terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
O Acordo Ortográfico em cartune (I)
Os "Vencidos da Vida"
● A partir de 1887 e até 1889, várias
personalidades relevantes da vida literária, desiludidas com a situação
política portuguesa, passaram a reunir-se, semanalmente, à mesa do Café Tavares
e do Hotel Bragança, para jantar e para discutir assuntos relacionados com a sociedade,
a política, a cultura e a literatura.
● Estes intelectuais, herdeiros da Questão
Coimbrã e das Conferências Democráticas do casino, pretendiam demonstrar o seu
desencanto e pessimismo em relação ao rumo da sociedade portuguesa.
● O grupo era constituído pelos elementos mais
destacados da Geração de 70, nomeadamente Eça de Queirós (a partir de 1889,
sempre que se encontrava em Lisboa, nos intervalos da sua atividade consular),
Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Carlos Mayer.
● Em 1888, o próprio Oliveira Martins batizou o
grupo com a designação de Vencidos da Vida, em razão do seu diletantismo
e de um certo mundanismo desencantado, de um desalento e frustração que, no
fundo, eram os sentimentos de uma geração – a de 70 – que almejara a transformação
e reforma sociocultural do país, mas falhara.
● Com a morte e o afastamento progressivo dos
seus membros, o grupo dos Vencidos da Vida dissolveu-se por volta de 1894.
Para maior informação consultar http://teresamarques2009.wordpress.com/eca-de-queiros/os-vencidos-da-vida/.
A Geração de 70 e a Questão Coimbrã
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Realismo e a Geração de 70
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1. A Geração de 70
A segunda geração romântica,
geração ultrarromântica, liga-se ao
período da Regeneração, fase de estabilização aparente da vida social e
política, conseguida através da:
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eliminação da ala esquerda do Liberalismo;
.
criação duma oligarquia que deturpou as reformas sociais de Mouzinho da Silveira,
degradou os ideais do Liberalismo e deu lugar a uma nova classe dominante.
Esta geração romântica, despojada
da pureza dos ideais que tinha caracterizado a primeira geração, vivia num
compromisso assumido e proveitoso com o governo, ocupava cargos privilegiados,
dominava a administração pública, a imprensa, a política e a literatura. Tudo
parecia querer traduzir a vontade e os princípios orientadores do governo. A
Literatura é mais do que nunca um fenómeno oficial, marcado pelo conservadorismo
ideológico e pela deterioração duma estética cada vez mais estereotipada.
O paternalismo / autoritarismo
destes valores tem em Castilho o seu representante máximo. Este poeta ultrarromântico,
com uma formação neoclássica e conservadora, é a figura venerada, o patriarca
dos ultrarromânticos a cuja apreciação sujeitam toda a produção literária com
o objetivo de obterem a sua adesão, a sua avaliação favorável, condição suficiente
para os impor junto dos editores e do público em geral. Castilho alimentou
este clima, este estado de espírito medíocre que nada tinha de promissor e de
fecundo, tornando-se um dos grandes responsáveis pela decadência do
Romantismo português e pela rutura polémica que lhe pôs fim.
Esta situação literária, que tem
como suporte o enfeudamento ao poder, o elogio mútuo, o protecionismo e a
consequente falta de qualidade e de criatividade, dá azo a que um grupo de jovens
intelectuais, ligados à Universidade de Coimbra assuma a coragem da
"rebelião" contra os literatos de Lisboa e o seu mestre e protetor.
Este grupo ficou a ser conhecido por Geração de 70.
A Geração de 70 é, basicamente, um
grupo de jovens intelectuais estudantes na Universidade de Coimbra, do qual
fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho
Ortigão, Guerra Junqueiro e outros, que surge a contestar os excessos do
Ultrarromantismo, representados por uma plêiade de escritores sob a égide de
António Feliciano de Castilho.
2.
Questão Coimbrã
O primeiro sinal da renovação
literária e ideológica foi dado na Questão Coimbrã, onde se defrontaram os
defensores do statu quo literário e
um grupo de jovens escritores estudantes em Coimbra, mais ou menos
entusiasmados pelas leituras e correntes estrangeiras.
