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quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Foco narrativo em Vidas Secas

    Cada capítulo é dedicado a uma personagem, embora as outras possam estar presentes. O tipo de discurso que temos é quase sempre o discurso indireto livre: o narrador na 3.ª pessoa é substituído pela visão e pensamento das personagens. Mas a distância entre os dois discursos não é fácil de efetuar, de tal modo se sobrepõem. Este processo já era usado por Machado de Assis, embora com objetivos e efeitos diferentes. É um processo presente em todo o romance: muitas vezes, não sabemos se estamos perante a visão das personagens ou do narrador.

    A descrição física é substituída, por vezes, pela descrição do sentimento e o narrador é substituído pelas personagens e isto confere ao romance uma grande dose de objetividade.

    No início de cada capítulo, temos um relato omnisciente, que é quase sempre substituído pelo relato da personagem, o que tem repercussões ao nível do discurso.

    No capítulo referente ao menino mais novo, o vocabulário e a construção utilizados mostram-nos a evolução do pensamento do menino. E é constante a alteração entre a perspetiva do menino e a do narrador, que se sobrepõem, sendo difícil separá-las.

    O processo de substituir perspetivas acaba por ser um facto importante na própria estrutura do romance: se o narrador é substituído pela visão das personagens, ele vai ter a ciência que as personagens lhe permitirem.

    O discurso vai ser condicionado pelo próprio conhecimento que as personagens têm em relação às coisas. O foco narrativo e a ciência do narrador são condicionados por dois aspetos:
            - discurso indireto livre: substituição da voz do narrador pela voz das personagens;
            - recurso ao monólogo.

Tempo em Vidas Secas

    O tempo não é medido; não nos é apresentado segundo uma sequência lógica. O tempo medido é dado apenas pela sequência das estações do ano: verão, inverno. É pela mudança da estação que temos a noção da passagem do tempo.

    Se o tempo não é medido, há a noção de um longo lapso de tempo, de um tempo que se arrasta. Uma vez que não há indicações da sequência dos dias, não há ordenação em relação aos capítulos. Disto resulta um arrastamento do tempo, ao longo do qual se passam muitos eventos. Por vezes, temos sinais que indiciam a passagem do tempo (pág. 18-19), mas não temos a localização dos acontecimentos num tempo concreto.

    Podemos distinguir 2/3 tipos de tempo:
            - Tempo histórico: não aparece concretamente referido; apenas se evidencia pela passagem das estações do ano. Daí a sua ligação a um outro tipo de tempo:
                - Tempo meteorológico: relacionado com as estações do ano, que condicionam as atitudes das personagens.
                - Tempo narrativo: é o tempo do texto e do qual só nos apercebemos pela mudança dos verbos e de certas expressões. No capítulo referente a Fabiano, temos uma alternância entre verbos no perfeito e imperfeito e verbos no mais-que-perfeito. São os verbos que indicam a passagem do tempo: eles já estão na quinta e, então, é através do mais-que-perfeito que se mostra o que acontecera entre a situação atual e o que se passara no capítulo anterior. Não há uma sequência lógica, pois no capítulo I apenas se faz referência a uma quinta e neste já estão instalados. A ligação entre os capítulos não é feita pelo tempo; há uma ambiência mais significativa.
    Por exemplo, no capítulo referente a Sinhá Vitória, temos mais um tempo psicológico que narrativo, que nos é dado através de expressões ou locuções adverbiais. Todo o capítulo é mais o relato do pensamento de uma personagem, onde se cruzam o tempo histórico e o tempo narrativo. É um tempo narrativo longo, pois a personagem é acompanhada em toda a sequência do seu pensamento. Por isso se diz que é mais um tempo psicológico que um tempo histórico; o que interessa são as vivências psicológicas.

Espaço de Vidas Secas

    Se se trata de um romance regionalista, implica que tenha que nos descrever um espaço concreto: sertão. É um espaço importante que devia ocupar todo o romance; no entanto, não temos uma descrição rigorosa do espaço, mas sim alguns elementos descritivos: viagem, seca e um certo tipo de paisagem referente à seca e o inverno. Por exemplo, é-nos apresentado o facto de eles se instalarem numa quinta, mas nunca nos é descrita.

