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sábado, 22 de novembro de 2025

Pré-Romantismo na Literatura Portuguesa

    Toda essa discussão à volta do Pré-Romantismo europeu ganha uma maior equidade, quando nos debruçamos sobre o Pré-Romantismo português.
    Portugal, nesta altura, é um país periférico dentro do contexto europeu e o centro de referências culturais provinha da França. Vivia-se sob uma grande influência cultural francesa. As tendências do Pré-Romantismo vão-se constituir como divergentes em relação ao Classicismo. Há como que dois polos de divergência:
            . por um lado, Portugal estava influenciado pelo Classicismo francês;
            . por outro lado, em Portugal começa a verificar-se uma oposição em relação ao Neoclassicismo.
    O Pré-Romantismo, que aparece em Portugal nos meados do século XVIII, não tem um programa definido como acontecera com outros movimentos. Não chegou apoiado por movimentos teóricos e ideológicos; são tendências difusas que chegam a Portugal.

    Como entraram em Portugal as tendências pré-românticas?
    Há várias teses, mas sobretudo três são importantes e são apresentadas respetivamente por Hernâni Cidade, Jacinto do Prado Coelho e António José Saraiva.
    Hernâni Cidade foi um dos primeiros defensores de uma tese de conjunto sobre o Pré-Romantismo português. Segundo ele, o Pré-Romantismo influenciou a nossa literatura devido a vários fatores. Foi por um processo de influência das literaturas alemã, inglesa e francesa, em virtude das traduções que iam sendo feitas. Além disso, entram em Portugal obras de cariz filosófico e ideológico com um espírito crítico inerente, que antes não entravam. Apesar de se ter passado da Inquisição da Igreja para a censura pombalina, certas obras começaram a entrar. Através desta maior circulação de obras, Portugal passou a ter contacto com obras que divulgavam os princípios pré-românticos que vigoravam na Europa.
    Para Hernâni Cidade, os fatores e veículos dessa influência foram de três tipos:
        1- viagens ou estadias no estrangeiro de diplomatas ou portugueses exilados;
        2- traduções, adaptações e até imitações de obras literárias estrangeiras;
        3- importância da imprensa e circulação de jornais.
1- Deste modo, dava-se um relacionamento pessoal com o estrangeiro. Esta movimentação tinha dois sentidos:
. saída de diplomatas (Conde da Barca) bem como de exilados (Marquesa de Alorna) do país;
. entrada de estrangeiros, sobretudo generais, que vinham auxiliar o nosso exército, designadamente ingleses. Estas relações alargaram-se ao campo político e cultural. Alguns radicaram-se em terras lusas e foram portadores de novas culturas e novos gostos literários. Mas o mais importante é o primeiro sentido. Ao regressarem a Portugal, traziam consigo as novas tendências literárias em vigor na Europa. Mesmo quando não regressavam, escreviam cartas e mantinham relações com seus contemporâneos.
 
2- Este fator é de fundamental importância. Foram vários os nossos pré-românticos que verteram para português obras de autores ingleses e alemães. Essas traduções eram feitas ou diretamente da língua desses autores pré-românticos ou principalmente através de traduções do francês. Assim se tornava acessível à maior parte do povo o contacto com as culturas estrangeiras. Através deste contacto, vai-se transformando o gosto estético nas várias camadas de leitores. Nesta altura, o francês é razoavelmente  dominado pela classe média e burguesa. Essa língua gozava de grande importância entre nós.
Obras são traduzidas pelos nossos neoclássicos e que tinham sido escritas antes, revelando já uma sensibilidade próxima da sensibilidade pré-romântica. Quase todos os nosso pré-românticos traduzem: Bocage, Filinto Elísio.
As ideias e sentimentos de maior ressonância vêm por meio da cultura francesa. É desta que recebemos paradigmas e temáticas novas e importantes: bondade natural do homem; interesse pelo exótico físico e moral; fascínio pela Idade Média.
Outros autores franceses exerceram a sua influência em Portugal: Voltaire, Montesquieu, Diderot.
No fundo há a temática da inquietação, de temas que provocam perturbações.
 
3- O contacto com a Europa culta era feito pelos periódicos, daí a importância da circulação da imprensa. Nesses periódicos, colaboravam alguns diplomatas e exilados no estrangeiro. Além deles noticiarem a publicação de certas obras no estrangeiro, também publicavam extratos dessas obras.
Nesta altura, quer em Portugal quer na Europa, surge uma série de gazetas, como então eram designadas essas publicações. Nesses jornais e gazetas, passa a haver um espaço dedicado às artes e às letras.
Em Portugal, uma das mais importantes foi a “Gazeta Literária”, editada no Porto e que teve como iniciador o cônego Francisco Lima. Um dos recursos da gazeta eram as traduções de obras estrangeiras. Esta gazeta publicou-se entre 1761 e 1762 e abrangia todos os géneros de novidades não só literárias, como da medicina, ciências naturais, história, etnografia, assuntos eclesiásticos, notas críticas sobre obras publicadas. Eram novidades sobre o que de mais recente se ia fazendo na Europa.
Outra gazeta importante era o “Jornal Encyclopédico”, publicado em 1791 por Manuel Henriques de Paiva. É uma gazeta de cariz enciclopédico e dava conhecimento das últimas novidades filosóficas e científicas dos países cultos.
Outra gazeta, “Investigador Portuguez”, era publicada em Londres pelos emigrantes portugueses nesse país e teve uma duração mais extensa: 1811-1819. Esta destinava-se principalmente a exilados políticos portugueses e mantinha uma regularidade e abundância na informação cultural.

    Todos estes veículos por ele apresentados são bem fundamentados. No entanto, essas influências são insuficientes para explicar a receção dos princípios pré-românticos em Portugal. Falta a atenção que tem que ser dada ao processo de evolução interna da nossa literatura, pelo que não nos bastam essas razões. Daí a importância dada à teoria do professor Jacinto do Prado Coelho.
    Ao debruçar-se sobre as origens do Pré-Romantismo, Jacinto do Prado Coelho chama a atenção para outros fatores:
        i) Reconhece que as origens do Pré-Romantismo estão na literatura inglesa e na literatura dos países anglo-germânicos. Nesses países, ter-se-ão criado as condições propícias ao desabrochar em relação às influências na literatura portuguesa, mas entende que ele não é suficiente para explicar as transformações por que passou a nossa literatura e entende que não deve entender-se essa influência de modo exclusivo.