O motivo da "Questão"
foi aparentemente trivial. O conjunto de acontecimentos que a rodearam pode
resumir-se da seguinte forma:
-»
Publicação, em 1862, do poema D. Jaime,
de Tomás Ribeiro;
-» A Conversação
preambular, escrita, em 11 de Julho de 1862, por António Feliciano de
Castilho, para apadrinhar o poema D.
Jaime, ultrapassa todos os limites, traçando um confronto entre essa obra
e Os Lusíadas, considerando-a uma
epopeia superior à epopeia camoniana.
-» Leitura a Castilho dos poemas, até então
inéditos, de Antero e Teófilo, que os acolheu com hiperbólica ironia.
-» Escaramuças jornalísticas entre Pinheiro
Chagas, crítico dos «coimbrões», e Germano Meireles, seu apologeta.
-» Em agosto de 1865, Antero de Quental
publica Odes Modernas, influenciado
por escritores e filósofos franceses, afirmando no prefácio que “A poesia é a voz da Revolução”.
-» Em 27 de setembro de 1865, Castilho (uma
espécie de padrinho oficial de escritores mais novos, tais como Ernesto
Biester, Tomás Ribeiro ou Pinheiro Chagas, à volta do qual se constelou um
grupo de admiradores e protegidos ‑ «escola
do elogio mútuo», chamar-lhe-á Antero ‑ em que o academismo e o
formalismo anódino das produções literárias correspondiam à hipocrisia das
relações humanas, e em que toda a audácia tendia a neutralizar-se), em carta
ao editor António Maria Pereira que serve de posfácio ao Poema da Mocidade, ingénua biografia lírica em quatro cantos,
típica do saudosismo ultrarromântico, escrita por Pinheiro Chagas, aproveita
a oportunidade para fazer o elogio deste escritor, recomendando Pinheiro
Chagas ao rei D. Pedro V para a cadeira, então vaga, de Literaturas Modernas
no Curso Superior de Letras, e censurar um grupo de jovens de Coimbra,
acusando-os de exibicionismo livresco, de obscuridade propositada e de
tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia. Os escritores mencionados
eram Teófilo Braga, autor dos poemas Visão
dos Tempos e Tempestades Sonoras
(futuro candidato a essa cadeira de Literatura); Antero de Quental, que
publicara Odes Modernas; e Vieira
de Castro, um jovem e verboso deputado.
-» Antero responde, em novembro de 1865,
com um folheto intitulado Bom Senso e
Bom Gosto (as duas virtudes que Castilho negara aos dois academistas).
Nele defendia a independência dos jovens escritores; apontava a gravidade da
missão dos poetas na época de grandes transformações em curso, a necessidade
de eles serem os arautos do pensamento revolucionário e os representantes do
«Ideal»: ridicularizava a futilidade, a insignificância e o provincianismo da
poesia de Castilho. Estava despoletada a Questão
Coimbrão e estavam também lançadas as sementes do Realismo em Portugal.
Os sequazes de Castilho replicaram
de imediato e os folhetos começaram a chover de ambos os lados. Quental
arremeteu com novo opúsculos nesse mesmo ano, sob o título A dignidade das Letras e as Literaturas
Oficiais, enquanto Teófilo replicou com Teocracias Literárias (1866). Castilho não reagiu publicamente,
mas teve como defensores figuras ilustres. Um deles foi Ramalho Ortigão, que
mais tarde se haveria de integrar no grupo de Coimbra, mas que nesta altura
saiu à liça como paladino de Castilho em Literatura
de Hoje (1866), repreendendo Antero com ásperos adjetivos pelo seu
desrespeito, o que provocou um duelo entre ambos. Note-se, porém, que nesse
folheto Ramalho marcou uma posição de independência, criticando também a fuga
de Castilho às lutas das ideias. Outro combatente das hostes de Castilho foi
Camilo, que, em Verdades Irritadas e
Irritantes (1866), com o seu temível sarcasmo polémico, veio atacar a
nova geração.
