização dos acontecimentos da peça ao início da noite ou de
noite (acto I: “É no fim da tarde”; acto II: “É alta noite”);
. os elementos simbólicos ao nível do espaço físico:
- os retratos de Manuel de Sousa, Camões e D. João;
- a substituição do retrato de Manuel pelo de D. João, aliada à substituição de espaço, é um sinal que D. Madalena interpreta como fatal;
- a substituição do retrato de Manuel pelo de D. João, aliada à substituição de espaço, é um sinal que D. Madalena interpreta como fatal;
- o facto de o retrato de Manuel de
Sousa ser consumido pelo fogo durante o incêndio por si ateado;
- a mudança do palácio de Manuel de Sousa para o de D. João de Portugal.
- a mudança do palácio de Manuel de Sousa para o de D. João de Portugal.
2. A
existência de poucas personagens em cena, todas de estrato social elevado e de
carácter nobre.
3.
A acção sintética – convergência progressiva de um número pouco
significativo de acções para a acção trágica.
4.
A condensação/concentração do
tempo em que decorre a acção.
5.
A concentração dos espaços (em
número reduzido).
6. Cumprimento (ainda que incompleto) da lei das três unidades:
unidade de acção, unidade de espaço (incompleta, porque na peça existem três
espaços distintos) e unidade de tempo.
7. Ambiente trágico e solenidade clássica.
8. As reminiscências do coro da tragédia clássica, através das
personagens Frei Jorge e Telmo – o coro tinha a função de anunciar e comentar
as acções.
9. Os momentos de retardamento.
10. A existência, desde o início, de um clima de
fatalidade que o ominoso da recorrência de acontecimentos à sexta-feira e
do espaço do palácio de D. João de Portugal adensa e asfixia. Tudo deixa prever
a catástrofe; nada há de supérfluo.
11. A ananké (Destino): as personagens são vítimas
do Destino inexorável que se “diverte” a “brincar” com as suas vidas, antes de
sobre elas se abater irremediavelmente. Assim, é o destino que proporciona a
ausência de D. João e que motiva a mudança da família para o palácio deste; é o
Destino que faz com que os governadores espanhóis escolham o palácio de Manuel
de Sousa para aí se instalarem, o que o leva a incendiar a sua própria casa; é
o Destino que mantém D. João prisioneiro durante 21 anos e lhe permite regressar
ao lar, após esse período, facto que dará origem à tragédia.
12. A hybris (o desafio):
. de D.
Madalena:
-» contra as leis e os direitos da família:
- “pecado”/adultério no coração: amou
Manuel de Sousa desde a primeira vez que o viu, ainda D. João era vivo;;
- consumação do “pecado” pelo casamento com Manuel
de Sousa – ela não tem a certeza absoluta da morte do primeiro marido;
- profanação de um sacramento – o
casamento;
- bigamia;
- impiedade;
. de Manuel
de Sousa Coutinho:
-» revolta contra as autoridades de Lisboa,
recusando-se a recebê-las no seu palácio (I, 8, 11 e 12; II, 1);
-» desafia o Destino ao incendiar o
próprio palácio (I, 11 e 12);
-» recusa o perdão dos governadores,
“se ele quisesse dizer que o fogo tinha pegado por acaso” (II, 1);
-» inconscientemente, participa da hybris
de sua esposa:
- colabora na mentira;
- profana um sacramento;
- comete adultério;
- passa a viver em bigamia;
- usurpa o lugar que pertence, de direito, a D. João
de Portugal;
. de D. João
de Portugal:
-» abandona a esposa/família, ainda que
o faça por ideais nobres (acompanhar o rei à guerra, em defesa do reino e da
Fé);
-» o abandono da esposa é um crime
contra as leis e os direitos da família, porque a destrói – é um crime de
impiedade;
-» embora vivo, depois da batalha, fica
prisioneiro, é levado cativo para Jerusalém. E, durante 21 anos, não dá
notícias da sua existência, embora contra sua vontade;
-» aparece quando todos o julgavam
morto, arrastando consigo a tragédia;
. de Maria
de Noronha:
-» a interrupção inesperada e violenta
das cerimónias religiosas constitui profanação (II, 11);
-» a insolência e a blasfémia contra
Deus: “Que Deus é esse que está nesse altar, e quer roubar o pai e a mãe a sua
filha?”;
-» a insolência contra os ministros
sagrados nas suas funções: “Vós quem sois, espectros fatais?... quereis-mos
tirar dos meus braços?”;
-» a revolta contra D. João de Portugal
– contra os direitos deste à esposa, à família, à própria vida, direitos
baseados na lei divina e nas leis humanas: “... que me importa a mim com o
outro? Que morresse ou não, que esteja com os mortos ou com os vivos, que se
fique na cova ou que ressuscite para me matar?”;
-» a invocação de morte violenta sobre
si própria: “Mate-me, mate-me, se quer...”;
-» o desprezo pelas leis divinas e
humanas – o amor e a ternura com que tinha sido criada não suprem a ilegitimidade
do matrimónio dos pais;
-» a tentativa de renegar o seu estado
de filha ilegítima;
-» a revolta contra a profissão
religiosa dos pais;
-» a incitação dos pais a mentir:
“Pobre mãe! Tu não podes... coitada!... não tens ânimo... Nunca mentiste? Pois
mente agora para salvar a honra da tua filha, para que lhe não tirem o nome de
seu pai.”;
. de Telmo Pais:
-» afeiçoa-se a Maria;
-» relativamente a D. João:
- perjúrio e repúdio do amigo e “filho”;
- desejo de que ele tivesse morrido,
para não obstar à felicidade e à vida de Maria.