        ii) Por maior importância que tivessem tido as influências estrangeiras, as novas tendências só podiam ter boa receção em Portugal se para isso se tivessem criado condições favoráveis. Procura analisar fatores de evolução interna na nossa literatura, destacando as relações que podiam estabelecer-se entre o Barroco Tardio e alguns pendores da sensibilidade e estilo pré-romântico.
    Assim, conclui que as origens do Pré-Romantismo português foram um pouco comuns às do conjunto de outras literaturas ocidentais, devido a sintomas gerais da época. Está tão convicto desta tese que vai justificá-la através de textos e poesia da época.
    Um dos textos em que essa linha é levada em conta é intitulado A musa negra de Pina e Melo e as origens do Pré-Romantismo português.
    Apesar deste poema surgir bastante afastado das primeiras manifestações pré-românticas, nele já se encontra uma temática com muitas afinidades pré-românticas, como, por exemplo, o tema da noite, da morte, enfim a temática do "locus horrendus". O que há de curioso é que este tipo de poesia já coexistiu com a poesia arcádica, embora surgisse ainda como manifestação oculta, porque não tinha condições para ser bem aceite. Deste modo e até certo ponto, Pina e Melo prepara já o alvorecer do Pré-Romantismo.
    Jacinto P. Coelho vai desenvolver a sua teoria, salientando o surgimento de "novos sintomas de época", como:
        . primado da sensibilidade;
        . primado da inspiração;
        . primado dos impulsos afetivos;
        . primado das forças do instinto.
    Punha-se o "génio criador" acima das regras ditadas pelos clássicos.
    Esta nova sensibilidade não se faz sentir apenas na Europa, mas também se encontra antecipadamente em Portugal. Esta nova sensibilidade estende-se pela Europa, que vive condições propícias à sedimentação de novas tendências (o que vinha dar mais liberdade de expressão artística), mas o mesmo também se verifica, ainda que de modo não tão intenso, em Portugal. Caso evidente é a poesia de Pina e Melo.
    Essas novas tendências têm a ver com a influência de uma visão subjetiva das coisas. Na poesia em particular, essa visão subjetiva tende, por vezes, a ser simbólica, tende a procurar uma interpretação dos sentimentos e do mundo exterior. Sendo assim, estava o caminho aberto para a liberdade de imaginação, para a meditação e o devaneio. Daqui surgirem novos gostos, novas apetências, como, por exemplo, uma interpretação dos sentimentos e do mundo exterior. Sendo assim, estava o caminho aberto para a liberdade de imaginação, para a meditação e o devaneio. Daqui surgirem novos gostos, novas apetências, como, por exemplo, pela natureza solitária, pela morte, prefiguração da morte, visualização de cenários macabros, etc. Jacinto P. Coelho conclui que as influências da literatura inglesa e alemã poderão ter vindo acordar ou reforçar tendências já latentes, senão mesmo já expressas, da nossa poesia. "A sensibilidade melancólica, o fatalismo e o gosto de ser triste repassam a poesia quinhentista portuguesa, incluindo Camões", que se vai projetar largamente na literatura do século XVIII.

Pré-Romantismo francês

Rousseau
    Depois que surgiu uma fusão entre a sensibilidade e o ambiente exótico, esta vai encarnar a teoria rousseauniana do bom selvagem e da bondade natural do homem.
    Começam a surgir as novelas de caráter sentimentalista. Atingimos assim uma segunda fase do Pré-Romantismo francês.
    A partir daqui, começa a ganhar projeção o mito do bom selvagem e há uma figura mítica que começa a proliferar nas várias literaturas: o índio das Américas, que personifica o bom selvagem. É visto como o bom homem, não contaminado. Já numa terceira geração do Pré-Romantismo francês aparecem nomes como Chateaubriand e Madame de Stäel, que se distinguiu pelos seus ensaios teóricos que ajudaram a divulgar alguns dos princípios do Pré-Romantismo, entre os quais o da relativização do belo.
    Uma das suas mais famosas obras é La Litteratura, na qual estabelece a relação entre a criação literária e os condicionalismos de ordem social e sócio-cultural e mostra também que a apreciação do belo é condicionada pelas culturas.
    Obra obra é De l'Alemagne e vem reforçar certos princípios como a relativização do belo. Dá a conhecer à França a literatura alemã e evidencia o caráter relativo do belo.
    Tomado o Pré-Romantismo europeu como um movimento global, com características idênticas, houve quem defendesse que esse Pré-Romantismo era a confirmação ou o reflexo das formas pioneiras da literatura britânica, onde se começa a manifestar o Pré-Romantismo e depois ter-se-ia espalhado por outros países europeus através de um processo de influências a partir do ponto de partida inglês.
    Hoje em dia não se defende esta posição, embora se reconheça uma precedência do Pré-Romantismo nos países nórdicos, designadamente na Grã-Bretanha, isso não significa que o Pré-Romantismo seja nos outros países europeus apenas uma consequência do Pré-Romantismo inglês. Deve dizer-se que o Pré-Romantismo foi um movimento convergente, ou seja, nos países europeus ter-se-ão criado condições propícias ao surgimento das tendências pré-românticas.

Origem e desenvolvimento das tendências pré-românticas europeias

    Na literatura europeia, há como que uma cronologia diferenciada das manifestações pré-românticas.
    A difusão do Pré-Romantismo não se faz do mesmo modo nos países europeus.
    Em dois países, Grã-Bretanha e Alemanha, as tendências pré-românticas tendem a afirmar-se mais cedo. No entanto, a Grã-Bretanha tem a primazia. Podemos mesmo dizer que, nos princípios do século XVIII, surgem os primeiros escritores pré-românticos, que apesar de numerosos, não têm intenção de formar escola. A Grã-Bretanha desempenhou um papel primordial da gestação e florescimento do Pré-Romantismo. Alguns dos escritores ingleses mais importantes foram:
. Young (1683-1765): é um dos poetas mais conhecidos com a sua obra Night Thoughts, 1742 (Meditações Noturnas), através da qual começa a difundir-se o gosto pela noite e pela melodia noturna.
. Thomson: distinguiu-se com a obra The Seasons, em que já se troca o espírito neoclássico sobre a natureza por um novo espírito, em que se valoriza o que essa natureza tem de soturno, melancólico e perturbador para o homem.
. Thomas Gray: distinguiu-se com a obra Elegy written in a country churchyard (1771). Estamos perante um ambiente lúgubre e noturno, em que os títulos se tornam sugestivos. Retrata uma natureza humana perecível.. Richardson
. Macpherson: autor de uns célebres poemas que refletem uma sensibilidade da Idade Média. É o retomar de uma época esquecida. Inventa a poesia de um bardo do século III, Ossion, imaginando um passado heroico perdido nas brumas do tempo, eivado de solene melancolia.
    De uma maneira geral, nestas obras encontramos uma poesia cheia de sensibilidade e sombras melancólicas, o gosto por uma natureza propícia ao devaneio e à meditação; um elogio da noite; a prefiguração da morte; uma sensibilidade que se compraz nos espetáculos das ruínas e cemitérios.
    Esta poesia apresenta como vetores fundamentais:
        - a noite;
        - as ruínas;
        - os túmulos.
    Esta sensibilidade é originária da literatura inglesa.
    O professor Aguiar e Silva diz: "A meditação sobre a noite, os sepulcros e a morte inserem-se numa temática pessimista e traduzem a nostalgia do infinito e a funda insatisfação espiritual que já angustia os pré-românticos."
    Quanto à Alemanha, os pré-românticos surgem um pouco mais tarde do que na Grã-Bretanha; são menos numerosos, mas mais homogéneos. Os pré-românticos ganham consciência de que está em formação uma literatura nova e chegam a criar grupos e escolas.
    Merecem especial referência dois grupos:
        Sturm und Drang (fúria e luta), que surge ligado a Goëthe, com o qual explode o Pré-Romantismo alemão.
            Grupo dos Bardos, que se forma em redor de um poeta religioso: Klopstock.
    Além destes, temos ainda outro autor alemão importante: Lessing, um autor fundamentalmente teórico que acaba por derrotar certas teorias do Neoclassicismo.