De notar que a Questão Coimbrã se alimentou de
incompatibilidades literárias, que se foram juntando as sociais, políticas e
filosóficas e, por último, as pessoais. Por exemplo, Antero e Teófilo não
deixaram de causar estupefação com a brutalidade das alusões à idade e à
cegueira de Castilho.
2.1. O significado
da Questão
A Questão, embora aparentemente literária, denunciava
incompatibilidades mais profundas. De facto, os jovens universitários de 1865
reagiram contra a falsidade que representavam muitos outros aspetos da vida
portuguesa, produto da adaptação das formas alienígenas do Liberalismo à
velha estrutura tradicional do País. A revolta da Geração de 70 eclodiu num
movimento político, filosófico e literário, cuja amplitude ultrapassou talvez
a do próprio Romantismo.
Este grupo que se sublevou contra Castilho
era o mesmo que, acrescido de personalidades com tendências paralelas, havia
de tratar, em 1871, nas Conferências Democráticas do Casino, de colocar
Portugal a par da atualidade europeia, ligando-o "com o movimento
moderno", estudando "as condições de transformação política,
económica e religiosa da sociedade portuguesa".
Da ânsia de renovação cultural dos
universitários dessa época dá Eça de Queirós uma boa ideia, ao relembrar a
Coimbra do seu tempo: "Pelos caminhos de ferro que tinham aberto a Península,
rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha (através da França),
torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos,
interesses humanitários. Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que
fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo
tornado profeta e justiceiro dos Reis; e Balzac com o seu mundo perverso e
lânguido; e Goethe, vasto como um universo; e Pöe, e Heine, e creio que já
Darwin, e quantos outros!
Naquela geração nervosa, sensível
e pálida como a de Musset (por ter sido talvez como essa concebida durante as
guerras civis) todas estas maravilhas caíam à maneira de achas numa fogueira,
fazendo uma vasta crepitação e uma vasta fumarada!"
De toda esta problemática, fácil
se torna concluir que esta geração surgida à vida pública na famosa
"Questão Coimbrã" avulta como uma das mais brilhantes constelações
que a cultura portuguesa produziu em qualquer época.
3.
As Conferências do Casino
Assim designadas por terem
decorrido na sala alugada do Casino Lisbonense, as Conferências do Casino
foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa, na primavera de
1871, pelo chamado grupo do Cenáculo, constituído por jovens escritores e intelectuais
de vanguarda (Geração de 70), que passaram a reunir-se em Lisboa depois de
concluídos os seus estudos em Coimbra, restaurando a antiga fraternidade
académica num Cenáculo com sede em
casa de um deles. Do grupo faziam parte Antero, Teófilo, João Augusto Machado
de Faria e Maia, Manuel de Arriaga, Eça de Queirós, e mais tarde Jaime
Batalha Reis, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Adolfo Coelho, Augusto
Soromenho, Guilherme Azevedo e Guerra Junqueiro.
Das discussões do Cenáculo, em que
se aliavam a literatura e a boémia, tinham saído de começo obras de pura
ficção, como as últimas Prosas Bárbaras
de Eça de Queirós e os «satânicos» Poemas
de Macadam, atribuídos a um imaginário Carlos Fradique Mendes; a chegada
de Antero vem disciplinar as leituras e os interesses e dar um objetivo mais
preciso ao grupo.
O grande impulsionador das Conferências foi Antero de Quental,
que, a partir de 1871, regressando de viagens a França, América e à ilha de
S. Miguel, logo começara a influir nos gostos e interesses do grupo,
iniciando-o na leitura de Proudhon. A ideia das Conferências surgiu na Casa
da Rua dos Prazeres, onde o Cenáculo reunia então. Antero e Batalha Reis
alugaram a sala do Casino Lisbonense, no largo da Abegoaria, hoje de Rafael
Bordalo Pinheiro. O jornal A Revolução
de Setembro encarregou-se da propaganda. A 18 de maio surgiu naquele jornal
um manifesto (que já fora distribuído em prospeto), assinado por doze nomes,
onde se indicavam as intenções dos organizadores das chamadas Conferências Democráticas.
3.1.
Programa das Conferências
«Ninguém
desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e
todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como
deve regenerar-se a organização social.
