Em minha casa, detestávamos
pessoas bem-
-falantes, palavras caras. De
uma vez, apareceu a
prima Maria Lucília a dizer já
não sei porquê:
– Fiquei muito confrangida.
Passámos a chamar-lhe “a
confrangida”.
Sempre que aparecia alguém na
televisão a
declamar poesia ou a falar de
poesia, desligáva-
mos a televisão.
O sujeito poético e a sua família
(“Em minha casa”, “detestávamos”) têm aversão profunda a pessoas bem-falantes e
ao emprego a despropósito de “palavras caras”. As pessoas bem-falantes são
aquelas que fazem uso de palavras, de uma linguagem “cara” de forma inapropriada,
na tentativa de se superiorizarem intelectualmente aos outros.
De seguida, apresenta, como
exemplo do que acabou de dizer, o caso da sua prima Maria Lucília, que
personifica a pretensa eloquência, com o verso em discurso direto em que usa
uma palavra “cara”: “– Fiquei muito confrangida.”. Note-se que o nome da prima –
Maria Lucília – é, também ele, exemplificativo dessa pretensão, dado o seu
caráter composto. Por causa disso, o sujeito poético e a sua família deram-lhe
uma alcunha, pela qual a passaram a tratar: “a confrangida”.
Nos últimos versos, refere o facto
de ele e a família desligarem a televisão sempre que aparecia alguém a declamar
ou a falar de poesia nela. Parece haver aqui uma associação entre as tais
pessoas bem-falantes e aquelas que declamam ou falam de poesia na televisão. Note-se
como a linguagem confirma a aversão do sujeito poético. De facto, nos três
versos finais, a linguagem é bastante simples e caracterizada pela repetição do
vocabulário, o que se opõe à das pessoas bem-falantes (de que a prima é um
exemplo), do seu pretensiosismo e pomposidade, que muitas pessoas pretendem
também atribuir à poesia.
As palavras usadas pelos
bem-falantes constituem frequentemente uma forma de fugir à verdade; de forma
semelhante, a eloquência em exagero é inimiga da boa poesia. Declamar ou falar
de poesia de modo pretensioso, numa atitude de superioridade intelectual e de
sobranceria é o contrário daquilo que o sujeito poético defende. Observe-se,
por último, o tom sarcástico que domina todo a composição poética.
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