    A maioria dos poetas pré-românticos veio de zonas montanhosas dos países nórdicos: Escócia, Irlanda e Suíça. Aqui temos que referir Gessner, autor de vários idílios e poemas bucólicos.
    Nos países do sul da Europa, o espírito pré-romântico aparece como que já filtrado pelo espírito do Classicismo francês. Nestes países, não encontramos escolas nem grupos. Verifica-se apenas a existência de um conjunto de características pré-românticas que lentamente se vão difundindo pela Europa do sul.
    Em todo este processo de difusão, a França desempenhou um papel de charneira e chegou a ter nomes de relevo:

        . Diderot, que escreveu obras sobretudo teóricas já de feição pré-romântica. Elabora uma teoria do génio. Aqui mais não faz do que traduzir um princípio difundido pelos poetas do movimento "Sturm und Drang". Defende a criação poética submetida ao génio. O poeta não pode estar sujeito a princípios; é o génio que se manifesta como forma torrencial.
    A teoria do génio criador elimina o modelo clássico de imitação dos antigos e também a teoria dos génios literários propostos pelos neoclássicos. O génio criador era livre de criar o que quisesse sem estar sujeito a princípios ou normas.

        . Rousseau: a ele se ligam obras como Emílio, Contrato Social, Confissões, através das quais se definiu e difundiu uma nova moral. Ao falarmos em moral de Rousseau estamos a referir-nos a uma moral de sensibilidade que sentimos que não assenta em princípios.
    Aparece um conceito novo consigo: a virtude no sentido de delicadeza da sensibilidade e não de princípios.
    A Rousseau se aliaram teorias como a do bom selvagem e a teoria da bondade natural do homem.
    Numa das suas obras (Confissões), reforçam-se algumas tendências da literatura alemã:
        . melancolia;
        . devaneio;
        . sonhar acordado.
    Com Confissões há a valorização do confessionalismo, da literatura centrada no "eu". Dá-se com esta literatura a abertura da alma e sensibilidade pessoal, na qual não há pudor em falar do "eu" e sua intimidade.
    Há um grande contraponto com a literatura neoclássica: o gosto não é universal, é pessoal. Valoriza-se a sensibilidade contrária à racionalidade.
    Surge também a tendência de procurar um ambiente próprio ao estado de alma do poeta, ligada à preferência pela noite e ruínas, o que evoca o passado e nele procurando um espaço e um tempo afastado do atual. Assim surge a preferência pela Idade Média. Ao valorizar-se a sensibilidade individual e subjetiva surge a valorização do que é peculiar em cada país e sua literatura.

    O Pré-Romantismo inicia uma nova experiência estética. Um dos seus traços era a valorização da literatura de cada país, fazendo com que essa literatura correspondesse aos espíritos próprios de cada povo.
    A partir daqui começa a ganhar forma a teoria da relativização do belo artístico e simultaneamente vai-se desmoronando o princípio neoclássico do belo universal. Começam a surgir literaturas de tendências nacionais. Surge o gosto da poesia de tradição e mesmo de caráter oral.
    Macpherson foi um dos que protagonizou esta teoria da relativização do belo.
    Herder (poeta alemão) e Lessing defendem que cada nacionalidade devia identificar o espírito próprio do povo: "volksgeist". Este acabava por se alargar a outros domínios como a língua, a arte, a religião e modos de vida, que não apenas a literatura. Daqui se valorizar um certo tradicionalismo e se depreender que eles defendam que a evolução de cada povo tem que ser feita segundo a tradição, segundo uma certa fidelidade ao "volksgeist" e não deve ter como preocupação o progresso desenfreado.
    Este "volksgeist" verificou-se em todas as nações europeias antes da dominação do império romano. Com a cristianização e a romanização tinha-se abafado o espírito genuíno de cada povo.
    O "volkesgeist" ter-se-ia manifestado na Idade Média, ainda que de forma abafada.
    O Renascimento trouxe um retrocesso com a universalização de princípios e o regresso aos clássicos e à razão universal. Esta ideia começa a refletir-se na produção literária da época. Por exemplo, Schiller, no seu teatro, começa a apresentar como heróis heróis nacionais.
    Também Garrett inicialmente se mostrava influenciado pela estética neoclássica. Mais tarde escreve obras como Camões e Dona Branca.
    Paralelamente à valorização dos heróis nacionais, há um gosto por personagens marginais, o que se vai estender pelo Romantismo.

Pré-Romantismo

     O conceito de Pré-Romantismo é relativamente recente na história da literatura. Antes falava-se apenas nas primeiras manifestações do Romantismo.
    É sobretudo à ação de Paul Van Tieghem que começa a divulgar-se o vocábulo Pré-Romantismo, com uma significação mais ou menos precisa.

                    O que é o Pré-Romantismo?