Sob
cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que
constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e
o porquê dos movimentos.
Pareceu
que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos
tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias
e a legitimidade desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela
deve ser; como as Nações têm sido, e como as pode fazer hoje a liberdade; e,
por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as
correntes do século.
Não
pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais
do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também
ser o assunto das nossas constantes meditações.
Abrir
uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento
do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política
dos povos.
Ligar
Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais
de que vive a humanidade civilizada;
Procurar
adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar
na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar
as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade
portuguesa;
Tal
é o fim das Conferências Democráticas.
Têm
elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a
opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo
que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma
segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma
sólida garantia à ordem.
Posto
isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas
aquelas pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam
a sua atenção aos que pretendem ter uma ação ‑ embora mínima ‑ nos destinos
do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado
dos seus estudos e trabalhos.
Lisboa,
16 de maio de 1871 ‑ Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto
Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo,
Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga,
Teófilo Braga."
3.2.
Significado das Conferências
Encaradas no seu conjunto, as
Conferências do Casino integram-se num largo, embora vago, plano de reforma
da sociedade portuguesa e representam entre nós a afirmação dum movimento de
ideias que contagiara os intelectuais portugueses, através dos livros vindos
de fora. Era o historicismo, o interesse pelas ciências políticas e sociais,
a crítica positivista à maneira de Taine, o evolucionismo de Darwin, um alvorecer
de interesse pelas teorias de Marx e Engels, os ecos da Internacional, o realismo
em Arte como expressão dum novo ideal de vida, a crença no progresso das
sociedades, conseguido através das ciências ‑ das positivas, cujo prestígio
crescia a cada instante. E, embora as preleções de Soromenho e A. Coelho se
tenham mantido alheias a este espírito revolucionário, e apenas tenham
marcado uma posição de ácido negativismo quanto às coisas portuguesas ‑ a verdade
é que o espírito das Conferências do Casino foi este. Como Eça afirmava nas Farpas, «era a primeira vez que a Revolução
sob a sua forma científica tinha em Portugal a sua tribuna».
Para compreender todo o alcance
das Conferências, convém notar que se estava então num ano de grandes
acontecimentos ‑ 1871: remate da unificação de Itália, queda do II Império
francês, guerra franco-prussiana, Comuna de Paris, que Antero e Guilherme de
Azevedo aplaudiram publicamente. No plano interno, este é o ano em que a
Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, se estende a
Portugal, com a cooperação de Antero. O principal promotor em Portugal desta
organização, um empregado da livraria Bertrand, José Fontana, tem contactos
com o Cenáculo, e participa, como organizador administrativo, nas
Conferências.
É fácil, desta forma, compreender
a importância que lhe dedicaram as autoridades oficiais, até ao seu
encerramento compulsivo por ordem do ministro do reino, António José de
Ávila, após os ataques de jornais conservadores, que acusavam os
conferencistas de intenções subversivas e de serem adeptos da Comuna. A
motivação próxima da ordem de encerramento parece ter sido a de impedir a
realização de uma conferência que ia pôr em causa a religião católica,
constitucionalmente ligada ao Estado.
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domingo, 5 de fevereiro de 2012
sábado, 4 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Realismo - Contexto
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Segunda metade do séc. XX - Contexto
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1. A Europa na segunda metade do século XIX
Por meados do século XIX, as
profundas transformações operadas pelo motor a vapor de água na produção
industrial, nos transportes, na economia e nas relações sociais tinham feito
surgir problemas e maneiras coletivas de pensar e sentir, já muito diferentes
de tudo aquilo que estava na base do Iluminismo e da Revolução Francesa.
Verificou-se na Europa, na segunda
metade do século XIX, um aumento da população, que passou de 266 milhões de
habitantes, em 1850, para cerca de 400 milhões, em 1900. Esse aumento
condicionou uma intensa emigração europeia para outros continentes (30
milhões).
A par do surto demográfico,
verificaram-se importantes transformações económicas na agricultura, no
comércio e na indústria.
