Português: Análise do poema "Palavras caras", de Adília Lopes

sábado, 13 de junho de 2020

Análise do poema "Palavras caras", de Adília Lopes

Em minha casa, detestávamos pessoas bem-
-falantes, palavras caras. De uma vez, apareceu a
prima Maria Lucília a dizer já não sei porquê:
       – Fiquei muito confrangida.
Passámos a chamar-lhe “a confrangida”.
Sempre que aparecia alguém na televisão a
declamar poesia ou a falar de poesia, desligáva-
mos a televisão.

O sujeito poético e a sua família (“Em minha casa”, “detestávamos”) têm aversão profunda a pessoas bem-falantes e ao emprego a despropósito de “palavras caras”. As pessoas bem-falantes são aquelas que fazem uso de palavras, de uma linguagem “cara” de forma inapropriada, na tentativa de se superiorizarem intelectualmente aos outros.
De seguida, apresenta, como exemplo do que acabou de dizer, o caso da sua prima Maria Lucília, que personifica a pretensa eloquência, com o verso em discurso direto em que usa uma palavra “cara”: “– Fiquei muito confrangida.”. Note-se que o nome da prima – Maria Lucília – é, também ele, exemplificativo dessa pretensão, dado o seu caráter composto. Por causa disso, o sujeito poético e a sua família deram-lhe uma alcunha, pela qual a passaram a tratar: “a confrangida”.
Nos últimos versos, refere o facto de ele e a família desligarem a televisão sempre que aparecia alguém a declamar ou a falar de poesia nela. Parece haver aqui uma associação entre as tais pessoas bem-falantes e aquelas que declamam ou falam de poesia na televisão. Note-se como a linguagem confirma a aversão do sujeito poético. De facto, nos três versos finais, a linguagem é bastante simples e caracterizada pela repetição do vocabulário, o que se opõe à das pessoas bem-falantes (de que a prima é um exemplo), do seu pretensiosismo e pomposidade, que muitas pessoas pretendem também atribuir à poesia.
As palavras usadas pelos bem-falantes constituem frequentemente uma forma de fugir à verdade; de forma semelhante, a eloquência em exagero é inimiga da boa poesia. Declamar ou falar de poesia de modo pretensioso, numa atitude de superioridade intelectual e de sobranceria é o contrário daquilo que o sujeito poético defende. Observe-se, por último, o tom sarcástico que domina todo a composição poética.

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