    Também a cidade, nem quando Fabiano é preso, nem na festa, nos é descrita exaustivamente, mas apenas referida como uma cidade.

    Sendo um romance Neorrealista, além de regionalista, era obrigado a fazer uma exposição clara e objetiva do espaço, mas isso não acontece. O espaço físico é, na sua maior parte, substituído pelo espaço psicológico. Assim, não temos uma descrição da cidade, mas apenas uma visão que nos é dada pela personagem. O mesmo se passa em relação à visão que nos é dada da Igreja.

    Quando temos a descrição do espaço físico, ela é feita com a objetividade de um relatório. Temos que reconhecer que, se o espaço tivesse aqui uma centralidade fundamental, o romance seria impossível de ler, porque apenas se falaria da seca e da terra árida. O espaço é monótono, repetitivo e opressivo.

    O espaço físico é, assim, breve, objetivo e preciso. Todos os elementos apresentados são importantes e necessários para a compreensão do espaço e sua influência nas personagens. Toda a descrição seja da viagem, da seca ou do inverno, tem uma função determinada; pauta-se por ser funcional: dá-nos a dimensão da opressão do espaço sobre as personagens e do sofrimento das personagens. A ausência de referências ao espaço físico pode estar ligada ao próprio tipo do narrador. A função do narrador é, por vezes, substituída pelo olhar das personagens sobre os acontecimentos. Se temos a visão das personagens e não do narrador e elas têm dificuldade em nomear as coisas e comunicarem, então as referências a objetos e espaços que elas não conhecem não podem existir. Por isso, temos apenas a descrição de certos elementos que as personagens conhecem. Daí os momentos de descrição serem também repetitivos.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Personagens de Vidas Secas

     Após a morte do papagaio, ficam cinco viventes, cinco "vidas secas": Fabiano, Sinhá Vitória, os dois miúdos e a cadela Baleia.

    Mas há outras personagens importantes:

        => "Seu Tomás da bolandeira", referido por causa da cama que Sinhá Vitória gostava de ter e pela sua capacidade de comunicação. Mas enquanto Fabiano não sabe falar e sobrevive, Tomás, que tão bem sabia falar, não resiste à seca. No fundo, esta personagem é um ideal de identificação.

        => Fazendeiro: principal elemento de oposição, tal como o soldado. Ele explora Fabiano e este, sabendo que precisa dele, não se revolta e tudo suporta.

        => Soldado amarelo: é também um elemento de poder e opressão.

        => Dono da taverna.

        => Sinhá Terta, que irá desencadear uma importante discussão sobre o "inferno"

    Um dos aspetos mais difíceis na relação das personagens é a dificuldade de estabelecerem diálogo, que é substituído por gestos ou interjeições ou, então, não falam. Fabiano não é burro, mas pelo contrário tem consciência da inutilidade de saber muito numa região daquelas. A dificuldade de comunicação passa de pais para filhos (págs. 54-6).

    A linguagem está ao nível da utilização material do signo. O conhecimento e a apropriação de uma coisa passa pela sua nomeação. Daí a sua estranheza na festa, perante tantas coisas para as quais não conhecem os nomes.

    A família é um elemento fundamental e engloba homens e animais. Por exemplo, Baleia tem direito a um capítulo como as outras personagens. A dificuldade de comunicação verbal é substituída por um tipo de comunicação afetiva e instintiva.