No plano agrícola processou-se uma
modernização técnica, uma larga utilização de adubos que provocou o aumento
da produção. Por outro lado, em certas regiões, definiu-se uma especialização.
No plano comercial modificou-se,
amplamente, a geografia comercial do mundo e, na medida em que a Europa se
tornou a fábrica do mundo, novas correntes apareceram, quer no comércio
interno, quer no comércio internacional.
Particularmente relevante foi o
que se passou na economia industrial. De facto, verificou-se a concentração
industrial, que substituiu o grande número de oficinas por um número
relativamente reduzido de fábricas; a concentração geográfica, com o reagrupamento
em certas regiões favoráveis. Daí o aumento da produção, que tomou o caráter
de uma produção em massa e em série. Por outro lado, ao nível do trabalho
operário, intensificou-se a divisão técnica.
No campo científico, as conceções
mecanicistas foram ultrapassadas: a termodinâmica mostrava a unidade e
conversibilidade existente entre todas as formas de energia; a química orgânica
ligara os fenómenos físico-químicos aos fisiológicos; as conceções
transformistas generalizavam-se, verificando-se que tudo no mundo tinha uma
história, desde os corpos celestes até à crosta terrestre, às espécies
biológicas, às estruturas sociais, aos idiomas e aos princípios jurídicos.
Esta conceção de um mundo todo explicável cientificamente e em constante
transformação refletiu-se no aparecimento da filosofia da história e afetou
as crenças religiosa muito mais profundamente do que o mecanicismo.
Duas grandes inovações surgiram no
século XIX: a ligação ciência-técnica e a preocupação em aplicar o
conhecimento no sentido do útil e do eficaz. A primeira substituiu a
tradicional ligação filosofia-ciência, já procurada pelos Gregos e pelos
humanistas. Os progressos da ciência e da técnica intensificaram-se,
particularmente, na segunda metade do século XIX e fizeram da civilização
ocidental uma civilização do maquinismo. Consequentemente, a indústria
desenvolve-se amplamente, refletindo-se no progresso das técnicas e na
própria ciência. A Europa assiste a uma aceleração da História, resultante
das transformações da vida material e económica. Pelo seu dinamismo, atinge
um momento de apogeu ‑ rica em população, em capitais e mercadorias, assegura
uma posição de primeiro plano no mundo e lança-se na expansão
pluridimensional: demográfica, económica, política, militar e cultural. É de
salientar a necessidade que tem de mercados, de matérias-primas, de
investimento de capitais, de escoamento de produção industrial.
A expansão veio a desencadear a
rivalidade entre os imperialismos, os antagonismos entre os Estados,
preocupados com o lucro e com o poder.
A revolução industrial e o
capitalismo industrial, que dela decorre, repercutiram-se, como é evidente,
no plano social: arruinaram a noção tradicional de Ordens, que constituíram
uma hierarquia, para a substituir pela distinção entre classes sociais,
baseada na riqueza. Mas além do surto de novas doutrinas históricas ou
sociológicas, tais problemas e tal mentalidade produzem também os seus
efeitos na arte literária. Como é sabido, no Romantismo podem distinguir-se
duas fases:
-» a primeira, predominantemente
passadista, conservadora, embora adaptada a um novo tipo de público;
-» a segunda, desde cerca de 1830, em que
os escritores começam a preocupar-se com os problemas humanitários mais
clamorosos: a escravatura, que os mecanismos tornavam dispensável e que
tolhia a mecanização; os horários excessivos do trabalho operário; o sufrágio
universal; o analfabetismo; a delinquência causada pela miséria; a infância
abandonada, etc.
As consequências morais e sociais
da caça ao lucro foram postas em relevo pelo romancista francês Balzac, na
sua série de obras A Comédia Humana;
a exploração da infância e dos miseráveis, as brutalidades do regime
prisional então vigente são denunciadas por Hugo e Dickens; outros escritores
muito populares ridicularizam o «burguês» e exaltam o humanitarismo (os
romancistas franceses Eugène Sue, George Sand, Monier, os ingleses Kingsley,
Carlyle; o poeta Béranger).
