A
descoberta da tipografia e a invenção da imprensa em meados do século XV,
atribuída a Gutenberg, é estimulada pela existência de um público em
crescimento, para o qual já não bastava a reprodução manuscrita do livro. Essa
invenção acelerou prodigiosamente a difusão dos livros, das ideias e das
notícias, e constituiu-se em poderoso fator de transformação ideológica.
O
descobrimento do caminho marítimo para a Índia e o da América ‑ ambos rapidamente
divulgados pela imprensa ‑, assim como o encontro de civilizações desconhecidas,
como a chinesa, modificam as concepções multisseculares do europeu acerca do
planeta, dos costumes e das crenças.
Outras
invenções e aperfeiçoamentos técnicos, como a artilharia, os novos processos de
exploração de minas, etc., mostram as possibilidades de domínio da natureza,
abrindo caminhos para a ciência conexamente matemática e experimental, que será
um facto no final do século XVI com os trabalhos de Galileu.
Não
surpreende por isso que, sobretudo antes de começarem e depois de terminarem as
lutas religiosas que ensanguentaram os meados do século XVI, principie a
esboçar-se um moderno ideal de sociedade, sob a alegoria, por exemplo, de uma
distante cidade quimérica e racionalizada, sem tribunais nem violência ‑ a Utopia de Tomás Morus (a que se
seguiram, mais tarde, a Cidade do Sol,
escrita em 1602 na prisão por Campanella, e a Nova Atlântida, 1627, de Francisco Bacon).
É
neste contexto que se torna possível uma assimilação mais ampla da cultura
greco-latina. Embora alguns autores latinos não fossem ignorados antes do
século XV (especialmente Séneca, Cícero e Ovídio) e muitos lugares-comuns
literários da Antiguidade tivessem feito caminho até à literatura cortês
através das obras do clero medieval, certas facetas da cultura clássica eram
inassimiláveis pelo mundo feudal e agrário. O desenvolvimento da sociedade
mercantil e de toda uma cultura ligada à sua experiência põe em causa a síntese
doutrinária lentamente elaborada pelo clero das universidades nos séculos
imediatamente anteriores, e um dos efeitos desta situação é o alargamento da
curiosidade a outros aspetos do património cultural antigo em que, contrariamente
à Escolástica, se dignificassem as atividades civis, o saber prático ou
especulativo em diretrizes teológicas, o lucro e a operosidade mercantil, a inteligência
e até o corpo humano, a vida terrena. Pouco a pouco, o esquema teológico da
Criação, Queda e Redenção serve de modelo a este outro: Luzes greco-romanas,
Trevas "góticas" e monaicas. Daqui a designação de Renascimento, que só mais tarde se
começou a usar explicitamente em relação ao Quattrocento
(século XV italiano) e a uma parte do século XVI europeu de demarcação
problemática.
Os
promotores deste movimento são os Humanistas, letrados cuja actividade se
exerce geralmente fora da hierarquia clerical, e que constituem um grupo cada
vez mais numeroso. A palavra humanismo
com que se designou este movimento, inspirada pelo conceito de humanitas (o da humanidade, ou qualidade
humana, como cultura e estrutura moral) de Cícero, exprime a crença num
conjunto de valores morais e estéticos universalmente humanos, os quais se
achariam definidos tanto nas Escrituras e na Patrística como na cultura profana
da Antiguidade.
Já
Petrarca, herdeiro da poesia provençal, viaja incansavelmente em busca de
códices latinos. Boccaccio (1313-1375), Poggio (1380-1459), Alberti (1404-1472)
e outros letrados italianos descobrem e dão a conhecer textos ignorados de
Tácito, Cícero, Quintiliano, Tito Lívio. Prelados bizantinos fixados em Itália
por ocasião dos concílios quatrocentistas, outros intelectuais de Bizâncio,
posteriormente fugidos aos Turcos, e eruditos italianos, como Filelfo, e
Lorenzo Valla (1405-1457), criador da filosofia clássica ‑ , contribuem para a
revelação da língua e da literatura helénicas, quase completamente ignoradas no
Ocidente medieval.