    São as tendências estéticas e as manifestações de sensibilidade que, no século XVIII, sobretudo a partir da segunda metade, se afastam dos cânones neoclássicos, anunciando já o Romantismo.
    Somos levados a pensar que estamos perante um conceito que já implica os cânones românticos. No entanto, ainda que aparentemente esta designação de Pré-Romantismo implique uma ligação direta (dependência) na anunciação do Romantismo, o Pré-Romantismo não é uma primeira fase do Romantismo.
    O que se designa por Pré-Romantismo é um estilo de época próprio. Surge como resultado e sob influência de anteriores tendências estéticas (sobretudo as que se opuseram ao Neoclassicismo), mas não é uma simples antecipação do Romantismo.
    O que se designa por Pré-Romantismo é um estilo de época próprio. Surge como resultado e sob influência de anteriores tendências estéticas (sobretudo as que se opuseram ao Neoclassicismo), mas não é uma simples antecipação do Romantismo.
    Não se trata duma espécie de proto-Romantismo do século XVIII, razão pela qual designá-lo como "Romantismo do século XVIII" é um erro que provoca confusões na periodização literária.
    No caso português, este estilo de época remete-nos para o conjunto de tendências pré-românticas que se manifestam nos finais do século XVIII e princípios do XIX.
    Em rigor, não podemos falar de uma escola literária homogénea em relação ao Pré-Romantismo, nem sequer da constituição de uma sistematização teórica dessa escola. Não obstante, é inegável que se verificaram nas principais literaturas europeias, desde meados do século XVIII, novas temáticas, conceitos estéticos e sobretudo uma nova sensibilidade, cuja manifestação evidenciou várias afinidades e simultaneidades cronológicas nessas literaturas.
    Em Portugal, as tendências pré-românticas constituem-se em divergência com o Neoclassicismo. Como tal, ao contrário de outros movimentos que tiveram um suporte teórico, o Pré-Romantismo português não tem ainda, nos finais do século XVIII, um programa definido.
    Segundo uma teorização de Jacinto do Prado Coelho, rigorosamente não houve Pré-Romantismo, pois não se trata de um movimento uno e de diretrizes conscientes.
    "Cada pré-romântico é um caso individual a considerar independentemente das escolas. Pré-românticos são os autores do século XVIII e XIX, que pelos temas, tópicos, pela atitude perante a vida, por uma conceção implícita da literatura, pelo estilo, apresentam várias características (...) que virão a distinguir o Romantismo."
    "Obedecem, não a uma doutrina, mas a tendências que não sabem ao certo aonde conduzirão."
    Combinam de diversos modos, de acordo com diferentes experiências pessoais, os elementos neoclássicos e românticos."
    É na linha desta conceção que vamos encontrar a definição de Paul Van Tieghem, para quem os pré-românticos são "escritores que, pelos fins da idade clássica, se distinguem por traços que anunciam o Romantismo, embora continuem clássicos sob vários pontos de vista. Na maioria, nasceram entre 1715 e 1760. Inovam principalmente pelas tendências morais, pelos modelos e fontes que utilizam."
    Há novos referentes e, por isso, a literatura tinha que mudar.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Características do Neoclassicismo

    O Neoclassicismo é um retomar da estética clássica. A ideia de que o Classicismo consiste na imitação dos autores greco-latinos é já uma característica que deriva de um núcleo de ideias da estética clássica. Algumas dessas ideias configuram-se na luta contra o Barroco. Eram tão nítidos os excessos do Barroco, que vários críticos começam a dar-se conta de que se haviam afastado muito dos antigos moldes com a nova arte cheia de ornamentos, com a variação de ideias ilógicas. Ignorava-se o conteúdo da poesia.

    Por parte dos cultores do Barroco não havia a consciência de que tinha havido uma quebra em relação aos cânones clássicos. Esta consciência apenas surgiria ao longo da primeira metade do século XVIII em Portugal.

    Há um sentido profundo do Neoclassicismo que nasce daqui, desta ideia de que o remédio contra a perversão do gosto estava no regresso aos antigos, à lição genuína dos modelos greco-latinos, mas imitá-lo segundo a fúria nacionalista que se vivia.

    Ao estabelecermos uma poética do Classicismo (que serviu de programa estético para os neoclássicos), esta apresentaria os seguintes princípios:

        1) Imitação dos modelos (autores) greco latinos (como já foi dito, esta imitação não deve ser entendida como pura idolatria): é uma imitação  à luz dos princípios da época. Era dado assente que os clássicos tinham contribuído para o  alcance do belo universal e intemporal. Esta é uma das principais características derrubadas pelo Pré-Romantismo.
    A imitação, contudo, não devia impedir a criação. Trata-se de seguir voos mais seguros, que seguissem rumos propostos pelos antigos, pois assim havia uma referência cultural. Em Portugal, este princípio acabou por se manifestar também na imitação de autores clássicos portugueses (por exemplo, Camões e António Ferreira.

            2) Universalidade racional do belo.
    A luz da razão é que deve dominar na criação literária. Por detrás do Classicismo está uma certa convicção (exaltação) racional. O Classicismo vai adotar a doutrina filosófica de Aristóteles sobre a criação, que devia ter por base a razão, o trabalho (estudo) e a cultura (o conhecimento). Não há aqui nada que se pareça com a imaginação ou espontaneidade do criador. Esta noção de estética da criação vai subentender também o apuramento e a correção. A beleza consegue-se através de princípios rígidos e universais. É a racionalidade que define o gosto do belo, daí ser impossível separar o intelectualismo da universalidade e intemporalidade do belo. É uma beleza justificada racionalmente. Contudo, pode-se criar,  mas sempre com base em princípios racionais e na imitação dos clássicos. Segundo os clássicos, a razão seria universal, intemporal e imutável ao longo dos tempos.
    Estes dois princípios são uma espécie de macro-princípios.

            3) Princípio da verosimilhança.
    Para o Classicismo, a arte deve obedecer à razão, logo deve representar o que é verdadeiro. Para os neoclássicos, a arte não deve representar todo o verdadeiro, mas o verosímil, daí afastando tudo o que seja irreal. Ser verosímil implicava que se exprimisse o que dentro de um plano  verdadeiro fosse típico. Devia pôr-se de lado o que se apresenta como pitoresco. Nada de literatura fantasista.

            4) Princípio da mimese (imitação) da natureza.
    A arte devia ser entendida como uma imitação da natureza.
    Este princípio está ligado ao segundo princípio. Com efeito, detrás da estética clássica está a ideia de que o belo, determinado pela razão, há de ser universal e igual em todas as épocas.
    A racionalidade conduziria a uma atividade essencialmente mimética. A imitação da natureza respeita a uma natureza própria: o homem, enquanto senhor da natureza, devia preocupar-se em retratá-la, mas esta imitação não devia corresponder a uma simples fotografia ou a um puro decalcamento dessa natureza. Devia escolher-se o mais harmonioso e o mais positivo. Trata-se, portanto, de uma natureza seletiva e idealizante. Esta mimese procura na natureza os seus aspetos mais nobres.
    Além disso, no Classicismo há certos paradigmas que mudam: locus horrendus versus locus amoenus. Os lugares desejados têm a ver com a configuração de um lugar ideal.

