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segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Análise do quadro "Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808", de Goya



             O quadro “O 3 de maio de 1808”, ou “Os fuzilamentos da montanha do Príncipe Pio”, ou “Os fuzilamentos de 3 de maio”, foi pintado por Francisco Goya (1746-1828) em 1814, seis anos após a dramática situação que narra um dos momentos mais simbólicos da resistência espanhola à invasão das tropas de Napoleão. A este quadro liga-se um outro, “O 2 de maio de 1808” (pintado igualmente em 1814), que relata o primeiro episódio deste acontecimento, ocorrido na véspera, e presumivelmente presenciado pelo pintor.

            Um acontecimento histórico trágico serviu, portanto, de motivo a este quadro. Os exércitos de Napoleão Bonaparte ocuparam a Espanha, mas no dia 2 de maio de 1808 os cidadãos de Madrid revoltaram-se contra essa ocupação das tropas napoleónicas. Na sequência dessa revolta, os franceses concretizaram uma terrível vingança, levando a cabo um massacre, fuzilando centenas de patriotas espanhóis e muitas outras pessoas que eram meras espectadoras. Goya só conseguiu registar estes factos alguns anos depois, quando o rei D. Fernando VII foi reconduzido ao trono espanhol.

            Numa poça de sangue, jazem três cadáveres no chão, enquanto um frade e alguns camponeses esperam receber a descarga, dos quais se aproxima outra fila de condenados que vão ser mortos.

            O grupo das vítimas tem no centro um homem que abre os braços, um condenado de camisa branca, um Cristo simbólico e inocente, cujo gesto se repete na figura caída em primeiro plano, que desafia os soldados sem rosto, curvados e fixos no ponto de mira. Este grupo de militares, situado à direita, significativamente de costas, empunha com violência as armas que dispara à queima-roupa. Os restantes elementos do grupo das vítimas caminham aterrorizados para a morte. Um frade reza e as restantes pessoas fazem gestos de desespero (cabeças baixas, mãos cobrindo o rosto).

            Assim sendo, pode concluir-se que a pintura constitui a denúncia da arbitrariedade do poder e da guerra que escolhe as suas vítimas entre os menores poderosos: o povo inocente. Por outro lado, configura um grito silencioso de revolta contra a opressão, em defesa do patriotismo e da liberdade, princípios muito caros aos românticos.

            No que diz respeito às cores e à luz, predominam os ocres da terra violada da Pátria e dos fatos pobres do povo. O negro representa a noite, tempo em que a ação se localiza; contra o céu escuro recorta-se o perfil da cidade-capital e, em primeiro plano, rodeado de luzes e sombras projetadas de encontro ao muro por uma lanterna, dá-se a execução brutal e impiedosa. O branco (símbolo da pureza e da paz) da camisa contrasta com o vermelho do sangue brutal e injustamente derramado, aqui e ali salpicados por leves tonalidades de azul, verde e amarelo. A luz, por sua vez, nasce da grande lanterna, no entanto, na verdade, é do homem da camisa branca que ela irradia, transformando o seu sacrifício anónimo um poderoso e digno foco dramático.

            Por último, no que diz respeito aos contornos, a pincelada é dramática, com menos contornos nos inocentes que nos carrascos. Aqueles parecem em comunhão com a terra.


Análise de "Border Patrol with Lila, Reflection and Ana", de Paula Rego



            Esta pintura de Paula Rego foi pintada em 2004 d constitui um autorretrato da pintora, assente numa espécie de jogo de espelhos.

            O plano central da obra é ocupado por uma mulher – Paula Rego –, sentada de perfil numa cadeira, com a cabeça desafiadoramente levantada. Ela veste um colete verde, com bolsos para colocar granadas, e calções da mesma cor que a cobrem sensivelmente até aos joelhos. Entre as suas pernas encontram-se as costas da cadeira, no cimo da qual tem as mãos, que seguram um pano verde em forma de boneco, possível representação de Víctor Willing, um pintor britânico conhecido pelos seus estudos originais de nus e ex-marido da pintora, falecido em 1988.

            Atrás dessa figura feminina está um espelho de pé, colocado na diagonal, onde é visível o corpo robusto de Ana, que sustém nas mãos um espelho onde surge o reflexo de Lila Nunes, que é a representante de Paula Rego no “teatro de guerra”, a modelo das suas heroínas, por meio da qual a pintora é todos e todas.

             Com este quadro, Paula Rego apresenta-se através do seu reflexo e neste consta o retrato de outra mulher: Lila Nunes, o Outro da artista. A missão da pintora é combater os mecanismos negativos que se impõem à humanidade, levando-a ao ato perverso de deglutir os próprios filhos, nomeadamente na guerra. Nesta obra, a artista está entrincheirada, opondo-se com as suas armas aos avanços e recuos de um inimigo que, na sociedade portuguesa, corresponde ao medo. Deste modo, parece que estamos na presença de uma verdadeira “operação militar, o patrulhamento das fronteiras do próprio eu, como que para ilustrar aquela iluminada afirmação de Freud de que o ego é uma criatura de fronteira. Onde acaba Lila e começa Paula?” (ROSENGARTHEN, Ruth, in Paula Rego…). Lila é Paula na tela, na qual projeta a sociedade portuguesa, assumindo-se como a encenadora que coloca no palco os elementos que a levam a questionar a realidade para fomentar a solidariedade.

domingo, 28 de agosto de 2022

"Eu te amo você", Mariana Aydar

Correção do questionário do conto «Asclépio, o "Caçador de Eclipses"»


 1. e – b – g – a – d – h – c – f.
 