Ação de Vidas Secas

    São vários os aspetos principais: viagem, seca e região. O romance começa e termina com uma viagem; as personagens têm medo dela e, no entanto, ela condiciona as suas vidas.
    A seca não é uma ação, mas influencia uma ação, que é a viagem. Esta é a ação mais justificativa e profunda. É ela que justifica a sua razão de sobrevivência. A estadia na quinta corresponde apenas a um período relativo de bem-estar. Temos, assim, no romance, dois polos: viagem e estadia, organizados ciclicamente entre si. A estadia ocupa um espaço maior, mas a viagem tem um sentido mais profundo. Não nos são apresentados os factos do dia a dia, mas apenas se refere a sua estadia na quinta. A única ação possível e fuga ao destino que cai sobre as personagens é a viagem.
    Deixando de lado a viagem, a única ação que resta é a do dia a dia, que se resume à narração de certos episódios de importância relativa, mas essenciais para a caracterização das personagens.
    Esta pouca ação e o caráter fragmentário dão-nos uma sensação de vazio em relação ao que é esperado de um romance. Mas este romance é muito simples e tem ideias básicas, a respeito das quais não nos conseguimos afastar: seca e viagem; opressão e vazio. A viagem é o único modo de tentar ultrapassar esta situação e o facto de ocupar um espaço menor na narração mostra a impossibilidade de mudança.
    Os episódios são importantes pela alteração psicológica que provoca nas personagens. Por exemplo, o episódio da morte de Baleia mostra uma identificação entre bicho e homem. Sinhá Vitória esconde os miúdos debaixo das almofadas para que estes não ouçam os latidos da cadela e ela própria sente pena dela; também Fabiano sente a sua morte. Baleia sempre foi importante no romance pela comunicação que estabelece com as crianças e que nem mesmo Fabiano consegue.
    O próprio Fabiano admite que ele é um bicho e esta consciência faz com que as personagens adquiram dos animais a dureza para sobreviverem num meio tão contrário.
    Também "A Cadeia" é um episódio importante pelas referências sociais e ao poder. Já não bastava a opressão do meio, temos agora a opressão das autoridades, que nem sequer têm capacidade para exercer esse poder. Mas temos dois tipos de poder:
  • o poder do Estado, que é reconhecido por Fabiano;
  • o poder das autoridades, representadas pelo soldado amarelo, que ele não aceita. Fabiano reage, porque não compreende a autoridade do soldado amarelo, não sabe como é que o governo escolhe assim pessoas para exercerem o seu poder.
    Outro episódio importante é o da "festa", que é muito ativo; descreve-se o modo como se vestiam, como decorre a viagem e como se sentem deslocados no ambiente desconhecido da cidade. Temos presente o poder do desconhecido, o desajustamento social e o medo de estabelecer contacto, que são os aspetos fundamentais deste capítulo.

Estrutura de Vidas Secas

Vidas Secas: "Estória"

    É a história de 6 viventes, que ficam reduzidos a 5 com a morte do papagaio e depois 4 com a morte da cadela Baleia. Não há noção de distinção entre homem e bicho.
    O romance abre com uma família em trânsito, em viagem, que nunca é interrompida, pois embora se fixem num certo lugar durante algum tempo, a viagem continuará por causa da seca, motivo nuclear, juntamente com o próprio sistema socioeconómico: exploração do que trabalha pelo patrão. Esta exploração  impedia-os de se estabelecerem, pois nunca conseguiam nada de seu, além de que as condições da terra eram péssimas. O sistema económico baseava-se na exploração e não havia sistemas alternativos.
    A região e a seca passam a ser a substância da personalidade e dos acontecimentos. Tudo o que se passa no romance está subordinado à seca, o próprio sentimento das personagens.

Graciliano Ramos

    Graciliano Ramos nasceu em Alagoas em 1892 e morreu no Rio de Janeiro em 1953. Pertencia a uma classe média de comerciantes e tinha 14 irmãos. Conviveu com muitos escritores nacionais e estrangeiros.

    Em 1933, foi preso por subversão e, em 1945, era já um escritor muito conhecido e lido.

    O romance regionalista Vidas Secas é de 1938 e debruça-se sobre a vida de uma família de agricultores transferida para uma zona do nordeste brasileiro, onde é atingida por uma terrível seca. Este seu romance é o quarto; antes escrevera:
                - Caetés (1933)
                - S. Bernardo (1934)
                - Angústia (1936)

    Depois escreveu Memórias do Cárcere e outros livros de literatura infantil e autobiográfica.