            5) Intelectualismo.
    Este princípio está por detrás dos princípios anteriores.
    Traduz-se na subordinação aos princípios da razão, pois esta condicionava o juízo estético do bom gosto. A razão é que devia ajuizar o que era bom ou mau para a arte. Mas também é em resultado deste intelectualismo que se pode seguir a imitação dos autores greco-latinos e o primado das regras. Há a necessidade de conhecer os autores greco-latinos e as regras e isto conduz a um certo intelectualismo.
    As regras eram importantes para os clássicos, mas não tinham em si mesmas o seu fundamento; havia regras, porque elas seguiam o primado da razão.
    Por outro lado, os autores greco-latinos deviam ser imitados, porque foram os que estiveram mais próximos do belo universal e intemporal. Há a preocupação da procura do rigor formal de qualquer texto.
    Quer devido aos ditames da razão, quer devido à imitação dos autores greco-latinos, temos dois princípios:
. princípio das conveniências internas: exigência de uma coerência interna do texto;
. princípio das conveniências externas: adequação da estrutura interna ao público e às finalidades do texto. Isto subentende que o público, enquanto destinatário, já esperasse um determinado rigor ou temática, uma determinada linguagem ou personagens.
    No fundo, é desta regra geral que deriva a regra das três unidades: tempo, espaço e ação.
    Este princípio do intelectualismo fazia com que não houvesse contrastes violentos entre as diversas produções estéticas ou mesmo entre uma parte e outra da obra (coerência dos elementos internos da obra).

            6) Distinção dos géneros literários.
    Cada género literário implicava um certo padrão temático-estilístico, além de um conjunto de convenções a que devia subordinar-se. A inspiração dos poetas neoclássicos enveredou pela poesia didática.
    Os géneros preferidos, no caso português, são: poemas científicos e filosóficos: ode moral pindárica (Cruz e Silva); ensinamento da fábula (Bocage); poesia portuguesa de género.

            7) Função moral da literatura.
    Toda a literatura devia obedecer a um princípio ético e moral.
    Os neoclássicos vão interpretar este princípio à luz de um maior pragmatismo em relação aos clássicos. Entende-se neste princípio que a forma devia manter um equilíbrio entre a razão e o sentimento.
    Se, por um lado, vão imperar os aspetos da ética e do ensino de costumes, por outro lado, vão dominar os aspetos da crítica social e cultura. O caso do Neoclassicismo português vai sublinhar os aspetos da racionalidade e utilidade.
    Esta função moral da literatura é também uma forma de atribuir uma função social à literatura. Não é uma literatura moralista, mas serve a moral; não é uma literatura dogmática.
    O que está em causa nesta função pode exprimir-se numa expressão de Molière: "moral da autenticidade". Através dos retratos dados pela literatura, cada homem conhece-se melhor enquanto homem. É mais neste sentido que se deve entender a função moral da literatura.
    Em coerência com este princípio, a forma estética devia manter uma perfeita harmonia entre a razão e o sentimento.

            8) A não espontaneidade da criação literária.
    O Classicismo defende que o processo de formação literária é um processo progressivo, gradual, do texto, no qual a claridade da razão vai afastando os defeitos dessa produção. A criação literária é assim um trabalho de constante progresso, de "vigília racional". Os clássicos procuravam ainda "a clareza racional do apuramento formal constante". A criação literária não é espontânea, é um processo lento. A inspiração é um dom, uma semente que tem que se cultivar, se cair num bom húmus, onde a inspiração germine.
    Há espontaneidade apoiada num conhecimento, numa cultura e por isso é um processo lento.


    Face ao exposto, verificamos que, quando o Neoclassicismo vai retomar os princípios clássicos, fá-lo com influência (inspiração) racionalista, trazida pelo espírito das luzes do Iluminismo. Por isso, alguns dos princípios clássicos já não são puros e surgem como que "degenerados" ou "contaminados".
    Quando o Neoclassicismo surge com a intenção de retomar a estética clássica, tem que supor a transposição de uma estética de um século para outro, pois a estética clássica quinhentista vai confrontar-se, em finais do século XVII e XVIII, com uma situação histórico-cultural substancialmente diferente. Nesta altura, vivia-se a época da "crise  da consciência europeia", uma época que anunciou e favoreceu o surgimento do Iluminismo e também uma época que iria proporcionar o surgimento de um novo Classicismo: Classicismo francês.

    Tal como na literatura clássica, também no Neoclassicismo há uma reflexão moral do homem em sociedade. Esta dimensão implica não só princípios morais, mas também princípios éticos e sociais, daí o seu caráter pragmático.

    Se a tendência da literatura, nesta época, é a de ser a expressão de uma cultura das luzes, a literatura ganha, nesta altura, uma função de crítica social e de orientação ideológica. Ganha também uma função didática, daí a literatura, com influência do Iluminismo, dever contribuir para o progresso social.

    Contudo, a estrutura neoclássica apresenta princípios contraditórios, porque o facto de se tratar de retomar a estética clássica, quando alguns dos traços da literatura clássica já começavam a ser desprezados, faz com que haja um certo caráter artificioso na literatura neoclássica. Tudo isto ganha maior relevo por  causa do processo polémico da implantação do Neoclassicismo. Não só em Portugal, mas também noutras literaturas europeias, a literatura neoclássica foi-se desenvolvendo contra um outro tipo de conceção de literatura e de prática literária: o Barroco tardio.

    O Rococó aparece como uma espécie de visão em miniatura do Barroco e que deste vai manter o gosto pela ostentação, pelo frívolo e pela elegância formal.

    O Rococó, sem que mantenha a grandiosidade típica do Barroco, vai favorecer a manutenção de traços desse estilo de época: foge à racionalidade e utilidade clássicas defendidas pelo Neoclassicismo; vai favorecer o gosto pela intimidade, o que permite o devaneio e o sonho, daí a vida ser concebida como um sonho de felicidade.

    Do ponto de vista estilístico, o tratamento da linguagem também apresenta um caráter perfecionista e denota preferência pelos diminutivos. Também não está isento de aspetos contraditórios. Assim, vai manifestar tendências que se vão misturar com tendências do Barroco Tardio e do Neoclassicismo.

    O Rococó não pode ser considerado como o estilo dominante no século XVIII. Aparece como tendência difusa que vamos encontrar dispersa por obras onde ainda predominam características do Barroco ou, pelo contrário, do Neoclassicismo ou até em obras onde já começa a afirmar-se o espírito pré-romântico.