2.
a. V
b. V
c. F – O pai de Asclépio ocupava esse cargo: “o Comandante Lupino decidiu-se, pois, em virtude do acidente acima descrito, a ir morar com o irmão, à data Governador-Geral de Colónia”.
d. F – “Pio, como desde petiz era conhecido entre familiares e amigos (…). Com os pais e as suas sete irmãs, vivia”.
e. F – “O Doutor Lupino, tio de Asclépio, morava também, havia meia-dúzia de anos, com a prestigiada família Euclides Semedo e fora ele o «culpado» da verdadeira paixão do sobrinho pelas «coisas da ciência»”.
f. V
g. F – “Estava-se em 1968, o país travava-se de razões com o segundo grande eclipse solar do século”.
h. F – “quando chegou à idade universitária, já em Coimbra”; “Terminado o curso, o então já Doutor Asclépio percorreu o mundo”; “Em Moçambique, onde regressava regularmente”.
i. V
j. V
k. V
l. V
 
3.
A – Primeiro parágrafo.
B – Desde o início do segundo parágrafo até “o primeiro eclipse total do Sol em terras de Moçambique”.
C – Desde “O fenómeno dos eclipses” até ao final do mesmo parágrafo.
D – Desde “Foi esse dia o espoletar de uma paixão” até ao final do mesmo parágrafo.
E – Desde “Em Moçambique, onde regressava regularmente” até ao final do mesmo parágrafo.
F – Desde “No dia do eclipse” até ao final do mesmo parágrafo.
G – Último parágrafo.
 
4.1. Asclépio é «especialista em eclipses”, divertido/bem-disposto (“O Doutor Euclides brinca.”) e experiente (“a sua experiência na matéria”).
 
4.2. A ação decorre em 1968.
 
4.3. “Certo, muito certo, mas a Dr.ª Catarata enganava-se”; “o professor Asclépio Euclides, mal-grado toda a sua experiência na matéria, que inclusive lhe valera o cognome de ‘caçador de eclipses’, teria ainda muito com que se espantar.”
 
5.1. A analepse consiste num recuo temporal, marcado no texto pelas passagens “Pio, (…) começou a interessar-se por acontecimentos raros, fenómenos científicos e afins, teria aí os seus cinco, seis anos.” e sobretudo “vivia nesses tempos do princípio do século”, entendidas como retrocessos temporais depois de se ter marcado o início da ação, no parágrafo anterior, com a expressão “Estava-se em 1968”.
 
5.1.1. O recurso à analepse prende-se com a necessidade de o narrador dar a conhecer mais profundamente, nas suas características e fatores que as motivaram, a personagem principal, Asclépio, mas também os acontecimentos anteriores ao presente da ação que contribuem para o seu entendimento mais cabal.
 
5.2. As aspas aplicadas ao adjetivo marcam não apenas a reprodução de uma palavra de Thomás Euclides Semedo, mas assinalam um sentido suavizado do vocábulo. Embora surja habitualmente como sinónimo de «criminoso», o adjetivo «culpado» realça, neste contexto, apenas a conceção que a família, nomeadamente o pai de Asclépio, tinha da influência de Lupino sobre a criança, vista como algo diferente e inabitual para a sua idade.
 
5.3. As palavras do narrador na última frase do segundo parágrafo indiciam o conhecimento de acontecimentos futuros relativamente aos apresentados, que serão expostos num momento posterior.
 
5.4.1. O uso do pretérito mais-que-perfeito, simples e composto, do indicativo (“servira”, “tinha envolvido”, “caíra”, “passara”) surge ao serviço do relato dos acontecimentos da vida passada do Tio Lupino anteriores ao momento em que se instalou em casa da família do irmão. Deste modo, confirma-se o valor semântico-funcional do tempo verbal, destinado a relatar fatos passados anteriores a outros também verificados em momentos precedentes ao presente da narração.
 
5.5. A expressão é a seguinte: “a prestigiada família Euclides Semedo”.
 
5.6.1. Após uma vida dedicada ao serviço militar, o Comandante Lupino Euclides Semedo sofreu um acidente durante uma operação de salvamento, o que lhe deixou mazelas ao nível da memória. Tal facto determinou o seu afastamento quase compulsivo do exército, atenuado apenas pela atribuição de um louvor em nome das altas patentes militares e da própria rainha portuguesa D. Maria Pia. Não sendo casado, após o abandono da vida de combatente resolveu passar a residir com o irmão e respetiva família.
 
5.7. Lupino Euclides Semedo é apresentado como comandante pronto e “célere”, caracterizado pelos seus “brios e valentia insuperáveis” e “louvável filantropia”.
 
5.8.1. Juntos, iam “inventariando fauna e flora” e dedicavam-se “a catalogar os espécimes apanhados” e a organizar uma coleção apelidada pela família de “Museu de História Natural”.
 
5.8.2. b
 
5.9.
1. d
2. f
3. a
4. e
5. b
6. c
 
5.10. A expressão é “na realidade”.
 
5.10.1. O mecanismo é a coesão interfásica.
 
5.11. Para Asclépio, os eclipses constituiriam verdadeiros “milagres” naturais, pelo que lhe despertavam grande “ansiedade”. No dia do fenómeno, ele e o tio “deslumbravam-se” com o acontecimento. Os restantes habitantes da região sentiam-se “desprevenidos e temerosos” face à ocorrência.
 