Esta mentalidade científica, esta
tendência para retratar os males sociais na obra literária, estreitamente
relacionadas com as revoluções europeias de 1848 e o aparecimento das
primeiras ideologias socialistas, conduziram ao chamado realismo, escola de arte que procura esmerar-se na produção
típica e desapaixonada da realidade, especialmente a realidade social humana,
e que reage contra o devaneio individualista sentimental de quase todos os
primeiros românticos. Os mais típicos realistas foram Coubert na pintura e
Flaubert no romance (Madame Bovary).
A burguesia, que não é uma classe
nova, é a grande beneficiária desta nova situação: cresce em número e em
poder. A classe burguesa é uma classe complexa: está dividida em grande,
média e pequena burguesia, cabendo a primazia, porém, à burguesia industrial.
O seu ideal político é o
liberalismo e, antes de mais, o económico, refratário à intervenção do
Estado. A defesa do liberalismo político é expressão do individualismo.
Contudo, há a considerar uma linha conservadora, interessada em manter a
ordem estabelecida, e uma linha progressista, defensora das reformas democráticas.
Não se pode afirmar, porém, que a
burguesia ocupe o poder em toda a parte: não o ocupou em Inglaterra, foi
remetida para a oposição pelas monarquias absolutas.
Na medida em que deteve os grandes
meios de produção, encontrou a contestação da classe proletária, nova classe
que, na época, se define. Daí o aparecimento da grande questão social que
conduz muitos intelectuais a uma tomada de posição. Grande parte desse
proletariado provém do êxodo rural (migração interna). Instalando-se nos
centros urbanos, representa uma ameaça para a burguesia que, por vezes, não hesita
em recorrer à força.
O aparecimento das doutrinas
socialistas resultou de uma profunda desigualdade social, criticada por
pensadores oriundos de horizontes sociais diferentes, em nome da razão e da
fraternidade. Na primeira metade do século XIX, surge o socialismo utópico,
mas posteriormente elaboraram-se grandes sistemas socialistas: o de Proudhon,
o de Bakounine e o de Karl Marx.
No momento em que aparece a obra
de Marx, a Europa avançou para uma segunda revolução industrial
(monopolista), na qual se acentua a concentração das empresas quer no plano
vertical, quer no plano horizontal[1].
Também nasceram novas classes médias, interpostas entre patrões e operários
(como, por exemplo, os pequenos patrões independentes).
Toda esta situação provoca a
emergência de duas ideologias em conflito: a burguesia, de inspiração liberal
e capitalista, e a popular, de inspiração democrática e socialista.
A primeira tem a sua origem nos
princípios da Revolução Francesa. Na ordem política, pretende o
estabelecimento de regimes constitucionais, garantia dos direitos naturais
dos cidadãos e parlamentos eleitos. Na ordem social, abolição de privilégios
de nascimento, mas manutenção dos devidos ao dinheiro (defesa dos interesses
burgueses). Na ordem económica, liberdade do empresário, que, assumindo
riscos, beneficia dos lucros; lei da concorrência; não intervenção do Estado (laissez faire, laissez passer).
A segunda, embora com raízes no
passado, define-se com o contributo dos pensadores socialistas. O seu
programa tem por objetivo fundamental a instituição de democracias, às quais
cabe, muito especialmente, a satisfação das reivindicações dos trabalhadores.
Porém, o estabelecimento de uma democracia económica foi um objetivo que permaneceu,
apenas, no plano ideal.
Todavia, a situação dos operários,
a partir de cerca de 1880, tendeu a melhorar, ainda que lenta e dificilmente,
e os Estados dispõem-se a intervir nos problemas sociais e a dar resposta às
exigências operárias. Os sindicatos, por seu lado, adquirem uma força
crescente e procuram obter, do patronato, uma melhoria da situação dos trabalhadores
(incluindo os de inspiração marxista).
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2.
Portugal na segunda metade do século XIX
Em meados do século XIX, a
população de Portugal metropolitano atingia os 3 milhões e meio de
habitantes. Verificou-se, porém, um aumento de população que, em 1911,
atingiu os 5 milhões e meio. A distribuição demográfica era muito irregular e
concentrava-se, principalmente, a norte do rio Tejo e no litoral.