Os
primeiros focos desta cultura «renascida» situam-se em Florença, onde Cosme de
Médicis, por influência do neoplatónico Marsílio Ficino, funda a célebre Academia
Platónica, frequentada por Pico della Mirandola, Leão-Baptista Alberti e
outros; por outro lado, o Renascimento encontrou importantes apoios na corte
pontifícia, nas de vários príncipes italianos e nas cortes dos burgueses ou dos
condottieri que dominam Milão,
Ferrara, Mântua, Rimini, etc.
Por
inícios do século XVI, e sobretudo por 1520-30, o movimento humanista italiano
transpõe os Alpes. Os Humanistas arrostam então com a resistência das velhas
universidades e especialmente das Faculdades de Teologia. Em Paris, os Humanistas,
em luta com a Sorbona, levam Francisco I a fundar o Collège Royal (1530), onde
se ensinam, além do Latim, o Grego e o Hebraico. Em Espanha, o Humanismo
consegue penetrar na Universidade de Salamanca e inspira a fundação da Universidade
de Alcalá de Henares (1508), na qual se preparou e editou a Bíblia poliglota
(em latim, grego e hebraico).
A
difusão da cultura clássica é favorecida pelas novas técnicas de produção do
livro. Entre outros, Aldo Manúcio, de Veneza, lança-se, em 1493, numa vasta
empresa de edição dos clássicos greco-latinos e das obras da exegese dos
Humanistas, precursoras da Reforma.
Os
humanistas de 1520-30 atacam diretamente a Escolástica. Sob o ponto de vista
pedagógico, o seu ideal é a realização harmoniosa das faculdades morais e estéticas
do indivíduo, ideal exaltado por Juan Luis Vives, António de Nebrija, Erasmo, e
outros. Em lugar da dialética e da retórica formalistas e disputadoras,
propunham a leitura e o comentário dos textos de autores clássicos. Às matérias
tradicionais acrescentavam a História e as obras dos autores científicos da
Antiguidade, entre outras.
Sob
o ponto de vista filosófico, os Humanistas combatem o aristotelismo escolástico;
muitos voltam-se para Platão e para os filósofos neoplatónicos (especialmente
Plotino), facilmente conciliáveis com o Cristianismo. Outros renovam o aristotelismo,
quer seguindo a corrente panteísta e materialista de Averróis, defendido por
Pomponácio (1462-1542); quer tentando a harmonização do aristotelismo e do platonismo,
como Bessarião em Roma e Ermolao Bárbaro em Veneza.
Em
matéria religiosa, sobretudo os humanistas mais próximos da Reforma preconizam
o regresso a um cristianismo primitivo, enquanto outros, como Erasmo, vivem uma
fé autorizada pelas Escrituras mas aberta a um progresso exegético permanente.
Todos concordam, todavia, em descartar-se da dialéctica elucubratória e anistórica
das Escolas medievais, condenam as exterioridades formalistas do culto, o excesso
da tutela clerical sobre os leigos mesmo mais cultos e exemplares, o monaquismo
ocioso, a insinceridade ritualista e a suficiência doutoral. Erasmo, comparando
e traduzindo diversos textos gregos da Bíblia, põe em dúvida certas
interpretações e até certos dogmas tradicionais.
Enfim,
sob o ponto de vista social, os Humanistas advogam a escolha dos dirigentes
segundo o saber e a capacidade, condenam a guerra e abeiram-se por vezes do
ideal moderno de tolerância, preconizando, nomeadamente, uma solução pacífica
(irenismo) dos dissídios entre cristãos: o Cristianismo consistiria numa fé
íntima e vivida, mais do que em teorias ou ritos, então fanaticamente
discutidos.