13.
O agón (conflito):
. de D.
Madalena:
. interior,
de consciência (I, 1):
- personalidade aparente, feliz, ligada a Manuel de
Sousa pelo amor-paixão;
- personalidade real ou oculta, infeliz
ou “desgraçada”, ligada a D. João pela memória do passado, pelo remorso do
presente;
. contínuo e
crescente;
. com outras
personagens:
- com Telmo (I, 2): D. Madalena não
segue o conselho de esperar o regresso de D. João, anunciado n acarta
profética, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir;
- com Maria (I, 3): os segredos, os
mistérios, os cuidados e sobressaltos que os pais manifestam relativamente a si
e cuja razão ela desconhece;
- com Manuel de Sousa (I, 7 e 8): a
necessidade de mudança para o palácio de D. João após ele ter incendiado o seu
próprio lar;
- com D. João de Portugal:
. a consciência atormentada e o remorso de D. Madalena
(I, 1);
. as conversas com Telmo (I, 2);
. as reacções de aflição, sublinhadas
pelas lágrimas, sempre que Maria se refere à crença da sobrevivência e possível
regresso de D. Sebastião (I, 3);
. a relutância de voltar a viver no
palácio de D. João (I, 7 e 8);
. a reacção tida ao chegar ao palácio de
D. João (II, 1);
. a “confissão” a Frei Jorge (II, 10);
. de Manuel
de Sousa Coutinho:
. não possui
conflito de consciência;
. não entra
em conflito com outras personagens, excepto com os governadores;
. a sua hybris
desencadeia e agudiza os conflitos das outras personagens;
. de D. João
de Portugal:
. alimenta
os conflitos dos outros:
- com D. Madalena: a consciência atormentada pelos
remorsos;
- com Telmo:
. a perda do aio por causa de Maria;
. a luta contra a resistência de Telmo à
sua ordem de mentir para salvar D. Madalena;
- com Manuel de Sousa:
. pela felicidade de ter uma filha;
. por se sentir espoliado por ele e por D. Madalena:
“Tiraram-me tudo”;
- com Maria:
. pelo simples facto de ter nascido;
. por o ter expulsado do coração de Telmo;
. agudiza
todos os conflitos com o seu regresso;
. de Telmo
Pais:
. conflito de consciência: a incompatibilidade entre o amor a D. João e
o amor a Maria (III, 4);
. mantém um conflito com outras personagens:
- com D. Madalena (I, 2):
. desaprova o casamento com Manuel de
Sousa, baseado nos dizeres da carta profética de D. João, escrita na madrugada
da batalha, e na superstição de que, se ele voltasse e aparecesse a D.
Madalena, não se iria embora sem lhe aparecer também;
. daí vieram os “ciúmes”, os agouros, os
“futuros”;
. o conflito com D. Madalena fica sempre
sem solução;
- com Maria (I, 2):
. a princípio, não a podia ver, por
causa do seu nascimento em berço ilegítimo (“Digna de nascer em melhor
estado”);
. o conflito com Maria termina, porque
ela acabou por o cativar;
. novo conflito (II, 1), no entanto, se
pode observar nas evasivas, nas meias-ver-dades, nas reticências, na relutância
em revelar a identidade da personagem do retrato;
. é Manuel de Sousa quem identifica essa
personagem (II, 2);
- com Manuel de Sousa (I, 2):
. apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua
opinião, inferior a D. João;
. por conta deste tem “ciúmes” e alguma aversão por o
considerar um intruso;
. o conflito resolve-se quando Manuel de
Sousa o cativa pelos actos de resistência aos governadores, que culminam com o
incêndio do próprio palácio (I, 7, 8 e 12), chegando mesmo a admirá-lo;
- com D. João de Portugal (III, 4 e 5):
. o amor a D. Maria venceu o amor a D. João;
. por isso, chega a oferecer a sua vida
em troca da vida “daquele anjo” e a desejar a morte de D. João;
. de Maria
de Noronha:
. não tem
conflito;
. conflito
com outras personagens:
- com D. Madalena:
. a propósito da sobrevivência e do
regresso de D. Sebastião (I, 3): D. Madalena não acredita nestes factos,
enquanto Maria acredita;
. a desconfiança de que a mãe oculta
alguma coisa muito importante (I, 4);
. não pode cumprir as esperanças nela
postas (I, 4);
. por isso, desejaria ter um irmão (I,
4);
- com Manuel de Sousa:
. duvida do patriotismo do pai (I, 3),
por causa das atitudes que ele toma ao ouvir falar de D. Sebastião;
. no entanto, a hipótese não tem