5.12. Os dois vocábulos são “desatino” e “pandemónio”.
 
5.13.1. Enquanto na segunda oração o verbo é usado no seu sentido mais comum, o de ‘dizer orações, orar’, na primeira ele surge com uma aceção menos vulgar, que remete para a ação de ‘narrar, referir’.
 
5.14. A enumeração, entendia com um sentido gradativo, especifica os sentimentos e as atitudes daqueles que, receando o eclipse, começavam por se lamentar, passando, depois, a solicitar auxílio num crescendo de intensidade que culmina no entendimento do fenómeno como um castigo de que se procuram libertar, solicitando perdão pela razão que o possa ter determinado.
 
5.15. Uma vez que o eclipse era entendido pela população moçambicana em geral como manifestação de entidades superiores (“deuses”), o narrador comenta, ironicamente, que seria compreensível que todos os agentes dedicados às ciências ocultas se mantivessem disponíveis para assistir as pessoas nos seus “medos e crendices”.
 
5.16. A ação decorre em plena época de colonialismo português em Moçambique, pelo que a metrópole constituía o recurso das famílias de estatuto social elevado para suprir a falta de meios que se sentia na colónia.
 
5.17. A oração desempenha a função sintática de complemento direto.
 
5.18. O processo morfológico é a derivação por sufixação.
 
5.19.1. A sequência inicia-se com o regresso ao momento do presente da ação, já apresentado no início do conto: “ano de 1968”.
 
5.20.1. A frase é a seguinte: “As pessoas saíram confiantes, gargalhando os medos e os temores.”
 
5.20.2. O gerúndio da forma “gargalhando” coloca em destaque a duração da ação (aspeto lexical imperfetivo), dando a entender que durante largos momentos e com persistência as pessoas, “confiantes”, superaram os seus “medos” e “temores”.
 
5.21.1. Considerando o número da perfeição, o três remete para a completude e a inteireza. Prepara-se o eclipse para que se complete, no céu, a ordem, ao terceiro dia. O homem, Asclépio, será o intermediário entre a terra e o céu, ligando-os. Note-se que o eclipse durou “três minutos”, associando-se esta referência também à simbologia do número.
 
5.21.2. O conector transmite uma ideia de conclusão relativamente à descrição das consequências do eclipse anteriormente discutida.
 
5.22.1. A sequência descritiva inicia-se no começo do parágrafo e prolonga-se até à primeira oração da frase “Aguardavam expectantes, e quando o Sol começou a vestir-se de negro uma onda de suspiros ressoou no silêncio instalado”. A segunda oração da mesma frase marca o início da sequência narrativa.
 
5.22.2. Na descrição predominam as formas verbais no pretérito imperfeito (“reinava”, “encontrava-se”, “sentiam”, “Aguardavam”), enquanto na narração predomina o pretérito perfeito (“começou”, “ressoou”, “foram”, “reparou”).
 
5.23.1. O verdadeiro prodígio do dia foi o “desaparecer como se por magia” do Dr. Asclépio Euclides, depois de ter sido envolvido por “uma densa sombra negra” e de se ter incinerado. Deste modo, as aceções 3., 4. e 5. do verbete serão as mais adequadas, remetendo para o obscurecimento e posterior desaparecimento da personagem.
 
5.23.2. O eclipse de Asclépio, provocando inicialmente um enorme “espanto”, fez ressurgir o “corrupio” da população.
 
5.24. c
 
5.24.1. À palavra solo, que está na origem, foram acrescentados simultaneamente um prefixo e um sufixo, fundamentais para a existência do vocábulo.
 
6.1.1. O sufixo diminutivo, usado com valor depreciativo, retira valor à figura representada pela estátua e ironicamente remete para o objetivo mesquinho da sua construção, destinada essencialmente a atingir fins eleitoralistas.
 
6.1.2. O escultor conseguiu reproduzir na própria estátua de Asclépio o fenómeno do eclipse que levara ao seu desaparecimento, alternando fases de escuridão sob a luz solar e de luminosidade à noite. Como se por magia, Asclépio eclipsara-se e, também com alguma magia, se recordava a sua figura através desta estátua.
 

Ligações:
    👉 Texto.
    👉 Questionário.

Tesla e Edison


 

sábado, 27 de agosto de 2022

Estudo húngaro alerta contra elevado nível de instrução das mulheres

    A elevada presença das mulheres no ensino superior pode causar problemas demográficos, dificultando a procura de um parceiro”, defende-se no documento, citado pelo diário digital Hvg.

    O Instituto Nacional de Estatística da Hungria alertou hoje para os riscos económicos e demográficos que teria para o país um número elevado de mulheres com formação universitária, num estudo criticado como “machista”.

    Sob o título “Fenómeno de educação cor-de-rosa na Hungria?”, o estudo elaborado pelo INE húngaro e hoje classificado na imprensa local como “sexista” e “machista” manifesta-se, entre outras coisas, contra a desvalorização dos “atributos masculinos”.

    “A elevada presença das mulheres no ensino superior pode causar problemas demográficos, dificultando a procura de um parceiro”, defende-se no documento, citado pelo diário digital Hvg.

    Por outro lado, o estudo sustenta que, nas escolas, são consideradas mais importantes as “qualidades femininas”, entre as quais aponta “maturidade emocional e social, empenho, obediência, tolerância da monotonia [e] boa expressão oral e escrita”.


    A notícia pode ser encontrada no "Jornal Económico" on-line [ligação].
    Um conselho aos húngaros que pensam assim: tranquem as vossas mulheres em casa e deitem a chave fora, depois de lhes fazerem filhos até mais não, de preferência machos, para dotarem o país de mão de obra bruta e bronca.