Romance regionalista

        . A cor epocal não é suficiente para que um romance seja regionalista. Mais do que a cor epocal, o romance regionalista implica uma relação muito profunda com o espaço, o tempo e as gentes. Assim, esta relação tem que ser substancial e tem que se adequar a formas de tratamento do tema escolhido à região. Todo o romance tem um tema, mas no caso do romance regional o tema tem que ser a própria região com as suas características. A própria estrutura cíclica do conteúdo está na forma.
    O romance regionalista, opondo-se ao romance urbano, não deixa de ser universal, porque ele não é só a descrição do espaço, mas a vivência profunda desse espaço.

            . Relação do romance regionalista com o Neorrealismo: a década de 30 retoma princípios do Realismo e é essa feição neorrealista que confere as preocupações de natureza social e ideológica.

            . O romance regionalista pode aparecer como forma de luta mais ou menos empenhada, mas mesmo que apareça só a descrição duma região isto já é importante, pois mostra os desejos de mudança. Tanto o Modernismo como o Regionalismo têm princípios diferentes, mas também semelhantes. As características de cada um entram em ligação com as preocupações das regiões onde surgiram. Na década de 30, o Modernismo foi o amadurecimento da "Semana de Arte Moderna", que foi impulsiva e espontânea. Agora, apercebem-se da importância de inovar, mas preservando a tradição.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Regionalismo no Brasil: década de 30

    Em 1930, dá-se no Brasil a Revolução de Outubro, acontecimento histórico que despertou um conjunto de esperanças e oposições, que tiveram grande influência a nível literário.

    Se a "Semana de Arte Moderna" marcou a mudança da literatura, teve, no entanto, algumas limitações:

  • funcionou muito abstratamente sem manifestações concretas
  • estava centrada numa pequena elite, que não pode representar um país como o Brasil
    É na década de 30-40 que os escritores se apercebem de que outras coisas têm que ser importantes: a literatura não funciona em abstrato. A "Semana da Arte Moderna" desprezou também tudo o que a antecedeu; pelo contrário, na década de 30, vai recuperar-se o que vem de trás e tenta-se uma adequação dos factos históricos à estrutura artística.
    Nesta década, não se desprezam todos os princípios que haviam presidido à "Semana de Arte Moderna", mas alguns são abandonados. O Regionalismo é uma corrente que vem na linha do Modernismo, mas por outro lado recupera certos princípios do Modernismo.
    Esta corrente regionalista diz quase sempre respeito a um mesmo espaço, que é o sertão. O núcleo desta vertente há de,  pois, ser as "estórias" do sertão. Esta vertente enquadra-se nos princípios do Modernismo, mas segue princípios próprios, com aspetos históricos, culturais e sociais específicos.
    É nesta altura que surge u autor de nome Gilberto Freire, que vai começar, no Recife, um movimento que tinha como objetivos:
        - Opor-se à hegemonia do Sul
        - Evitar a descaracterização do nordeste, que começava a entrar em decadência. Com efeito, o centro e o sul sempre foram mais desenvolvidos que o norte.
    Agora, algumas cidades do norte, como Olinda, Recife e Bahia, que participavam do esquema económico que entrava em decadência, começam a reagir. Os latifúndios, que eram a base da sua economia, coçam a entrar em decadência. O sul sempre tivera maior capacidade de reestruturação económica. Então, os intelectuais do norte notaram que essa zona estava a degradar-se. A descoberta de ouro em Minas Gerais afastou muita da riqueza que o nordeste podia ter encontrado. Depois desta recessão, conseguiu uma certa recuperação com a comercialização do café, e também com o cultivo da cana de açúcar, mas quando se começa a recorrer a produtos sucedâneos, como a beterraba, o nordeste perde novamente, pois havia investido muito capital na produção da cana. Além disso, estas grandes plantações eram cultivadas por escravos e daí que a abolição da escravatura tenha também contribuído para a decadência da economia nordestina. Já próximo do século XIX, houve a tentativa de industrialização da produção do açúcar, mas não deu resultado por falta de conhecimento da terra por parte dos que possuíam o capital.
    Enquanto o nordeste decai económica e socialmente, no sul dá-se um grande desenvolvimento, particularmente do estado de São Paulo, que se transforma num grande produtor de café. Começa também a ser um grande foco de emigração, que traz muita gente para o trabalho, ao contrário do nordeste, onde a mão de obra escasseia. São Paulo torna-se um misto de culturas e aí surge um novo movimento cultural, que é o Modernismo.
    Temos, assim, o sul em desenvolvimento e o nordeste em decadência. Logo, os movimentos que surgem em cada zona são diferentes:

