Muitos
humanistas procuram evitar as polémicas arriscadas e inúteis, canalizando os
seus entusiasmos para a simples ressurreição do mais puro classicismo estilístico
em latim ou grego. É uma nova aristocracia intelectual que assim se forma,
abroquelada atrás do privilégio de um saber difícil, com expressão em línguas
mortas, que exige talento e ócio, varrendo a bárbara terminologia escolástica,
substituindo a subtileza lógica pela elegância verbal. Esta tendência
generalizou-se, à medida que a repressão instaurada pela Contra-Reforma tornou
perigosas todas as manifestações de audácia e de iniciativa mental.
O
mais típico representante dos Humanistas é Desidério Erasmo, de Roterdão, que
viaja através da Europa e afirma o seu cosmopolitismo, carteando-se em latim,
única língua que utiliza, com correspondentes de todas as nacionalidades.
Procurou manter-se fora das lutas religiosas, apesar de solicitado pelo Papa e
por Lutero; mas, pelas suas edições e exegeses bíblicas, pela denúncia da
corrupção eclesiástica, pela crítica da Escolástica, pela campanha contra o
ritualismo, criou uma corrente religiosa reformista que chegou a ter numerosos
e influentes adeptos.
O
Humanismo adotou como modelos as regras, os géneros, as formas métricas, os
recursos estilísticos, a disciplina gramatical dos antigos autores gregos e romanos.
Os escritores do «Quatrocento» italiano deram início às sínteses entre a tradição
literária nacional e os modelos «clássicos», os modelos por excelência, os da Antiguidade.
O classicismo de inícios do século XVI constituiu, por isso, uma latinização direta,
ou por via dos latinizantes italianos, das diversas literaturas nacionais,
quase sempre feita com o desequilíbrio, o exagero de todas as inovações. Foi o
que aconteceu com o grupo francês da «Pléiade». O manifesto desta escola, Défense et Illustration de la Langue Française, redigido em 1549
por Joachin du Bellay, só concebe o enriquecimento do idioma nacional através
da imitação sistemática, ou, segundo uma metáfora militar, a «pilhagem» dos
clássicos antigos, e através do virtuosismo formal. As guerras de Itália, as
lutas entre a Casa da França e a Casa da Áustria, colocam as aristocracias
francesas e espanhola em contacto com o Renascimento italiano e precipitam a
italianização maior ou menor das principais literaturas europeias, sobretudo a
partir de fins do primeiro quartel do século XVI, embora o terreno já estivesse
preparado muito antes.
A
adoção de géneros literários, de certas formas métricas de tradição quatrocentista
italiana ou greco-romana e de certas referências culturais (como a mitologia),
manter-se-á predominante até ao século XIX e isso deu origem ao uso do termo classicismo
como nome genérico de toda a literatura compreendida entre a Idade Média e o
Romantismo, não obstante as alterações no teor de vida, na ideologia e nas
formas de sensibilidade artística e literária ocorrida nestes três séculos, o
que recomenda uma periodização diferente. Mais especificamente, o Classicismo
renascentista, ou Renascimento, tende a cobrir apenas o «Quatrocento» italiano
e um período muito breve de início do século XVI europeu. Esse período, também
designado como Alta Renascença, assinalar-se-ia pela fase mais expansiva e
atrevida do Humanismo literário e crítico, pelo prestígio absorvente dos
modelos clássicos greco-romanos, por uma concentração de meios artísticos que
tem a sua expressão mais característica na rigidez geometrizante das leis da
perspetiva cónica, numa pretensão de intemporalidade das alegorias mitológicas,
na busca de um equilíbrio sereno entre o ideal e o real, entre o espírito e a
natureza.
