A novela das Viagens apresenta
uma estrutura trágica, conforme o próprio Almeida Garrett reconhece no final do
capítulo XXVI:
– “Porquê? já se acabou a história de
Carlos e Joaninha?” diz talvez a amável leitora.
– “Não, minha senhora”, responde o
autor mui lisonjeado da pergunta: “não, minha senhora, a história não acabou,
quase se pode dizer que ainda agora ela começa: mas houve mutação de cena.
Vamos a Santarém, que lá se passa o segundo ato.”
● De facto, a estrutura da novela
aproxima-se da estrutura trágica:
▪ o 1.º ato (introdutório) (caps. XI a
XVIII):
- localiza-se na casa do Vale;
- nele são apresentadas as
personagens e as suas inquietações:
. Carlos, o protótipo do herói
romântico, símbolo do Portugal Novo, liberal;
. Joaninha, exemplo da conceção
romântica da mulher (-anjo);
. a Avó, testemunha trágica do
mistério da família;
. Frei Dinis, símbolo da ideologia
absolutista do Portugal Velho;
. Georgina, testemunha da génese
romântica de Carlos;
▪ o 2.º ato (caps. XIX a XXV):
- tem como cenário o
Vale, onde a guerra civil “parecia cansada”;
- dá-se o reencontro de
Carlos e Joaninha (cap. XX), o amor surge e, desde logo, se presente todo o
dramatismo que a divisão interior do herói irá acarretar;
▪ o 3.º ato (caps. XXXII a XXXV):
- decorre numa cela do
Convento de S. Francisco de Santarém, onde se reúnem todas as personagens
(Carlos, Joaninha, a Avó, Fr. Dinis e Georgina) e se assiste ao reconhecimento
do frade como pai de Carlos;
- este reconhecimento
constitui o clímax da ação trágica: em risco de vida por ferimentos na
guerra civil, profundamente abalado pela revelação do mistério da família,
Carlos acaba por fugir.
O destino final das personagens é-nos
posteriormente revelado:
-» Carlos: “… um belo dia caiu no indiferentismo absoluto”, fez-se “o que
chamam cético”, morreu-lhe “o coração para todo o afeto generoso” e deu “em
homem político ou em agiota” (= barão) (cap. XXXVI);
-» Joaninha morre;
-» Frei Dinis e a Avó morrem para o mundo-
Esquema da estrutura trágica da
novela
A par desta estrutura existem outros
elementos característicos da tragédia:
● A ação:
uma tragédia de família, apresentada no seu momento mais crítico, em que os
mistérios são desvendados e as faltas do passado marcam o destino de todos os
intervenientes.
● A redução
progressiva do espaço, até se confinar a uma cela: Vale de >Santarém,
hospital, convento, cela.
● O tempo
relativamente curto, a sucessão rápida e tensa de cenas, com recurso ao
“suspense”, provocando o retardamento de dados.
● As cenas
(diálogos teatrais).
● O reduzido
número de personagens, cujo sofrimento (pathos) é intenso e
crescente.
● Os presságios
(as visitas de Frei Dinis ocorrem sempre à sexta-feira, dia aziago).
● O fatalismo
(anankê) que atinge inexoravelmente as personagens.
● A anagnórise
ou reconhecimento: a cena na cela do Convento de S. Francisco, na
qual Carlos fica a saber que é filho de Frei Dinis.
● O adensar do
conflito até ao clímax.
● As peripécias,
que conduzem ao desenlace fatal:
» a partida de Carlos para o estrangeiro;
» o seu regresso;
» a guerra civil;
» a batalha;
» etc.
● O sofrimento
(pathos) das personagens, que aumenta gradualmente até ao desenlace, em
que todos morrem física ou espiritualmente.
● A compaixão
(éleos) e o terror (fobós) que se apoderam
do narratário (o leitor).
● A presença do
coro na carta final de Carlos a Joaninha, espécie de biografia
psicológica; vestígios do coro em certos comentários, quer de Frei Dinis quer
do narrador.
● O desenlace
trágico (catástrofe):
- Joaninha (vítima)
enlouquece e morre;
- Georgina morre para o
mundo (faz-se abadessa de um convento que ela própria funda);
- a Avó fica afásica e
abúlica (morta para o mundo);
- Fr. Dinis aguarda a
morte, expiando as culpas;
- Carlos destrói-se (cai no indiferentismo e torna-se barão).
● A fuga às
descrições demoradas e aos longos retratos das personagens.
● A utilização
da terminologia teatral nas referências à própria construção da novela
(por exemplo, no final do capítulo XXVI).
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