    No entanto, o Rococó, ao apresentar esta subversão de valores, acaba por ter uma importância fundamental na gestação do Pré-Romantismo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A era vitoriana

    A arte varia de época para época, de acordo com as circunstâncias e as transformações histórico-sociais que vão ocorrendo, daí que possamos considerar que ela constitua a expressão da sensibilidade dos indivíduos perante a realidade com que se confrontam.
O Fantasma de Canterville
    A vida e a produção artística de Oscar Wilde coincidem com o final da Era Vitoriana, uma designação que se refere ao período do reinado da rainha Vitória, que reinou, no Reino Unido, entre 1837 e 190.
    Apesar de a Era Vitoriana coincidir com o Esteticismo e o Decadentismo pós-românticos, movimentos característicos do final do século XIX, na verdade, a obra de Wilde contém ainda traços temáticos e estilísticos típicos do Romantismo, como, por exemplo, a exaltação do indivíduo e da liberdade individual, o culto da beleza como ideal superior e a visão trágica do artista incompreendido.
    No entanto, outros traços distanciam-na dessa corrente literária. Com efeito, substitui a emoção e a sensibilidade românticas (no caso da literatura portuguesa, basta pensar na figura de D. Madalena de Vilhena, personagem de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett) pela ironia, bem como o idealismo romântico pela experiência estética. Por outro lado, o seu texto é marcado pela atmosfera cosmopolita moderna e pela crítica à sociedade vitoriana. Quer isto dizer que a obra de Oscar Wilde se situa numa fase de transição entre a fase final do Romantismo e as vanguardas modernas.



sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O movimento arcádico português

     A estética dos nossos árcades mostra-nos de um modo flagrante que as suas ideias estão próximas das ideias racionalistas e iluministas dos nossos estrangeirados, sobretudo de Luís António Verney no Verdadeiro Método de Estudar. Aqui aparece de maneira subjacente a defesa de uma estética racionalista, que tem como critério base o respeito pela "boa razão", que fundamenta "o bom gosto justificado racionalmente".

    Os nossos árcades falavam do bom-gosto, que é uma «tradução» de boa razão para o domínio da estética. O instrumento estético que permiti a fundamentação do bom-gosto era "a imitação racional dos clássicos greco-latinos". A estes ideais greco-latinas temos que acrescentar o Classicismo francês.

    No fundo, havia três vetores importantes:
        - imitação clássica greco-latina;
        - imitação dos clássicos franceses;
        - imitação dos clássicos portugueses, como Camões e António Ferreira.


Arcádia Lusitana:
                             Alguns dos confrades mais fluentes desta arcádia foram ao mesmo tempo os  mais ditosos poetas da época:

  • Cruz e Silva: mentor da arcádia, que adotou o pseudónimo de Elpino Nonacriense e viveu entre 1731-1799;
  • Correia Garção, cujo pseudónimo foi Coridon Erimanteu e viveu entre 1724-1772;
  • Nicolau Esteves Negrão, cujo pseudónimo era Almeno Sincero;
  • Manuel de Figueiredo: Lícidas Cíntio;
  • Domingos dos Reis Quita teve como pseudónimo Alcino Micénio e viveu entre 1728 e 1770;
  • Francisco José Freire: Cândido Lusitano;
  • Nicolau Tolentino viveu entre 1740 e 1811 e foi dissidente da Arcádia.

    Podemos definir esta arcádia como sendo uma assembleia de escritores que tomavam como pseudónimo o nome de velhos pastores da Grécia, simbolizando com isso que se dispunham a levar a arte literária a uma correspondente simplicidade de expressão. Para levar a bom termo este propósito,  a arcádia inclui entre a sua atividade não só a apreciação de obras escritas segundo normas de censura precisas, como também a discussão de "teses de teoria literária". Estas teses eram comunicadas ao árcades por dissertações feitas pelos orientadores. Versavam problemas como: utilidade da poesia (Francisco Freire); problema da imitação (Correia Garção); definição do género écloga; características da tragédia (Manuel Figueiredo) e da comédia (Freire e Garção).

    A vida desta arcádia foi curta e com vários incidentes. Teve um período de atividades entusiásticas entre 1757 e 1760. Houve, no entanto, outras vicissitudes: ataques de literatos, dissidência, etc., até que a função da arcádia se vai perdendo e encaminhando para um fim que ocorre em 1774. Duas das suas qualidades eram o afastamento da estética barroca e o facto de sublinhar a função social da literatura.

    Uma das questões internas ficou conhecida por "guerra dos poetas" (1767), que eclodiu entre alguns membros como Correia Garção e Cruz e Silva por um lado e o grupo da Ribeira das Naus por outro, chefiado por Filinto Elísio.

    Também o épico Camões foi objeto de discussão entre os que defendiam Camões como modelo teórico (Filinto e Garrett) e outros que se opunham a seguir Camões (L. A. Verney e Cândido Lusitano, Agostinho de Macedo, Valadares e Sousa).

    Uma das designações que começa a generalizar-se é a de dissidentes ou independentes, relativa aos poetas que ou não pertenciam ao movimento das arcádias ou dele se tornaram dissidentes, apesar de alguns destes defenderem os princípios do arcadismo fora da Arcádia. Criaram obra autónoma e demarcaram-se do movimento arcádico.


Nova Arcádia:

                        Por volta de 1790, surge em Lisboa uma nova academia que pretende cultivar a poesia e oratória e que se designa Nova Arcádia, da qual fazem parte Domingos Caldas Barbosa (Lereno), Curvo Semedo, Francisco Bingre, Ferraz dos Campos, etc. Esta arcádia teve inicialmente a designação de Academia das Belas Artes e a ela se juntaram posteriormente nomes como Correia França e Amaral, José Agostinho Macedo e Bocage, entre outros.

    As sessões desta arcádia realizavam-se à quarta-feira e daí ficarem conhecidas, na história literária, por quartas-feiras de Lereno, em alusão ao nome arcádico do seu principal impulsionador, que viveu entre 1740 e 1800.

    Numa primeira fase, esta Nova Arcádia propunha continuar os princípios estabelecidos pela Arcádia Lusitana. Em 1794, os árcades começaram a desentender-se, o que depressa levou ao desaparecimento desta arcádia. Fala-se até de uma briga entre Bocage e o padre José A. Macedo (1761-1831) e usava a poesia com fins satíricos. Em 1814, escreveu um poema épico ("Oriente"), que tinha como objetivo corrigir o que, segundo a sua perspetiva, estava mal n'Os Lusíadas.