    São, assim, duas zonas que têm condições socioculturais e ideológicas diferentes. Se as questões são diferentes, exigem respostas diferentes e mesmo géneros literários diferentes. Logo se compreende que surjam movimentos diferentes com a mesma base: renovação da literatura no Brasil.
    É na poesia que o Modernismo mostra os seus anseios de natureza estética. Esta poesia pauta-se por uma:
            . independência linguística
            . liberdade de forma
    O romance permite apreender mais facilmente uma ideologia do que a poesia; daí ser a forma privilegiada no Regionalismo. O romance regionalista, na década de 30, é especificamente representativo do sertão e aqui vamos encontrar autores importantes como:
            - Graciliano Ramos
            - Jorge Amado
            - José Lins do Rego
            - Erico Veríssimo

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Análise do poema "Os vestidos Elisa revolvia", de Camões


Os vestidos Elisa revolvia
que lh’Eneias deixara por memória;
doces despojos da passada glória,
doces, quando seu Fado o consentia.

 
Entr’eles a fermosa espada via
que instrumento foi da triste história
e, como quem de si tinha a vitória,
falando só com ela, assi dizia:

 
– Fermosa e nova espada, se ficaste
só para executares os enganos
de quem te quis deixar, em minha vida,

 
sabe que tu comigo t’enganaste;
que, para me tirar de tantos danos,
sobeja-me a tristeza da partida.

 
    Neste soneto, Camões conta o trágico epílogo da história de amor entre Dido, rainha de Cartago, e Eneias, herói da guerra de Troia, tal como é apresentada por Virgílio no IV canto da Eneida. De facto, o poeta refaz toda a cena descrita nos versos 648 a 652 da epopeia de Virgílio, que precede imediatamente o suicídio da monarca, quando esta vê as “Eliacas Vestes” de Eneias espalhadas pelo leito, símbolo de um amor que acabou, e nele se recosta, pedindo-lhes que acolham a sua alma para a libertarem do sofrimento causado pelo abandono.

    A história de Eneias na Eneida após o final da guerra conta-se rapidamente. O herói foge de Troia, destruída pelos gregos, depois de ter salvo o pai Anquises e o filho Ascânio, e faz uma longa viagem pelo mar. O fado e os deuses fazem-no desembarcar nas costas de Itália, onde deverá dar origem à família imperial romana (gens Iulia) e, por consequência, à grandeza de Roma. A primeira paragem teve lugar em Cartago, onde mora o potente reino fenício governado por Dido. Graças à ação de Vénus (deusa do amor e mãe de Eneias) e de Juno, Dido e Eneias apaixonam-se perdidamente, apesar de a rainha ainda se encontrar de luto pelo marido, Siqueu, ao qual jurara ser sempre fiel. No entanto, para os antigos gregos e romanos, nenhum ser humano podia livrar-se dos ditames do fado e dos deuses. Assim, depois de alguns meses de intensa paixão, Júpiter envia Mercúrio, seu mensageiro, para recordar a Eneias a missão que lhe tinha sido confiada. Deste modo, o herói troiano vê-se forçado a abandonar a amada, repentinamente, mas, antes de partir, protagoniza uma despedida dolorosíssima da rainha. As embarcações troianas deixam o porto de Cartago durante a escuridão da noite, e Dido, quando acorda, encontra a praia deserta e fica desesperada. Pede, então, à irmã que empilhe, numa pira pronta a arder, todos os objetos pertencentes a Eneias, sobre os quais coloca o leito nupcial, símbolo da sua união amorosa, bem como as armas e uma figura em cera do amante traidor, com o objetivo de o esquecer para sempre. No entanto, ao ver as armas de Eneias, Dido decide suicidar-se, pois é incapaz de viver sem aquele homem que amou tão intensamente e pelo qual traiu a memória do falecido marido e a sua própria honra. Assim, pega numa espada e mata-se.

