Muito se tem discutido sobre a
origem da cantiga de amigo e vários foram os críticos e estudiosos que se
debruçaram sobre a questão: será realmente autóctone, espontânea, sem nenhuma
interferência?
Rodrigues Lapa afirma que já antes
de Cristo, na China, faziam cantigas de mulher.
Na época pré-trovadoresca, a
doutrina do amor cortês invertia os papéis: a mulher transformava-se numa deusa
e o homem no seu escravo/vassalo. E o poeta, através dela, enobrecia-se e o seu
espírito elevava-se numa ascese quase divina.
Mas em Portugal acontece algo de
diferente: o homem-poeta finge de mulher enamorada, transforma-se nela através
da criação artística e tenta interpretar o sentir da menina.
Segundo Natália Correia, o
"paralelismo da cantiga de amigo é o testemunho da sua antiguidade, (...)
relacionados com cultos remotos que nele prevalecem:
-
as preces da donzela ao santo para que este lhe traga o namorado (a romaria é
um local de entrevista amorosa) tem a ver com rituais (talvez célticos, romanos
ou até africanos) nos quais se pedia aos antepassados, ou às forças da natureza,
protecção e ajuda;
. ora, a donzela
também interpela as ondas ou as "flores do verde pino", querendo
saber se elas viram o seu amigo;
-
talvez nas ermidas cristianizadas existissem outrora santuários pagãos consagrados
a divindades aquáticas e vegetais, cuja "liturgia" seria a
"matriz" da cantiga paralelística, "arrecadada nas arcas
conservadoras do folclore";
. o mesmo acontece
com as carjas, poesia feminina de "extração românica" que se insere
no lirismo andaluz. "Ambas radicam num substrato lírico da Europa
Ocidental que subentende um núcleo sagrado em que à mulher cabe uma função sacerdotal...";
. segundo escritores
árabes do século XII, um poeta Mucádam, o Cego, natural de Córdova, dos fins do
século IX, inventou a moaxaha, de versos curtos, de cunho popular, em língua
dos cristãos ou em árabe vulgar; depois foram aparecendo outras cantigas, as
coplas terminavam por carjas, jaryas, concluindo a canção;
. eram canções
populares cantadas pelas donzelas, que choravam a ausência do amigo ou
confidenciavam a sua infidelidade;
. muitas vezes,
desabafavam com a mãe ou a irmã, queixando-se da ausência do amigo, ou pediam
conselhos à mãe;
-
para justificar a sua ideia, Natália Correia apresenta o exemplo de comunidades
africanas, nas quais ainda hoje são reservados à mulher certos papéis, até
relacionados com o fogo;
. nas bailadas, por
exemplo, ainda perdura o vestígio da árvore ritual (ex.: "Bailemos nós já
todas três, ai amigas");
. nas tribos
africanas dos Macuas perduram estes rituais junto à árvore sagrada, o muthulo,
onde se canta e dança e se implora aos antepassados que as libertem dos animais
que destroem os campos cultivados, que as protejam das feras, que venha a chuva,
etc.;
-
nestes cantares, a figura da mãe
desempenha um papel fundamental, pois estamos perante um mundo que desconhece a
autoridade paterna: o pai não pára em casa, porque se encontra na guerra contra
os mouros (“ferido” ou “fossado”), ou vai para "cas del-rei", ou vai
para a pesca.
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