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segunda-feira, 18 de setembro de 2023

domingo, 17 de setembro de 2023

Benfica vence a Taça Vítor Hugo em basquetebol feminino

Benfica vence a Supertaça masculina de basquetebol

Benfica venceu a Elite Cup de hóquei em patins masculino

Análise do poema "Rapariga descalça", de Eugénio de Andrade


    O poema abre com uma nota temporal geradora de desconforto: chove. Estamos num dia característico do início da primavera, mais concretamente de abril: “A chuva em abril…” (v. 5). É nesse dia que o sujeito poético observa uma rapariga a descer (verbo de movimento) a rua e que capta a sua atenção. Passa, de seguida, à sua caracterização: caminha descalça (o que indicia pobreza); os seus pés são formosos e leves (a dupla adjetivação enfatiza a sua beleza e a agilidade e leveza do andar); “o corpo alto / parte dali, e nunca se desprende” sugere um corpo que constitui um todo que se apresenta harmonioso e agradável ao olhar. A repetição da expressão “são formosos” (vv. 2 e 3) intensifica a beleza dos pés.
    A caracterização prossegue na terceira e última quadra: ela é alegre (“canta”); corre enquanto desce a rua em direção ao mar, ligeira e veloz (“corre, voa”), como a gaivota que «passa» diante dos «olhos» do «eu» poético; é terrena, mas, perante a visão do mar, transfigura-se em corpo alado e etéreo (“brisa”), transformando-se, assim, no símbolo da leveza e da libertação. Neste passo do poema, destaca-se o recurso à enumeração do verso 11 (“canta, corre, voa”), que sugere a transfiguração da jovem num ser alado e etéreo através da aceleração progressiva do seu movimento. Outro recurso essencial na caracterização é a adjetivação (“pés descalços”, “formosos”, “formosos e leves”, “alto”), que acentua a expressividade do quadro sugerido no poema.
    Na segunda quadra, o «eu» procura traduzir a beleza daquele dia primaveril, apesar de chuvoso. O que o torna belo e permite superar o incómodo da chuva é a observação da passagem da rapariga, que faz com que o dia surja aos seus olhos como “um jogo inocente de luzes, / de crianças ou beijos, de fragatas”. Esta metáfora / imagem forma um quadro que associa àquele dia visões encantatórias de amor e afeto (“beijos”), de viagem (“fragatas”) e de sonho. Na descrição do dia, destaca-se a sinestesia “o sabor do sol” (v. 5), através da qual se opera a fusão dos sentidos (o gosto, a visão e o tato) e sobressaem elementos sensoriais que a chuva sugere, como o ruído da chuva e o brilho das gotas (“cada gota recente canta na folhagem” – v.6 – animização).A metáfora “O dia é um jogo inocente de luzes” (v. 7) constrói uma imagem de luz pura que torna aquele dia um momento de beleza, de inocência, de amor, de viagem e de sonho. A nível estilístico, destacam-se também as sensações, nomeadamente a visão (“Uma rapariga desce a rua.” – v. 1), o paladar (“A chuva em abril tem o sabor a sol” – v. 5), a audição (“Chove” – v. 1) e o tato (“leves” – v. 3)
    Nesta segunda estrofe, as referências ao tempo são muito significativas. Por um lado, sugerem o vigor da primavera (“A chuva em abril tem o sabor do sol” – v. 5); por outro, remetem para um ambiente diurno e luminoso (“O dia é um jogo inocente de luzes” – v. 7); em terceiro lugar, associam, metaforicamente, o ambiente descrito pelo sujeito poético a características da figura feminina, como a inocência e a alegria (vv. 7-8).
    O sujeito, assim que vê a rapariga a descer a rua, não esconde o seu encanto e deslumbramento face à beleza e graciosidade dela. Esse encanto é tal que ele consegue ver beleza naquele dia de chuva. Noutras circunstâncias, sem a imagem da jovem, seria um dia incómodo.
    O poema é constituído por três quadras, num total de 12 versos brancos de métrica irregular, predominando o verso decassílabo. Na primeira, o «eu» traduz o seu encantamento por uma rapariga que desce a rua e, de seguida, descreve-a, salientando a beleza dos seus pés descalços, a elegância do seu corpo alto e a sua graciosidade. Na segunda, o sentimento de encanto intensifica-se. O sujeito lírico capta a beleza daquele dia primaveril, apesar da chuva, motivada pela passagem da rapariga. Na terceira, a imagem da jovem, que, com a sua leveza, graciosidade e agilidade, parece perder a sua condição terrena e se torna etérea, sobrepõe-se à imagem de uma gaivota que passa diante dos seus olhos.

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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Soneto do velho escandaloso

     Hoje, faz anos Bocage: 15.09.1765 - 21.12.1805


                    Tu, ó demente velho descarado,

                    Escândalo do sexo masculino,

                    Que por alta justiça do Destino

                    Tens o impotente membro decepado!