Apesar do crescimento da população
urbana, o País continuava predominantemente rural ou ruralizado. As cidades
mais populosas eram Lisboa e Porto, com mais de cem mil habitantes. O surto
demográfico no País acompanhou, em certa medida, o que se passava na Europa
ocidental.
O fenómeno da migração, interna e
externa, relacionou-se com o crescimento da população, conjugado com as
flutuações dos preços dos géneros alimentares. Assim, as famílias de pequenos
proprietários e rendeiros agrícolas das zonas mais povoadas lutam com
dificuldades económicas. Daí, por um lado, as migrações sazonais internas e,
por outro, o movimento de saída para fora de Portugal, nomeadamente para o Brasil.
É de notar que foi fraco o desenvolvimento das cidades e, consequentemente,
as suas dificuldades na absorção da mão-de-obra.
A estrutura socioeconómica
mostrou-se incapaz de integrar os excedentes populacionais. A corrente migratória
contínua acabou por afetar a estrutura demográfica portuguesa e, se resultou
do crescimento populacional, não deixou também de funcionar como travão desse
crescimento. Da emigração resultou o envelhecimento e feminilização da população
portuguesa.
O início do século XIX é marcado
por três factos importantes: as invasões francesas, a independência do Brasil
e as lutas entre liberais e absolutistas.
Remetendo-nos ao plano político,
instaura-se no país um clima de instabilidade com a revolução liberal de 1820
e com a promulgação da Constituição de 1822. Em 1823, surge a revolta
contrarrevolucionária, defensora do absolutismo do antigo regime (abolição da
Constituição de 1822). Com a morte de D. João VI (1826), D. Pedro outorga a
Carta Constitucional, todavia, com o regresso de D. Miguel (1828), vem a
desencadear-se a guerra civil (1832-1834), que termina com a vitória dos
liberais sobre os miguelistas. Porém, os liberais triunfantes dividem-se em
partidários da Constituição de 1822 (Vintistas)
e partidários da Carta Constitucional (Cartistas),
o que explica a revolução de Setembro de 1836 (Setembrismo), a promulgação da Constituição de 1838 e o Cabralismo.
Com a queda do Cabralismo,
inicia-se o período da Regeneração, período de certa estabilidade social e
política. A Regeneração veio dividir o século XIX português em duas partes
distintas: um período de instabilidade e um período de relativa estabilidade,
no qual se verifica um certo equilíbrio das forças sociais. Surge, portanto,
o fenómeno político do rotativismo partidário, com destaque especial para Regeneradores
e Históricos.
A velha aristocracia do «Antigo
Regime» conseguiu sobreviver à guerra civil de 1832-1834. A burguesia
comercial urbana, sendo dominante no plano ideológico, não o era, porém, no
plano económico, por não possuir a principal riqueza nacional, constituída
por bens agrários. O clero foi o mais prejudicado com as transformações
trazidas pelo liberalismo e pela burguesia (a extinção das ordens religiosas,
a nacionalização dos bens dos conventos, a abolição da dízima), não obstante
manter influência ideológica em certas regiões (interior e norte). O republicanismo
veio a fazer do anticlericalismo uma das suas armas, o que demonstra, ainda,
a força social e ideológica do clero. Foi a nobreza liberal a classe que mais
beneficiou com as transformações verificadas.
Por uma política de casamentos, a
burguesia aproximou-se da nobreza, acabando por ser mais detentora de terras
do que industrial ou comercial. No contexto da estrutura social, o campesinato
tem um extraordinário peso em termos demográficos (em 1864, seria de 75% a
percentagem da população rural). A situação da classe rural não melhora e até
se agrava em consequência do aumento demográfico. As suas alternativas eram
limitadas: recurso à migração para as cidades ou para o estrangeiro e, por
vezes, ingresso na carreira eclesiástica. E dada a incapacidade das cidades
em absorver a mão-de-obra rural, daí resultou uma emigração, especialmente
para o Brasil.