    Camões escolhe a forma do soneto para contar o desfecho trágico do amor de Eneias e Dido, isto é, o momento em que ela toma a decisão de se suicidar com a espada do amado. No que diz respeito à estrutura interna do texto, nas duas quadras, descreve-se Dido, abandonada, revolvendo as roupas deixadas por Eneias em Cartago antes de partir, entre as quais encontra a espada do herói, enquanto, nos dois tercetos, é relatada em discurso direto a invocação da rainha a essa espada, de acordo com o procedimento da sermocinatio, através do qual o poeta coloca o seu discurso na (continua aqui »»»).

Análise da cantiga "Bem viu Dona Maria"

    Esta composição poética, da autoria de João Vasques de Talaveira, é extremamente curta, dado ser constituída por dois tercetos (dístico seguido de refrão), e é mais uma dirigida a Maria Leve e que parece seguir imediatamente a que a precede no manuscrito do trovador e que tem como alvo Maria Pérez, a Balteira (“O que veer quiser, ai cavaleiro”). Ainda que a diferença no nome não permita saber com segurança se se trata efetivamente da mesma soldadeira, tal hipótese terá de ser tida em conta, dado que Leve (que significava «ligeira», mas também «tonta») poderia ser uma alcunha de Maria Balteira. A esta Maria Leve, o trovador dirige outras três cantigas de escárnio e maldizer. Por último, dada a sua exiguidade, há a considerar que talvez o poema esteja incompleto.

    Na primeira cobla, o trovador afirma que D. Maria estava ciente de que ele não possuía na sua «emboleira», isto é, na bolsa das esmolas, o que indicia a sua extrema pobreza, que o leva a pedir esmola. A segunda estrofe repete a ideia da anterior, adicionando um pormenor: a mulher estava a insultá-lo. E a cantiga não vai mais além, o que parece confirmar que não está completa. Seja como for, parece que estamos perante uma composição poética que nos coloca perante uma mulher, uma soldadeira, que insulta o trovador por ele não ter posses, daí que não lhe possa pagar os seus serviços (por exemplo, de bailarina).

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Na aula (LVI): resposta de ETAR

    Professor: Como se chamam as cantigas de amigo que fazem referência ao rio, ao mar, etc.?

    Samuel Amador: ETAR.

sábado, 6 de dezembro de 2025

Origem e significado do nome Abelardo

    A sua origem não é clara. Seja como for, estamos perante a forma portuguesa e espanhola de um nome de origem germânica (Adalhard ou Adellard), constituído pelas formas «adal» (nobre) e «hard» (forte, resistente, corajoso), associando-se, assim, ao significado «nobre», «nobremente corajoso», «firmeza de caráter».

    Este nome ganhou relevância histórica graças a Pierre Abélard (c. 1079-1142), filósofo e teólogo francês cujo trágico caso amoroso com uma mulher de nome Heloísa acabou por se tornar uma história conhecida ao longo dos tempos.

Origem e significado do nome Abel

    O nome próprio Abel tem origem hebraica: provém de «ablu» ("filho") ou «hevel» ("vapor" ou "sopro").

    Na Bíblia, Abel era o segundo filho de Adão e Eva, tendo sido assassinado pelo seu próprio irmão, Caim, de acordo com o Génesis.

    Por outro lado, a origem etimológica hebraica sugere uma conotação de fragilidade ou transitoriedade, refletindo a brevidade da vida humana, uma noção reforçada pela narrativa da sua morte prematura.

    Já de acordo com a tradição judaico-cristã, Abel constitui uma figura representativa da inocência e da justiça, que o assassinou por ciúmes. A disputa entre ambos tem sido vista, ao longo dos tempos, como o símbolo da luta entre o Bem e o Mal.

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