                    Tu, que, em torpe furor incendiado

                    Sofres de ímpia paixão ardor maligno,

                    E a consorte gentil, de que és indigno,

                    Entregas a infrutífero castrado!


                    Tu, que tendo bebido o menstruo imundo,

                    Esse amor indiscreto te não gasta

                    De ímpia mulher o orgulho furibundo!


                    Em castigo do vício, que te arrasta,

                    Saiba a ínclita Lísia, e todo o mundo

                    Que és vil por génio, que és cabrão, e basta.


    Parabéns, Manuel Maria!

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

O Duplo, de Fiódor Dostoiévski


 
    "Esta obra narra a história de um funcionário público obcecado pela existência de um colega, réplica de si próprio, que lhe usurpa a identidade, acabando por levá-lo à insanidade mental e à rutura com a sociedade. A afirmação da liberdade individual contra instituições e normas existentes para conter os impulsos de uma interioridade caótica é o tema-chave da obra, ainda que sobressaia também a compaixão pela condição dos humilhados. Goliádkin encarna o homem em revolta contra a sociedade e contra si próprio, um tema que ele considera universal e intemporal. O próprio romance é um caso de rutura com convenções literárias, daí a fraca aceitação que teve na época da sua publicação."
    Iákov Petróvitch Goliádkin (Goliádkin provém da palavra "goliadka", que significa «nu», «pobretão», «miserável») é um funcionário público de grau inferior que vive em Peterburgo, num apartamento próprio, com o criado Petruchka, que vive revoltado por um sentimento de inferioridade relativamente aos seus chefes e às camadas mais altas da sociedade.
    O médico aconselha-o a conviver, a divertir-se com amigos, mas Goliádkin tem a sua atenção centrada no almoço comemorativo do adversário de Klara Olsúfievna, filha única do conselheiro de estado Berendéev, outrora benfeitor de Goliádkin. Por isso, aluga um coche, veste a melhor fatiota que consegue, perfuma-se, mas é impedido de entrar em casa da aniversariante por ordem do pai. Desorientado, vagueia pela cidade, despede o coche e o cocheiro e entra, às escondidas, em casa de Berendéev. Acaba, finalmente, por concretizar as suas intenções e penetrar no salão, cheio de convidados, onde se realiza o baile, tenta dançar com Klara, mas é expulso do local.
    Desesperado e desorientado, Godiádkin vagueia pela cidade até se deter junto ao rio, contemplando as águas escuras que correm por baixo da ponte, quando se cruza com um homem surpreendente: o seu duplo. No local de emprego, o "duplo" vai ocupar o lugar de um funcionário recém-falecido. À saída do emprego, encontram-se, entabulam conversa e acabam por ir para casa de Goliádkin.
    Para maior surpresa do protagonista, além das semelhanças físicas, o "duplo" tem o mesmo nome, e, tal como no emprego, o criado Petruchka não estranha aquela situação. Goliádkin comove-se com a história de vida miserável do "duplo", convida-o a passar a noite e propõe-lhe cumplicidade em futuras manhas no emprego, de forma a "fazerem a cama" aos seus chefes.
    No entanto, no emprego o duplo escarnece e ridiculariza publicamente Goliádkin, atraiçoando-o também ao apropriar-se de um trabalho realizado por este e apresentá-lo como seu. O duplo usa a lisonja e a manha para conseguir a simpatia de todos e faz-se passar pelo verdadeiro Goliádkin (por exemplo, come num determinado sítio e, quando o verdadeiro Goliádkin também aí se desloca, é confrontado com a conta do que ambos comeram). Lentamente, vai perdendo as poucas relações que possui e apresenta um comportamento muito alterado, confuso, contraditório. Goliádkin suborna mesmo um funcionário menor para obter informações, convencido de que todos conspiram para o tramar.
    No entanto, os acontecimentos negativos sucedem-se: o intriguista "duplo" conquista todos os conhecidos de Goliádkin, que tenta a todo o custo explicar a sua situação, mas não é ouvido por ninguém; recebe uma carta de um dos chefes ordenando-lhe que entregue todos os processos que tinha em mãos a outro funcionário; quando chega um dia a casa, o criado Petruchka prepara-se para o abandonar. Pelo meio, recebe uma outra missiva, assinada por Klara, em que lhe é proposto fugir com ela, em virtude de a quererem forçar a casar com o "duplo".
    Goliádkin aluga um coche e vai mesmo esperar Klara para fugir com ela, mas, passado algum tempo, acaba por dispensar o cocheiro e evadir-se dali. Porém, decide voltar, contudo subitamente, em todas as janelas da casa de Klara, surgem vultos à sua procura. O "duplo" desce até o esconderijo onde ele se encontra e convida-o a entrar. Recebem-no de forma muito cordial e acabam por fazer as pazes os dois. É então que entra em cena o médico e o leva consigo, debaixo do entusiasmo dos inimigos de Goliádkin, para o internamento.

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