A perda do Brasil também orientou
uma política voltada para os territórios africanos, o que permite compreender
toda uma política de fomento colonial que se desenvolve, sobretudo, a partida
da Regeneração (1851). Esta política colonial virá a provocar conflitos,
particularmente com a Inglaterra, no contexto das preocupações expansionistas
de algumas potências estrangeiras.
Com a independência do Brasil, em
1822, impôs-se uma orientação económica voltada para o aproveitamento dos
recursos nacionais: a agricultura, a pecuária, os recursos mineiros e o arranque
de iniciativas no plano industrial. Assim, procura-se modernizar o País e
explorar as suas potencialidades económicas ‑ o que explica a introdução e a
relativa expansão da máquina a vapor no campo da indústria e o lançamento da
rede ferroviária e viária (fontismo). O alargamento progressivo da rede
ferroviária chegou, em 1863, à fronteira com a Espanha, o que permitiu uma
abertura à cultura europeia. Em 1864, Coimbra ficou ligada à rede europeia de
caminho-de-ferro. Não obstante os avanços técnicos, o País continuou
essencialmente agrícola; a área de produção alargou-se no sentido de dar
resposta à procura interna de alimentos por uma população crescente e de
corresponder às solicitações dos mercados externos, particularmente do
inglês. De facto, as instituições sociais, sob o ponto de vista tecnológico,
económico e social, estagnavam. Há uma certa prosperidade passageira da
grande burguesia, mas as condições de vida, de cultura e o nível de consciência
da massa campesina não se alteram muito.
Uma economia assente na produção
agrária parece poder explicar-se com a incapacidade de concorrer, em
qualidade e preços, com a Inglaterra e os países da Europa do noroeste. Os
seus produtos industriais invadiam o mercado nacional e daí a necessidade de
fomentar a agropecuária. E por falta de dinamismo económico interno, por
falta de uma expansão da produção nacional, desenvolve-se, assim, uma grande
dependência do mercado externo, cuja evolução se reflete na vida económica e
financeira nacional, conduzindo, por vezes, a situações de crise.
Em 1872, sob a influência da
Comuna de Paris, da Internacional irrompe o movimento operário. A criação do
Partido Socialista (1875), as associações de classe e o aparecimento de uma
imprensa operária e socialista, parecem mostrar uma estruturação do movimento
operário, embora lenta e difícil. O proletariado industrial, sem grande
significação social e política, cresceu lentamente, nunca atingindo, contudo,
o carácter predominante numa sociedade essencialmente rural.
Em 1873, surge um novo partido, o
Partido Republicano e, pouco depois, em 1875, o Partido Socialista.
Em 1890, em consequência da
questão do «Mapa Cor-de-Rosa», a Inglaterra impõe um Ultimato ‑ facto este
que fomentou a oposição republicana e conduziu à revolta do Porto, fracassada,
em Janeiro de 1891.
Em síntese, poder-se-á falar num
subdesenvolvimento de Portugal na época contemporânea, resultante dos
seguintes fatores:
-
dependência em relação a outros países mais desenvolvidos e às colónias;
-
organização empresarial de fraco nível;
-
política tributária deficiente e elitista;
-
certa incapacidade de desenvolvimento industrial e agrícola;
-
limitada capacidade de aplicação de novidades técnicas;
-
distribuição injusta de terras;
-
circulação interna limitada;
-
fraco poder de consumo;
-
forte setor terciário parasitário;
-
predomínio da agricultura;
-
distribuição desequilibrada da população pelo País;
-
pouco desenvolvimento urbano;
-
índices elevados de emigração e analfabetismo;
-
grande taxa de mortalidade infantil;
-
alimentação deficiente das classes pobres;
-
generalizada falta de consciência política;
-
ação repressiva das autoridades.
Bibliografia:
O Pensamento de Antero de Quental,
Manuel Tavares e Mário Ferro, Editorial Presença.
História da Literatura Portuguesa, A. J. Saraiva e Óscar Lopes,
Porto Editora.
|
[1]
Concentração vertical quando, por
exemplo, uma mesma empresa domina as operações que transformam o minério de
ferro em barco a vapor;
horizontal quando, por exemplo, o produtor de açúcar
domina o mercado de todo um país: capitalismo monopolista.
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