    O resultado mais evidente desta arcádia é o Almanaque das Musas, publicado em 1793 e divido em quatro partes. A segunda parte inclui a tradução da Arte Poética, de Boileau, feita pelo conde da Ericeira. Entre os árcades havia os que tinham abandonado a arcádia (dissidentes) e outros que nem pertenciam às arcádias (independentes). Filinto Elísio, que se tornara líder do grupo da Ribeira das Naus, chega mesmo a combater a arcádia. Dentre os dissidentes e os independentes sobressaem Filinto Elísio e Bocage. Para identificar a forma de escrever de cada um deles a partir dos seus pseudónimos riam-se dois movimentos importantes na história da literatura. Filintismo e Elmanismo. Por Elmanismo entende-se vulgarmente, na história literária, um modo de expressão poética própria de Elmano. Por oposição, fala-se em Filintismo, que é o modo de expressão poética de Filinto Elísio, que surge neste contexto como pseudónimo do padre Francisco do Nascimento.

    O grupo elmanista defende:
. ritmo e harmonia iguais;
. fluência oratória, usando como recurso certas formas fáceis e comuns de escrever;
. repetições e uso de antíteses, simetrias, metáforas, hipérboles, etc.;
. gosto pelo choque emocional, pelas imagens crepusculares, pôr do sol.

    No fundo, este grupo favoreceu e até certo ponto condicionou uma sensibilidade próxima do Pré-Romantismo, com um gosto pela poética subjetiva e confessional:
. apresentar um estilo mais arcaizante;
. dar preferência ao uso do verso branco;
. preocupação pela sobriedade de linguagem;
. gosto ou veneração pela influência quinhentista e do Horacianismo.

    Em suma, se tivéssemos de dar uma definição concisa de Neoclassicismo português, podíamos dizer que foi um movimento literário derivado em grande parte do espírito crítico do Iluminismo, que visou a restauração e reabilitação dos géneros, formas e técnicas de expressão clássicas que vingaram em Portugal no século XVI. Paralelamente há uma preocupação pela pureza da língua, com vista a restituir-lhe uma certa sobriedade genuína e castiça, um rigor de sentido.

    Se as primeiras manifestações deste movimento de difusão neoclássica surgem já no final do século XVII, elas vão-se acentuando progressivamente até ganharem força de uma corrente contra os excessos e exageros do Barroco em pleno século XVIII. Para este objetivo muito contribui o movimento arcádico.

    Alguns dos maiores poetas do Neoclassicismo são Correia Garção (1731-1799) e Nicolau Tolentino (1740-1811). Neles é muito acentuado o tom satírico e a sátira atinge mesmo uma dimensão de seu pendor histórico-didático: Sousa Caldas, Agostinho Macedo (1761-1831), alguma poesia de Cruz e Silva.

    O Neoclassicismo que se encontra nestes poetas atua em dois setores capitais:
            . doutrinação estética;
            . criação literária.

    Na sua doutrina estética, vai sentir-se a orientação do racionalismo mecanicista, que vinha na linha das ideias que tinham sido evidenciadas no Verdadeiro Método de Estudar, de Luís António Verney. Porém, já antes se tinha aberto o caminho para o Neoclassicismo português.

    Houve autores que se destacaram pela sua luta contra o Barroco e o Gongorismo:

            -» Frei Lucas de Santa Catarina (1660-1740) escreveu uma obra intitulada Serão político, abuso emendado, na qual põem em evidência um certo desregramento da poesia do seu tempo;

            -» Mais tarde, nos fins dos anos 30, surge outra obra, Exame Crítico de uma Silva Poética, cujo autor é José Xavier Valadares e Sousa. Já aqui se defende a importância da verosimilhança no campo artístico. O autor denota a assimilação de certos princípios do Classicismo francês, chegando a defender um certo cientificismo na poesia. Havia a aplicação de uma máxima de Boileau: "Nada é melhor que a verdade."

    Porém, dentre os mais importantes teóricos do movimento neoclássico, temos:

            -» Francisco José Freire: escreveu uma Arte Poética, publicada em 1748, um Dicionário poético (1755) e outra obra chamada Reflexões sobre a língua portuguesa (1742). Denota a preocupação de seguir os clássicos franceses - Voltaire e Boileau - e refletir os novos cânones do movimento neoclássico. Quando defende uma representação verosímil da natureza, defende uma imaginação com caráter de verosimilhança.

            -» Nicolau Tolentino: é um poeta quase ignorado. Considera-se um poeta independente das arcádias. A sua poesia está reunida na obra Obras Poéticas, de 1701, e que inclui sonetos, odes, epístolas, memórias, sátiras. Foi conhecido na literatura portuguesa pelas suas sátiras, de tal modo que se costuma chamar o sátiro da literatura portuguesa. A sua poesia caracteriza-se pelo gosto satírico e humor fino sem maldade. Diz-se da sua poesia que é um bom retrato dos costumes da época. É uma espécie de cronista da sociedade do seu tempo. É um caricaturista na literatura portuguesa. O seu humor é feito de ironia fina e provoca o riso.

            -» Bocage (1765-1805): outro poeta que se encontra na sequência de Nicolau Tolentino é Bocage, devido ao seu tom satírico, apesar de muito diferentes. Teve como pseudónimo Elmano Sadino. É considerado por muitos como o maior poeta do séculocXVIII e a sua obra poética surge fracionada em dois vetores: lírico e satírico. A crítica considera o lírico como mais importante. Cultivou muitos géneros líricos: elegia, bucólico, ode, epigrama, epístola, cançoneta, soneto e cantata.
    Bocage viveu numa época de conflitos a nível histórico, estético e pessoal. Por isso, teve que enquadrar a sua sensibilidade dentro de um convencionalismo neoclássico, apesar de a sua sensibilidade ou intensidade de expressão dos seus sentimentos levar a enquadrá-lo melhor nos alvores do Romantismo.

            -» José Anastácio da Cunha (1744-1787): apesar das suas ligações à estética neoclássica, este autor tem mais importância quando nos referirmos aos poetas pré-românticos. Um dos traços essenciais da sua poesia é que o seu lirismo amoroso é expresso com veemência vulcânica, delirante, expressa dentro de um ritmo frenético. Daqui resulta essa sensibilidade pré-romântica, sendo assim um poeta pré-romântico. A sua poesia é a de um homem lúcido, chegando a ser preso pela Inquisição por causa das suas ideias avançadas. Acabou por abandonar uma série de orientações do Neoclassicismo.

            -» José Xavier de Matos (1730-1789): esteve ligado à Arcádia Portuense. A sua poesia é uma poesia que reflete uma intensa vivência amorosa, mas que surge escrita sobre uma sensibilidade melancólica. A sua poesia prenuncia o surgimento do Pré-Romantismo, anuncia um egocentrismo romântico, que vem na linha da sensibilidade pré-romântica.