Questionário sobre o conto «Asclépio, o "Caçador de Eclipses"»

 1. Ordene cronologicamente os acontecimentos relatados no texto.
a. Primeiro eclipse total do Sol em Moçambique.
b. Mudança de Lupino Euclides Semedo para casa da família de Asclépio.
c. Palestra de Asclépio e Letícia Catarata.
d. Vida académica de Asclépio em Coimbra.
e. Campanhas militares do Comandante Lupino Euclides Semedo em Lourenço Marques.
f. Eclipse solar em 1968.
g. “Expedições científicas” de Lupino e Asclépio, durante a infância deste.
h. Périplo de Asclépio pelo mundo, dedicado ao estudo de eclipses.
 
2. Após uma primeira leitura do conto, classifique como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmações que se seguem, corrigindo devidamente as que considerar inexatas.
a. A ação do conto decorre em Moçambique.
b. O protagonista, Asclépio Euclides, é perito particularmente em eclipses solares.
c. Lupino Semedo, tio de Asclépio, ocupava o cargo de Governador-Geral de Colónia.
d. Asclépio era filho único e conhecido entre as pessoas mais próximas como Pio.
e. O protagonista despertou para os fenómenos científicos por influência paterna.
f. Asclépio frequentou, na universidade, o curso de Direito.
g. A ação principal desenrola-se em torno do único eclipse solar do século XX.
h. Asclépio viveu toda a vida no seu país natal.
i. Na época em que decorrem os acontecimentos relatados no conto, os eclipses eram entendidos pela generalidade da população como prodígios naturais ameaçadores.
k. O narrador do conto é heterodiegético.
l. As sequências alusivas à infância e juventude são encaixadas na narrativa principal.
 
3. Delimite no texto as suas sete sequências narrativas, considerando os seguintes momentos:
 

Introdução

A

Apresentação do protagonista e da situação inicial: preparação para o eclipse solar.

Desenvolvimento

B

Primeiro momento

Descrição, em analepse, da vida do Tio Lupino e das vivências partilhadas com Asclépio durante a sua infância.

C

Segundo momento

Explicação do surgimento do fascínio de Asclépio por eclipses.

D

Terceiro momento

Relato do percurso académico e profissional de Asclépio

E

Quarto momento

Narração do regresso de Asclépio a Moçambique e dos preparativos para o eclipse.

F

Quinto momento

Apresentação dos acontecimentos do dia do eclipse.

Conclusão

G

Exposição das consequências do eclipse.

 
4. Atente na Introdução do conto.
 
4.1. Mencione as três características da personalidade de Asclépio Euclides apresentadas.
 
4.2. Identifique o tempo cronológico em que decorre a ação.
 
4.3. No final do primeiro parágrafo, o narrador antecipa acontecimentos futuros, posteriormente narrados. Comprove.
 
5. Atente no Desenvolvimento do texto.
 
PRIMEIRO MOMENTO
5.1. Prove, a partir de elementos textuais, que o início do desenvolvimento corresponde a uma analepse que se prolongará até ao final do terceiro momento desta parte.
 
5.1.1. Refira a importância deste recurso narrativo de apresentação temporal no contexto do conto.
 
5.2. Destaque o valor das aspas no adjetivo «culpado», referente ao Tio Lupino.
 
5.3. A última frase do segundo parágrafo funciona como breve analepse no contexto da narrativa. Justifique a afirmação.
 
5.4. «O Doutor Lupino, tio de Asclépio, morava também, havia meia-dúzia de anos, com a prestigiada família Euclides Semedo (…)».
 
5.4.1. Tendo em conta que o terceiro parágrafo do texto surge na sequência da frase acima transcrita, explicite o valor da utilização do pretérito mais-que-perfeito nesse trecho da narração.
 
5.5. Transcreva a expressão que remete para o espaço social em que se movimentavam os elementos da família Euclides Semedo.
 
5.6. «Solteirão dos quatro costados, o Comandante Lupino decidiu-se, pois, em virtude do acidente acima descrito, a ir morar com o irmão (…)».
 
5.6.1. Resuma os acontecimentos que determinaram a mudança do Tio Lupino para a casa da família Euclides Semedo.
 
5.7. Proceda à caracterização direta de Lupino Euclides Semedo a partir do documento de louvor lavrado em relação à sua pessoa.
 
5.8. No parágrafo final desta sequência, o narrador procede à exposição das atividades a que se dedicavam tio e sobrinho, «investidos em verdadeiros cientistas, biólogos, botânicos, geógrafos, geólogos e até astrónomos, num crescendo de aprendizagem ‘in loco’ (…)».
 
5.8.1. Enumere essas atividades.
 
5.8.2. Partindo contexto em que surge, assinale o significado da expressão latina «in loco».
a. no limite.       b. no próprio lugar.    c. naquele tempo.      d. por inteiro.
 
5.9. Faça corresponder a cada uma das frases iniciadas na coluna A uma terminação da coluna B, de modo a obteres afirmações verdadeiras.
 