A
partir de cerca de 1520, avolumam-se os sinais de uma desagregação dos ideais
estéticos do Alto Renascimento: a maneira,
ou estilo individual, de um artista como Miguel Ângelo começa a ser mais
apreciada pela sua carga de insatisfação espiritual do que pela apreensão, em
perspetiva, em equilíbrio mecânico ou proporcionalidade anatómica, daquilo que
haja de essencial e imanente a este mundo, tal como é característico de
Leonardo da Vinci. A arte opõe-se à natureza comum, em vez de lhe procurar a
essência. Admiram-se a sugestão de graça numa atitude improvável, as posições
contorcidas como uma serpente ou uma língua de fogo ascensional (figura serpentinada), a insinuação do
suspenso ou inconsumado; os próprios lugares comuns clássicos ou petrarquistas
de transitoriedade da vida e das contradições do sentimento requintam-se numa
pungência mais subtil, num estilo torturado; o belo aparece às vezes
contrapontado com o disforme; e o tom humoral mais característico é o de um
pessimismo ou patético ora surdamente cerebral, ou o de um senso resignado e
céptico de incompreensibilidade radical ou labiríntica da vida. Estas características
típicas do período de entre 1520 e 1620, aproximadamente, são muitas vezes
postas em relação direta ou indireta com a Contra-Reforma tridentina, com a repressão
censória, com fraturas da integridade ética (por exemplo, o reconhecimento de
uma razão do Estado alheia à moral corrente, que Maquiavel formulou em 1516 em O Príncipe, defendendo o Estado nacional
centralizado e secular, a destruição dos senhores feudais e clérigos, a
igualdade e liberdade, a supressão dos privilégios das classes mais favorecidas
até aí) e ainda com uma crise de relações sociais e políticas agravadas pelo
surto do comércio transoceânico e que apenas no século XVII conduz a um novo
sistema de equilíbrio. Surgirão então o absolutismo régio, a razão científica
mecanicista, e um novo estilo, o Barroco, que dará um novo sentido global a certas
linhas de continuidade, ou alternância, renascentistas ou maneiristas.
Um
dos traços principais do Renascimento, e daí o seu nome, é a valorização e
imitação da antiguidade clássica greco-latina. Na Península Itálica, a presença
das marcas arquitetónicas e artísticas do Império Romano nunca deixou de se
sentir e aqui e além, no final da Idade Média, inspirou mesmo alguns
arquitetos. Por outro lado, em 1543, com a queda de Constantinopla, tomada
pelos turcos, muitos helenistas fugiram para a Itália, onde contribuíram para o
interesse pela cultura grega, sobretudo traduzindo obras dos clássicos helénicos.
A filosofia de Aristóteles, muito influente na Idade Média, foi reapreciada,
mas foi sobretudo Platão o filósofo estudado pelos homens do Renascimento, já
que permitia fazer uma síntese entre o pensamento clássico pagão e o
cristianismo.
Deste
modo, os autores e as obras greco-romanas passaram a funcionar como modelos a
seguir, visto que correspondiam àquilo que o pensamento renascentista mais
apreciava: o equilíbrio, a harmonia, o respeito pela proporção, o realismo naturalista.
O lema passou a ser a imitação dos clássicos, a imitação da natureza, paradigmas
da regularidade, da harmonia e da serenidade, e a razão constituiu-se como
elemento essencial na criação artística. Os artistas (das diferentes formas de
arte) estudavam as proporções da natureza, sobretudo as do corpo humano, e
faziam cálculos matemáticos e geométricos com o objetivo de criar obras
parecidas com a realidade, semelhantes às da natureza.
Assim
sendo, podemos considerar a arte renascentista como naturalista. Basta atentar
nos exemplos de da Vinci ou Miguel Ângelo, que estudaram o volume e até a anatomia,
daí as similitudes entre as figuras humanas e animais que pintaram e a realidade.
Considerando que, na arte, é essencial a representação das três dimensões do
real, os pintores inventaram a noção de perspetiva, um artifício geométrico que
cria a ilusão da tridimensionalidade.
Fontes:
- A. J. Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa
- Plural 12
Fontes:
- A. J. Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa
- Plural 12
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