            -» Marquesa de Alorna (1750-1839): o seu nome completo é D. Leonor Almeida de Portugal Norema e Lencastre e o seu nome arcádico era Alcipe. A sua poesia está reunida em 6 volumes, sob o título Obras Poéticas (1844).
    A sua sensibilidade oscila entre o culto dos clássicos e as ideias românticas. É outra poetisa a colocar no seio da poesia pré-romântica. O estilo clássico adequa-se mais ao seu espírito de equilíbrio e sensatez. O lado romântico advém da influência inglesa e alemã, pois leu poetas, nos seus originais, destas línguas. Parte da importância que se atribui advém do facto de ter tido muita importância ao trazer para Portugal s novas correntes.

Contexto e princípios do Arcadismo

     Um dos princípios do Arcadismo era a divisa inutilia truncat. Um dos princípios a considerar na configuração da estética arcádica era a imitação dos modelos greco-latinos. Esta era a ideia matriz, dela procedendo outros princípios defendidos pelos árcades:
        - elogio da vida simples;
        - a fuga da cidade para o campo;
        - o elogio de uma espontaneidade pré-civilizada da natureza bucólica.

    A própria designação de Arcádias tem a ver com uma região bucólica do Peloponeso. É uma designação significativa.

    Por aqui se pode constatar que esta revalorização de um estilo de vida preconizado pelos antigos, numa época de progresso, vai dar origem ao cultivo de uma poesia de pose (segundo Massud Moisés). É algo postiço, artificial, demasiado literário, porque surge em flagrante contraste com o clima histórico-cultural: época de franco progresso, desenvolvimento das ciências e de progresso urbano, decorrente da industrialização, da procura da verdade. Há a proposta de regresso ao passado.

    Nas reuniões dos árcades, discutia-se sobre a arte poética, a oratória e surgem aspetos aparentemente contraditórios, como a abolição da rima, porque a rima podia obrigar a um retrocesso no pensamento de influência iluminista. daí cultivarem o verso branco. Defendiam também a função social da literatura. Para além do modelo greco-latino, eles inspiraram-se nos franceses do século XVII (ex.: Voltaire). Quando ao caso português, pretendiam reatar a tradição quinhentista (com Camões). Eram diferentes as situações das grandes literaturas europeias, quando se dá a crise da consciência europeia (séculos XVII-XVIII).

    Nesta altura, em França, dominava já o Classicismo, que pode harmonizar-se com o impacto do novo movimento racionalista - o Iluminismo. Harmonizava-se, porque também o Iluminismo assentava num certo intelectualismo. Só aparentemente o racionalismo iluminista se devia opor ao Classicismo, mas esta oposição verificava-se porque o Classicismo dava relevo à tradição e ao passado, uma vez que defendia a imitação dos valores greco-latinos contrários ao Iluminismo. Este preceito de conceder importante valor à tradição era justificado racionalmente segundo o espírito racionalista cartesiano. Em França, foi possível a conciliação dos princípios clássicos com os princípios intelectualistas subjacentes ao Iluminismo. Daí que o Classicismo se tenha conservado na Europa, porque a estética clássica se harmonizou com os princípios iluministas. Face a uma reação antibarroca nos princípios do século XVIII, o Classicismo chega a substituir o Barroco "em nome da razão, da verdade, do bom-gosto e da ordem".

    Os autores europeus vão procurar as suas ideais e bases temáticas nos clássicos, mas procuram justificar esse regresso de uma maneira racionalista. Na grande renovação literária desta época, a França consegue impor a sua cultura e os seus autores. As língua e cultura francesas invadem a Europa e chegam a contrapor novos modelos (clássicos franceses) em relação aos mundos greco-latinos. No Classicismo francês, podemos falar de Molière e Voltaire.

    Alguns princípios estéticos neoclássicos defendidos pelas Arcádias formavam nada mais nada menos que princípios defendidos pela literatura clássica francesa, tais como: a poesia como mimese; imitação das obras-primas da antiguidade; magistério cívico e moral da poesia; sobriedade, retenção e equilíbrio.

    Estes princípios, apesar de já terem sido defendidos por volta de 1640 em França, só nos princípios do século XVIII atinge a sua proclamação em outros países da Europa, como a Itália.

    Em Itália, os árcades vão insurgir-se contra "o mau gosto barroco identificado como uma literatura vazia, inútil, repleta de extravagantes metáforas e de falsos adornos, rebelde à lição dos antigos e aos limites impostos pelas regras. Insurgem-se ainda contra "uma poesia lúdica e falsa, preocupada com o rumo dos vocábulos bem sonantes". Contrapõem uma "poesia profundamente enraizada na realidade, assente no princípio da verosimilhança e isenta de artificiosos e deformadores requintes". As preocupações estéticas dos árcades diziam principalmente respeito à poesia. A prosa que surge na altura de teor histórico, pedagógico, filosófico e que surgia fora dos valores arcádicos.

    As novas propostas de poesia encaminhavam-se para uma obediência a um princípio de verosimilhança e, ao mesmo tempo, era o desejo de uma poesia disciplinada que se fundasse em regras precisas e universais. Este equilíbrio, segundo os árcades, tinha-se perdido devido ao abandono dos modelos clássicos. Só voltando a estes é que se consegue restaurar o bom-gosto.

    Ao contrário da poesia barroca (que defendia um puro hedonismo), a Arcádia propunha uma poesia que aspirasse a um magistério moral e social. O prazer estético da poesia devia aliar-se a uma utilidade moral:

            beleza poética = deleite + utilidade
            beleza poética = "imitação verdadeira" + proveito

    Daqui havia de resultar o valor didático da poesia mais a missão social e cívica da poética. Está subjacente a estes princípios o Iluminismo. Há a adaptação do espírito clássico mediante a postulação dos princípios iluministas.

    Ao nível dos árcades portugueses, não há grandes diferenças a nível teórico, mas ao nível do desempenho com a criação das arcádias, que procuraram combater o Barroco ou o Barroco tardio e defendem o regresso ao Classicismo. É neste retorno que se vai inserir o Neoclassicismo, que não defende uma simples reposição do Classicismo, mas caracteriza-se por uma transposição dos clássicos para os novos tempos e esta transposição encontraria pelo meio um fator de influência: espírito iluminista preponderante.

    O Neoclassicismo trazia também consigo uma preocupação filológica, que se refletia na defesa da língua pátria (em Portugal, era a quinhentista), que se apresentava como modelo a retomar. Esta preocupação filológica (traço principal do Neoclassicismo português) insere-se no espirito de preocupação didática inerente à ação das Arcádias. De facto, o Neoclassicismo vai caracterizar-se basicamente por estes dois aspetos:
                                                                            - racionalidade;
                                                                            - utilidade.
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