A
 
1. Com o recurso ao advérbio com valor modal “diplomaticamente”,

2. Na frase “(…) foi Lupino convencido, ou melhor, convidado a antecipar a reforma da sua valorosa carreira militar (…)”, com a mudança da forma adjetival do particípio passado,

3. Através da anteposição do adjetivo face ao nome qua qualifica na expressão “pequeno génio”,

4. Com a utilização do adjetivo presente na passagem “Enquanto as sete manas se entretinham (…) a dedilhar intermináveis escalas (…)”,

5. Com o uso dos vocábulos “embrenhava-se” e “matas” na descrição das “expedições científicas” de Asclépio e Lupino,

6. Na frase “Mas juntos, (…) sobrinho e tio demoravam-se horas após horas, tardes após tardes, dias após dias, meses e anos sem fim, inventariando fauna e flora que lhes aparecessem pela frente.”,

 

B
 
a. o narrador confere-lhe um valor subjetivo e afetivo.

b. o narrador, recorrendo ao disfemismo, torna mais agreste e selvagem a atividade.

c. o narrador utiliza a gradação com a finalidade de ressaltar o crescente interesse pela ocupação.

d. o narrador destaca a habilidade com que foram tratados os interesses militares.

e. o narrador salienta, ironicamente, o caráter repetitivo da ação.

f. o narrador serve-se de um eufemismo para atenuar a situação apresentada.

 
SEGUNDO MOMENTO
5.10. Indique a expressão que, no início do parágrafo deste segundo momento, recupera e realça a última ideia do segmento narrativo anterior.
 
5.10.1. Refira o mecanismo de coesão que a sua utilização configura.
 
5.11. Comprove com elementos textuais que os sentimentos despertados pelo eclipse junto de Asclépio diferiam grandemente dos da restante população.
 
5.12. Identifique os dois vocábulos utilizados pelo narrador para dar conta da confusão gerada no dia do primeiro eclipse total do Sol em Moçambique.
 
5.13. Na frase «Reza a história – e muito rezou o padre local», surge um trocadilho que explora o valor polissémico do verbo rezar.
 
5.13.1. Esclareça os dois sentidos com que é utilizado na frase.
 
5.14. Refira o valor expressivo da enumeração das reações dos populares ao eclipse: «(…) com gentes de todas as idades (…) gritando ais e ajudas, socorros e clemências aos mais dignos e mesmo aos mais indignos deuses (…)».
 
5.15. Explique o comentário do narrador relativamente ao que se passou nas semanas posteriores ao eclipse: «De plantão, nas semanas seguintes, ficaram igualmente, e como se compreende, todos os curas, curandeiros, adivinhos e sibilas da terra.»
 
TERCEIRO MOMENTO
5.16. Tendo em conta o tempo histórico e o espaço social em que decorre a ação do conto, justifique a referência à “Metrópole”.
 
5.17. Aponte a função sintática desempenhada pela oração infinitiva sublinhada na frase: “Um dia, em entrevista a um programa de rádio, chegou a confidenciar ter perdido a conta ao número de eclipses testemunhados (…)”.
 
5.18. Identifique o processo morfológico de formação de palavras que deu origem aos vocábulos «solares» e «verdadeira».
 
QUARTO MOMENTO
5.19. Esta sequência narrativa retoma o tempo cronológico da ação, identificado na introdução e interrompido pela analepse do início do desenvolvimento.
 
5.19.1. Confirme a afirmação.
 
5.20. Asclépio retorna a Moçambique como convidado para proferir uma palestra sobre eclipses, uma vez que estava para breve a ocorrência de um desses fenómenos.
 
5.20.1. Transcreva a frase que evidencia o impacto das suas palavras no auditório.
 
5.20.2. Refira um dos efeitos de sentido produzidos pela utilização do gerúndio nessa mesma frase.
 
5.21. «Três dias depois se veria, afinal, o que era aquilo de um eclipse total, ou quase, e que efeitos na realidade teria”.
 
5.21.1. Interprete o valor simbólico do número três na alusão ao número de dias de preparação para o eclipse.
 
5.21.2. Mencione a ideia expressa pelo conector «afinal».
 
QUINTO MOMENTO
 
5.22. O relato do «dia do eclipse» começa com um breve trecho descritivo.
 
5.22.1. Demarque o momento em que termina a descrição e principia a narração do fenómeno.
 
5.22.2. Distinga essas duas sequências textuais (descritiva e narrativa) quanto aos tempos verbais dominantes.
 
5.23. Atente no verbete da palavra «eclipse».
 

Eclipse – 1 n.m. ato ou efeito de eclipsar; 2 ASTRONOMIA ocultação total ou parcial de um astro pela interposição de outro entre ele e o observador ou pela entrada daquele astro na sombra de outro; 3 [fig.] obscurecimento; 4 [fig.] desaparecimento; 5 [fig.] ausência; ASTRONOMIA eclipse da Lua ocultação total ou parcial da Lua (…); ASTRONOMIA eclipse do Sol ocultação total ou parcial do Sol (…); PSICOLOGIA eclipse mental desaparecimento extremamente breve da consciência ou, pelo menos, do domínio do pensamento, psicolepsia (Do gr. ékleipsis, «eclipse; ocultação», pelo lat. eclipse-, «idem»)

 
AA. VV., 2004. “Eclipse”, in Grande Dicionário da Língua Portuguesa.
Porto: Porto Editora (texto adaptado e com supressões)
 
5.23.1. Indique qual das aceções do vocábulo s pode aplicar ao verdadeiro e raro «fenómeno» do dia.
 
5.23.2. Aponte as suas consequências.
 
5.24. Consulte num dicionário o significado de «assolar» e, a partir dele, assinale a palavra que lhe está na origem.
a. Sol               b. sola             c. solo              d. solar
 
5.24.1. Trata-se de um vocábulo formado por derivação (parassíntese). Justifique a afirmação.
 
6. Considere, finalmente, a Conclusão da narrativa.
 
6.1. “Com o tempo”, Asclépio foi alvo de homenagens.
 