fundamento;
- com os governantes de Lisboa (I, 5): a
resistência à tirania, concretizada na ideia de lutar e organizar a defesa,
para que os governadores não entrem no seu palácio;
- com Telmo (II, 1), a propósito da
identidade da personagem do retrato:
. as meias-verdades, as evasivas de
Telmo, que a todo o transe pretende ocultar-lhe o nome do cavaleiro retratado;
. os indícios observados por Maria, nos
momentos que passou ali mesmo com a mãe, no dia da mudança para este palácio; e
a intuição do segredo e a persistência em a manterem na ignorância daquele
“mistério”;
- com D. João de Portugal:
-» antes da mudança de palácio (I, 4):
. pressente intuitivamente que alguém,
fazendo sofrer a mãe, também não a deixa ser feliz;
. por isso, procura uma resposta, com os
meios de que dispõe: a capacidade de “ler nas estrelas” e os sonhos e visões;
-» depois da mudança (II, 1 e 2):
. fica a saber, a partir da atitude da
mãe, que a figura representada no retrato e de quem ignora a identidade, é esse
alguém, causador de todos os sofrimentos;
. daí a curiosidade e a persistência das
perguntas a Telmo até à revelação da identidade do retratado; no entanto, ela
já o sabia “de um saber cá de dentro”;
-» por fim (III, 11 e 12):
. revela que sempre houve alguém
a interpor-se, entre ela e a mãe, entre ela e o pai, por intermédio da figura
simbólica de um anjo vingador: “Mãe, mãe, eu bem o sabia... nunca to disse, mas
sabia-o; tinha-mo dito aquele anjo que descia com uma espada de chamas na mão,
e a atravessava entre mim e ti, que me arrancava dos teus braços quando eu
adormecia neles... que me fazia chorar quando meu pai ia beijar-me no teu
colo”;
. identifica-o: “É aquela voz, é ele, é
ele!”.
14.
O pathos (o sofrimento):
. D.
Madalena de Vilhena:
- sofrimento por causa do adultério;
- sofrimento pela incerteza da sorte do primeiro
marido;
- sofrimento violento pela volta do primeiro marido;
- sofrimento cruel após conhecimento da existência do
primeiro marido:
. pela perda do marido;
. pela perda de Maria;
. Manuel de
Sousa Coutinho:
- sofre a angústia pela situação presente e futura da
filha (III, 1);
- sofre a angústia pela situação da sua mulher (III,
8);
. D. João de
Portugal:
- sofre o esquecimento a que foi votado;
- sofre pelo casamento de sua mulher;
- sofre por não poder travar a marcha do destino (III,
2);
. Maria de
Noronha:
- sofre fisicamente: tuberculose;
- sofre psicologicamente:
. não obtém resposta a muitos agouros;
. sofre a vergonha da ilegitimidade;
. Telmo
Pais:
- sofre pela dúvida constante que o assalta acerca da
morte de D. João de Portugal;
- sofre hesitando entre a fidelidade a D. João e a
Manuel de Sousa;
- sofre a situação de Maria.
15. A anagnórise (o reconhecimento – II, 15): o
reconhecimento do Romeiro como D. João de Portugal.
16. O clímax: a chegada do Romeiro e a sua
identificação.
17. As peripécias:
- o incêndio do palácio de Manuel de Sousa;
- a mudança para o palácio de D. João;
- a chegada do Romeiro;
- a tomada de hábito de D. Madalena e Manuel de Sousa;
- a morte de Maria.
18. A catástrofe:
- D. Madalena:
. causada
pelo regresso de D. João:
-» morte psicológica;
-» separação do marido;
-» profissão religiosa;
. salvação
pela purificação: torna-se a irmã Sóror Madalena das Chagas;
- Manuel de Sousa:
. morte
psicológica:
-» separação da esposa;
-» separação do mundo;
-» profissão religiosa;
. glória
futura de escritor ® Frei Luís de Sousa: glória de santo;
- D. João de Portugal:
. morte
psicológica:
-» separação da mulher;
-» a situação irremediável do anonimato;
- Maria de Noronha:
. morte
física;
. vai para o
céu;
- Telmo Pais: não poderá resistir a
tantos desgostos e, tal como D. João, cairá no rio do esquecimento.
19. Tal como era lei na tragédia grega, tudo isto iria
despertar nos espectadores o terror (fobos) e a piedade (éleos)
purificantes – a catarse. A catarse (purificação) realiza-se através do
castigo: o casal ingressa num convento, renunciando às paixões mundanas, Maria
morre de vergonha por causa da sua ilegitimidade e ascende, pela sua inocência,
ao espaço celeste.