● Cantiga entoada por Inês
Na cantiga que abre o monólogo
inicial [de uma das duas versões da peça que chegaram até nós], Inês questiona-se
sobre o que acontecerá quando não se vê a pessoa amada, se, vendo-a, só se
sofre e morre de amor. Deste modo, ela exprime o sofrimento de amor associado à
morte de amor, traços característicos da poesia trovadoresca, nomeadamente das
cantigas de amor.
Tendo em conta o estado de espírito que patenteia ao longo da primeira cena, a cantiga – cuja temática é o sentimento amoroso – indicia que Inês está pronta e desejosa de ter uma relação
amorosa, o que, considerando o tom queixoso do seu monólogo, lhe parece impossível
naquele momento.
● Caracterização de Inês Pereira
• Inês canta e finge que trabalha num
bordado, mas logo começa a reclamar do tédio que essa tarefa lhe causa e da
vida que leva, sempre fechada em casa. Está cansada das tarefas domésticas; é
preguiçosa – detesta a costura (vv. 3-4).
• Mostra-se aborrecida com a vida que leva (“enfadamento”),
enraivecida, furiosa e revoltada por ter de realizar tarefas de que não gosta (“Renego
deste lavrar” – v. 1; “e que raiva” – v. 6).
• Rejeita a vida que leva (“Renego deste lavrar”
– v. 3).
• Revela-se compadecida, compassiva, piedosa
em relação a si própria (“Coitada, assi hei de estar” – v. 10).
• Mostra-se determinada a encontrar maneira
de se ver livre das suas tarefas e da vida que leva (“hei de buscar maneira /
dalgum outro aviamento” – vv. 10-11).
• Sente-se prisioneira em casa da Mãe (“Coitada
assi hei d’estar / encerrada nesta casa.” – vv. 12-13) e sem horizontes.
• Queixa-se de que nunca se diverte (“Todas
folgam e eu não / todas vem e todas vão / onde querem senão eu” – vv. 25-27) e
inveja as outras moças da sua idade, que são livres de sair de casa e de se
divertir.
• Sente que a sua vida é vazia (“Esta vida é
mais que morta” – v. 30).
• Em suma, Inês queixa-se pelo facto de:
- ter de desempenhar tarefas domésticas;
- estar sempre fechada em casa;
- não se divertir;
- não ter liberdade.
● Linguagem
•
Comparações:
- “assim hei d’estar encerrada nesta casa
/ como panela sem asa / que está sempre num lugar” (vv. 12-15): a
comparação estabelece-se entre a casa, considerada uma prisão, e uma panela sem
asa, ou seja, a um objeto a que falta um elemento, a asa, para ter utilidade.
Deste modo, Inês mostra que não está satisfeita com a vida que leva,
considerando-a inútil.
- “Sam eu coruja ou corujo, / ou sam algum
caramujo”: a comparação com animais notívagos e dependentes de outros
seres, presos ou que vivem dentro de um casulo, como entende ser o seu caso
(dependente da Mãe), privada das saídas de casa durante o dia e vivendo sob a
alçada da progenitora, indiciam o seu estado emocional.
• Enumeração: “Oh Jesu que
enfadamento, / e que raiva, e que tormento, / que cegueira, e que canseira”
(vv. 7-9) – traduz a indignação que sente pela vida a que está sujeita e de que
não gosta.
• Interrogações retóricas – destacam a
insatisfação e a revolta de Inês relativamente à vida que tem:
- questiona a inutilidade da sua vida: “Coitada,
assi hei de estar / encerrada nesta casa / como panela sem asa, / que sempre
está num lugar?” (vv. 10-13);
- lamenta-se por considerar a sua vida um
desperdício: “E assi hão de ser logrados, / dous dias amargurados, / que eu
possa durar viva?” (vv. 14-16);
- questiona-se sobre a sua condição: “Hii! E
que pecado é o meu, / ou que dor de coração?” (vv. 26-27);
- enfatiza o seu lamento, o seu desespero e a
sua revolta por estar fechada em casa: “Sam eu coruja ou corujo, / ou sam algum
caramujo / que não sai senão à porta” (vv. 29-31).
• Anáfora (vv. 25-26).