6.1.1. Os políticos «(…) aproveitaram para encomendar mais uma estatuazita.». Explicite o valor do sufixo diminutivo presente na palavra «estatuazita».
 
6.1.2. Um «escultor da terra» conseguiu uma «forma curiosa e interessante» de cumprir o desígnio dos políticos e manter a lembrança da história de Asclépio, Explique como o conseguiu.
 

Ligações:
    👉 Texto.

Conto «Asclépio, o "Caçador de Eclipses"», de Pedro Teixeira Neves

        Asclépio Euclides, especialista em eclipses, lunares e solares, embora graduado com distinção nestes últimos, tentava acalmar a sua audiência quanto aos efeitos nefastos do fenómeno solar que se previa para os dias seguintes, um eclipse solar a oitenta por cento! “Poderão, de qualquer modo, e se assim o entenderem – isto é, se o medo for muito… –, ir rezar umas ave-marias e uns pai-nossos para a igreja. O Padre Santinho por certo vos acolherá dizendo que ‘a luz de Deus, essa, jamais se apagará aos fiéis!’”. E sorriu, tirando os óculos ao mesmo tempo que passava a palavra à sua colega de bancada, a Dr.ª Letícia Catarata. Que usou da dita nestes termos: “O Doutor Euclides brinca. Nada receiem. Uma certeza, porém! Não deverão jamais olhar diretamente para p Sol. Os eclipses são fenómenos perfeitamente naturais e não só nunca fizeram mal a ninguém como nunca farão.” Certo, muito certo, mas a Dr.ª Catarata enganava-se. Tão rotundamente como a note que daí a três dias, em pleno meio-dia, engoliria a quase totalidade da luz solar. Estava-se em 1968, o país tratava-se de razões com o segundo grande eclipse solar do século e o professor Asclépio Euclides, malgrado toda a sua experiência na matéria, que inclusive lhe valera o cognome de “caçador de eclipses”, teria ainda muito com que se espantar.
Pio, como desde petiz era conhecido entre familiares e amigos, começou a interessar-se por acontecimentos raros, fenómenos científicos e afins, teria aí os seus cinco, seis anos. Com os pais e as suas sete irmãs, vivia nesses tempos do princípio do século em Moçambique, próximo da exuberante Foz do Rovuma. O Doutor Lupino, tio de Asclépio, morava também, havia meia-dúzia de anos, com a prestigiada família Euclides Semedo e fora ele o “culpado” da verdadeira paixão do sobrinho pelas “coisas da ciência”, como às apetências da criança sempre se referia, em conversas com amigos, o pai do pequeno Pio, Thomás Euclides Semedo, desse modo como que dizendo esperar que fossem aquilo apenas “manias da idade”. Que não eram, como se verá.
O tio Lupino servira em Lourenço Marques durante largos anos, mas depois de uma aparatosa operação de salvamento em que se tinha envolvido, a um corneteiro da rainha que caíra às revoltas águas de um rio, Lupino, batendo com a cabeça num tronco de +arvore, passara a sofrer de uma progressiva “falta de memória”, como vaticinaram diplomaticamente os dois médicos chamados a opinar sobre o caso. Acontecera isso em 1902 e logo delicadamente foi Lupino convencido, ou, melhor, convidado a antecipar a reforma da sua valorosa carreira militar. Não lhe fizeram a coisa sem mais nem menos, pois sempre se tratava de um Comandante. Para que não fizesse muitas ondas, lavraram-lhe então um louvor em que se elencavam todos os seus feitos em cumprimentos de missão, documento esse que a própria Rainha se encarregou de assinar. Nos seguintes termos constava e o mesmo Lupino, aos olhos de quantos visitavam a fazenda Semedo, fazia questão de dar a conhecer:
 

“Louvor ao Comandante Euclides Semedo,

 
Em virtude de: 1.º No decorrer da expedição aos Grandes Lagos, em 1879, ter salvo a golpe de espada, e com risco da própria vida, um seu subordinado que se vira atacado por um feroz leão; 2.º Aquando da expedição a Inhambane, em 1893, ter providenciado e comandado de forma pronta e célere o combate às chamas que haviam deflagrado no acampamento do corpo expedicionário; 3.º Ter participado, em 1895, com brio e valentia insuperáveis, nas campanhas de pacificação de Moçambique comandadas pelo excelentíssimo Capitão Mouzinho de Albuquerque; 4.º Ter, em 1902, e enquanto Comandante da Coluna do Barué, em operações por Manica, ajudado ao salvamento do corneteiro da Rainha n.º 6/199 da segunda companhia que por accidente cahiu ao rio Inhamucarara; ter ainda participado nas seguintes ações: Combate de Xoarira, Ataque e tomada da Denga de Ranguand, Escaramuça ao norte do monte Nhangara, Recontro de Bexinga, todos estes atos em 1902.
Por, em todas estas ocasiões, ter dado bastas provas da sua louvável filantropia, recomenda o Excelentíssimo General Seraphim Ferreira Júnior que individualmente se louve o Comandante Lupino Euclides Semedo.
 
