▪ Caracterizado direta
(pelo narrador) e indiretamente (a partir dos diálogos e da carta final), é uma
personagem modelada, rica de vida interior, sofrendo evolução psicológica ao
longo da obra.
▪ É a personagem central,
o protagonista, em quem Garrett vazou a sua própria personalidade, procurando
justifica-la e tomando a sua defesa: “Leitor amigo e benévolo, caro leitor meu
indulgente, não acuses, não julgues à pressa o meu pobre Carlos” (cap. XXII).
▪ É o modelo da galeria
romântica dos homens fatais, que espalham o sofrimento e a destruição à
sua volta.
▪ Começa por ser
caracterizado fisicamente e só depois psicologicamente, numa perspetiva que
parte do geral para o particular. Como sucede frequentemente com diversas personagens,
as suas características físicas indiciam as psicológicas.
1. Retrato físico
• Carlos tem aproximadamente 30 anos.
• É de estatura média,
corpo delgado, mas com peito largo e forte (alberga um grande coração).
• Tem olhos pardos e
expressivos.
• A boca, embora pequena,
é igualmente expressiva.
• Os olhos e a boca
projetam o temperamento e o caráter de Carlos: a nobreza, a lealdade, a
generosidade, mas também a afetividade, a emotividade e a tendência para o
arrebatamento (cap. XX).
2. Retrato psicológico
• É franco, leal e generoso.
• Por outro lado, é
vaidoso e mentiroso, temperamental e difícil de entender.
• É egoísta até à
comiseração que sente por si mesmo, sorve dos outros aquilo que lhe podem dar,
sem jamais retribuir, porque é incapaz disso: “Quero contar-te a minha
história: verás nela o que vale um homem. Sabe que os não há melhores que eu: e
tão bons, poucos. Olha o que será o resto!” (cap. XLIV).
• Era possuidor de um
coração puro que a sociedade transformou num cético, um sentimental arrastado
por um coração demasiado grande e sensível que não sabia obedecer à razão ou à
vontade.
• Possuidor de um caráter
inconstante, que o impede de encontrar-se a si próprio, de identificar-se com o
seu verdadeiro «eu», simbolizado por Joaninha, é incapaz de vencer uma
tendência mórbida para a volubilidade.
• Representa as ideias
liberais e, simultaneamente, as opiniões pessoais do autor sobre
o liberalismo e a sua aplicação prática.
• Incapaz de vencer a indeterminação,
cai no indiferentismo, engorda, enriquece e faz-se barão.
• Encarna a instabilidade
sentimental do romântico: sofre por não poder dar-se inteiro e para sempre
no amor, mas não deixa de se envaidecer por ter um coração “grande de mais”.
• É uma personagem
marcada por traços de excecionalidade típicos do herói romântico:
» a superioridade;
» as antinomias (“fácil na ira, fácil
no perdão”);
» o pendor para a marginalidade;
» o pendor para o isolamento
existencial.
• Contrariamente a
Joaninha, é dominado por uma tendência para a mudança/instabilidade:
» a partida do Vale;
» o exílio;
» o regresso ao Vale;
» a partida definitiva do Vale;
» dividido entre o
chamamento do Amor e o empenhamento no combate pelo Liberalismo, empreende um
percurso instável de sucessivos desenganos amorosos (com Júlia, com Laura e com
Georgina na Inglaterra; com Soledad na Ilha Terceira, com Joaninha no Vale);
» o empenhamento na causa
liberal também se resolve em termos de mudança, já que esse empenhamento
significa o envolvimento de uma personagem originariamente boa e pura (porque
proveniente do espaço paradisíaco do Vale de Santarém) na teia das convenções
sociais que a vão degradando, acabando poe ceder ao materialismo e se tornar
barão.
3. Carlos enquanto herói romântico (síntese)
A longa carta que Carlos escreve a
Joaninha permite identificar as características que fazem dele um herói
romântico:
▪ individualista, narcisista e
egoísta, vivendo um drama interior;
▪ temperamento contraditório e
dominado pelo sentimento;
▪ marginal, solitário e sofredor;
▪ fracassado a nível
social e amoroso: passa do idealismo ao materialismo, de Adão natural
transforma-se em Adão social, seguindo um percurso oposto ao do pai, Frei
Dinis;
▪ megalómano;
▪ sedutor;
▪ sentimento de superioridade;
▪ excecional e excessivo;
▪ revolucionário;
▪ instável e
constantemente móvel (partida do Vale, exílio, regresso, nova partida, etc.);
▪ ser corrompido;
▪ amante: ama todas as mulheres,
revelando-se incapacitado para o amor;
▪ herói fatal: causa a perdição
daqueles que o amam ou que o rodeiam.
4. Percurso de Carlos
▪ Infância na casa do Vale.
▪ Formatura em Coimbra.
▪ Adesão às ideias liberais.
▪ Emigração para
Inglaterra em 1830, onde vive um período de grandes paixões e mentiras.
▪ Regresso ao Vale de
Santarém como oficial liberal, durante a guerra civil que opôs liberais a
absolutistas.
▪ Reencontro com Joaninha.
▪ Incapacidade de
corresponder ao amor de Joaninha.
▪ Ferimento numa batalha
e mudança para o convento de Frei Dinis, em Santarém.
▪ Fuga a compromissos
(Joaninha versus Georgina).
▪ Incapacidade de
enfrentar a revelação do passado da sua família.
▪ Incapacidade para lidar
com o destino trágico: a avó cega, de tanto chorar, fica como morta; Frei Dinis
é um cadáver vivo; Georgina professara; Joaninha enlouquecera e morrera.
▪ Entrada na política:
torna-se barão.
Este percurso de Carlos simboliza a
fraqueza do Homem. Ele personifica o trajeto de um jovem bom que, ao sair do
edénico Vale de Santarém, onde fora criado, na casa da avó Francisca, ao lado
de Joaninha, vigiado por Frei Dinis, perde a sua pureza original e se transforma,
tornando-se, no final, barão.
Almeida Garrett parece identificar-se
com o Carlos herói romântico, que, no entanto, ao longo da obra acaba por se
transformar num anti-herói que desiste por não conseguir resolver os seus
dilemas. O fracasso da sua vida amorosa coincide com o triunfo do Liberalismo,
no entanto a desistência de todos os seus ideais condu-lo ao ceticismo,
tornando-se barão. De facto, o jovem, originalmente puro e bom (o Adão
natural), cede ao materialismo e às convenções sociais que o transformam e o
fazem barão (Adão social). Estamos, afinal, na presença da teoria do “bom
selvagem”, de Rousseau, segundo a qual o Homem nasce naturalmente bom (Adão
natural), mas é corrompido pela sociedade (Adão social).
5. Posicionamento do narrador relativamente a Carlos
▪ à primeira vista, os
termos em que caracteriza Carlos propendem a fazer dele uma figura de destaque
que sugere uma apreciação positiva;
▪ noutros momentos,
deparamos com reações de teor irónico, tendendo a desdramatizar atitudes da
personagem marcadas pelo excesso;
▪ no final, o narrador
declara-se antigo camarada de Carlos, o que leva a pensar que aquele também se
julga a si mesmo num registo autocrítico.
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