Lourenço Marques, 25 d’agosto de 1902
 
o General Seraphim F. Júnior
a Rainha
(assinaturas irreconhecíveis)”
 
Solteirão dos quatro costados, o Comandante Lupino decidiu-se, pois, em virtude do acidente acima descrito, a ir morar com o irmão, à data Governador-Geral de Colónia, posto cimeiro na hierarquia da administração colonial em Moçambique. E era um pequeno génio o homem que desde então passou a fazer companhia ao jovem Asclépio – filho nunca tido embora sempre desejado –, povoando-lhe a infância de descobertas e sensações que jamais esqueceria. Enquanto as sete manas se entretinham com a mãe e duas precetoras a aprender as graças e predicados de boas fadas do lar, e, nos intervalos da culinária e dos lavabos, a dedilhar intermináveis escalas no velho piano de cauda, Asclépio, ou Pio, embrenhava-se com Lupino pelas matas circundantes à casa da fazenda em autênticas expedições científicas ao melhor estilo de um Serpa Pinto, que não muito antes se embrenhara com sucesso pelos intestinos africanos, aventurando-se por terras e horizontes onde até então só bicharada existia – pelo menos na imaginação e conhecimento dos ocidentais, cujos mapas da época, de resto, isso mesmo comprovavam apresentando ferozes e coloridos animais no interior do Continente Negro; foi assim até finais do século XIX. Mas juntos, dizia-se, como se duas crianças, que um era, o outro já nem por isso, sobrinho e tio demoravam-se horas após horas, tardes após tardes, dias após dias, meses e anos por fim, inventariando fauna e flora que lhes aparecessem pela frente. E não era tão pouca quanto isso! No velho barracão por detrás das cavalariças, entretinham-se depois de cada investida prospetiva, até que os chamassem para o jantar, a catalogar os espécimes apanhados, constituindo aquilo que na família já se dizia ser um “Museu de História Natural”. Na verdade, não seria muito mais do que um interesse gabinete de curiosidades. Mas foram anos passados naquela vida, investidos em verdadeiros cientistas, biólogos, botânicos, geógrafos, geólogos e até astrónomos, num crescendo de aprendizagem “in loco” que teve um dos seus pontos altos no ano de 1919, quando se deu o primeiro eclipse total do Sol em terras de Moçambique.
 O fenómeno dos eclipses foi, na realidade, de tudo quanto lhe aguçou a curiosidade do tio Lupino, o que mais entusiasmou o pequeno Asclépio. E quantas noites não demorou ele a adormecer esforçando-se por compreender, como vira nas páginas de um magnífico livro ilustrado inglês, tamanho mistério da natureza. E assistir a um desses milagres d ao vivo!? Não seria fantástico!? – Mas quando, Tio Lupino, quando?, perguntava-lhe amiúde todo ansiedade. Na verdade, de por via da raridade de tais acontecimentos, o jovem Pio só aos dezanove anos pôde pela primeira vez testemunhar um eclipse solar, e logo um eclipse total! Foi isso a 29 de maio de 1919, dia em que na generalidade do território moçambicano, mas com especial incidência ou privilégio de primeira plateia para as populações da Foz do Rovuma, todos os olhos, muito brancos e arregalados, se voltaram desprevenidos e temerosos para o Astro-Rei. Reza a história – e muito rezou o padre local, o pároco Maciel Vinhas, para que as populações se acalmassem e a vida voltasse à normalidade! – que foi naquelas terras um desatino de primeira grandeza. Uma coisa assim nunca vista, com gentes de todas as idades disparando para debaixo de tudo quanto fosse sítio ou toca, gritando ais e ajudas, socorros e clemências aos mais dignos e mesmo aos mais indignos deuses que se conheciam ou conheceram por tais bandas. Para que se tenha uma ideia do pandemónio que três minutos de Sol encoberto criaram, diga-se tão-só que nunca como naquele santo dia o Padre Maciel vira a sua igreja tão cheia de ovelhas – claro está que para ele era um regalo! De plantão, nas semanas seguintes, ficaram igualmente, e como se compreende, todos os curas, curandeiros, adivinhos e sibilas da terra. Kalunga, Deus do Mar, foi um dos mais requisitados, e entre feitiços, idolatrizações, amuletos e talismãs, havia para todos os gostos. Ao invés, contentes da vida e alheios a toda esta parafernália de medos e crendices, na sua fazenda, em posto de observação eleito, Lupino e Pio deslumbravam-se com o fenómeno.
Foi esse dia o espoletar de uma paixão arrebatadora em Asclépio. Embrenhou-se nos manuais, cresceu a pedir ao Tio Lupino que mandasse vir da Metrópole e do estrangeiro literatura sobre o assunto, e quando chegou à idade universitária, já em Coimbra, perdeu-se em bibliotecas estudando tudo o que alguma vez fora estudado e posto em papel sobre Eclipses. A coisa foi a tal ponto que Asclépio só aguentou os grossos volumes e legislações de Direito em que o pai insistira que cursasse. As ciências eram o seu futuro. E foram, tendo Asclépio vindo a formar-se em Ciências Astronómicas com vinte valores, especializando-se e discutindo teses versando os eclipses solares. Terminado o curso, o então já Doutor Asclépio percorreu o mundo numa verdadeira caçada aos eclipses, desse modo aprofundando os seus conhecimentos. Um dia, em entrevista a um programa de rádio, chegou a confidenciar ter perdido a conta ao número de eclipses testemunhados – o entrevistador, um radiofonista de nome Igrejas qualquer coisa, espantou-se numa voz de tom afetado e ondulante, perguntando depois pela “querida mãezinha do Doutor Asclépio”.
Em Moçambique, onde regressava regularmente, passou a ser conhecido como “o caçador de eclipses”. Era um homem querido pelas populações, um homem da terra cuja bonomia e ciência cativavam o mais relutante espírito, e que por isso mesmo, no ano de 1968, por via da aproximação do segundo eclipse solar no território, convidado a fazer um esclarecimento geral sobre eclipses, congregou em palestra um vasto auditório de negros e brancos. Um facto de monta, tanto mais que nessa altura o povo moçambicano, a exemplo das demais colónias portuguesas, encontrava-se em guerra contra a Metrópole num processo de conquista e independência então ao rubro. “Nada temam”, disse a Dr.ª Letícia Catarata secundando as palavras e a boa disposição do Professor Asclépio Euclides. As pessoas saíram confiantes, gargalhando os medos e os temores. Três dias depois se veria, afinal, o que era aquilo de um eclipse total, ou quase, e que efeitos na realidade teria.
No dia do eclipse, a calma, na medida do possível, reinava em Lourenço Marques. Na praça central da cidade, com as esplanadas cheias e todas as janelas abertas em sentinela para o céu, Asclépio encontrava-se rodeado de pessoas que, sabe-se lá por que razão, talvez pelo currículo do professor, junto dele mais seguras se sentiam. Aguardavam expectantes, e quando o Sol começou a vestir-se de negro uma onda de suspiros ressoou no silêncio instalado. E foram três minutos de bocas abertas e olhos apontados às alturas numa tal concentração que ninguém reparou que ali mesmo, pés bem assentes no chão, um outro fenómeno decorria. Foi um grito estridente da Dr.ª Catarata, seguido de desmaio, que deu o alerta: “Professooooooooor!!!” Meteu medo! Então, clareando de novo o dia, puderam todos aperceber-se do sucedido, fenómeno esse, sim, digno do maior espanto e respeito. Ali, no meio da praça, o próprio Professor Asclépio começando por ver-se assolado, dos pés para a cabeça, por uma densa sombra negra, acabou, primeiro por ficar negro como um tição, e logo depois, num estalar de dedos, por desaparecer como se por magia. Esfumando-se, nem mais nem menos. Um “Ahhhhhhhhhh” de espanto ainda maior que o antecedente varreu a praça. Claro está, foi de novo um corrupio a lembrar o de 1919 e, como setenta e duas horas antes vaticinara no seu discurso o Doutor Asclépio, mesmo se brincando, o Padre Santinho não teve mãos a medir.
Com o tempo o povo e as autoridades aceitaram o sucedido. Explicações, houve quem as tentasse, mas sem sucesso. A Dr.ª Catarata, coitada, acabou os seus dias num hospital psiquiátrico e os políticos logo, logo aproveitaram para encomendar mais uma estatuazita. Sempre daria para mais uma tesourada e alguns aplausos que devidamente contabilizados poderiam ajudar nas eleições. A coisa fez-se, sob assinatura de um escultor da terra que de forma curiosa e interessante trabalhou a sua homenagem ao extinto ou eclipsado Professor Asclépio. No sítio exato onde se esvanecera surgiu, passados alguns meses, uma estátua negra, de formas arredondadas, que tinha a particularidade de à luz do Sol escurecer e à noite, como se por magia, emanar uma estranha luz. A conselho do velho Tio Lupino, que já passara os cem anos, podia ler-se, em epitáfio, lembrando famosa sentença de Hermes: “Grande milagre, ó Asclépio, é o homem”.
 
Pedro Teixeira Neves, “Asclépio, o ‘Caçador de Eclipses’”, in Mealibra


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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Benfica vence a Supertaça de futebol feminino


 

Análise de "O Almoço do Trolha", de Júlio Pomar


             Este quadro é da autoria de Júlio Pomar e foi pintado em 1947, sendo considerado um dos marcos fundamentais da pintura neorrealista em Portugal.

            O espaço onde decorre a cena representada é quase completamente ocupado pelas figuras humanas, que parecem não caber nos limites da tela, uma sensação que é acentuada pelas barras que se veem em fundo, muito próximas, e pela envergadura do homem.

            As figuras humanas são, no fundo, seres confinados ao espaço que sobra, uma família pobre constituída por marido, esposa e filho. O homem é um trabalhador da construção civil, o que torna mais absurda a sua situação naquele espaço onde não cabe, ele que constrói o espaço para os outros. É forte, tem mãos grandes e fortes de trabalhador, mas o que ganha não é suficiente para levar uma vida que traga alegria e felicidade à família. O seu rosto é anguloso, quase duro, e digno. A seu lado, a mulher, que lhe trouxe o almoço ao local de trabalha, olha-o com ternura e tristeza em simultâneo. Está sentada num tijolo e tem um filho ao colo. A criança, muito pequena, parece triste. Seja qual for a sua situação económica e social, parece haver grande união e intimidade entre os três.

            A pintura, por outro lado, é áspera, como áspera é a vida dos trabalhadores e daquela família. As coras frias predominam, exceto no caso da figura feminina. Ela enverga um xaile vermelho vivo, o que significa que traz vida ao marido. Este vermelho, combinado com o verde da saia, confere harmonia e evoca a bandeira de Portugal. Por seu turno, o homem está vestido com tons claros, quase brancos, e, apesar da aspereza da pintura, parece irradiar uma certa luz que, conjugada com a sua força, faz dele uma espécie de herói em potência.

            Esta conceção do trabalhador como herói é uma das características centrais do Neorrealismo, que sustentava que a arte deveria estar ao lado da luta dos trabalhadores proletários pela sua libertação.

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