● Assunto: o sujeito poético compara-se àquele(s)
que enlouqueceu(eram) ou morreu(eram) por não ser(em) correspondido(s) pela
mulher amada.
Assim como morreu infeliz quem nunca foi
correspondido pela mulher amada e viu acontecer o que mais receou – a amada
cair nos braços de outro –, assim também morre o sujeito poético pelo mesmo
motivo.
● Tema: o amor não
correspondido / a coita de amor / a morte por amor.
● Desenvolvimento do tema
Na
primeira estrofe, o sujeito poético compara-se a um homem indefinido (isto é,
não identificado), que morreu porque nunca foi amado – “nunca bem / ouve” (vv.
1-2) – e porque viu a mulher amada fazer algo de que ele tinha medo – “viu
quanto receou / dela” (vv. 3-4).
A
segunda estrofe repete as ideias da cobla anterior: esse homem morreu porque
amou uma mulher que nunca lhe correspondeu esse amor – “foi amar / quem lhe
nunca quis bem fazer” (vv. 6-7) – e porque Deus o fez ver algo que o deixou
triste – “lhe fez Deus ver / de que foi morto com pesar” (vv. 8-9).
Na
terceira estrofe, o sujeito poético enumera os efeitos da coita de amor: a
loucura – “ensandeceu” (v. 11) –, a perda da alegria e do sono (insónia) – “nom
foi ledo nem dormiu” (v. 13) –, o sofrimento por algo que viu – “com grande
pesar que viu” (v. 12), além da morte, ideia presente em todas as estrofes por
intermédio da comparação.
Na
última estrofe, o «eu» lírico identifica a causa concreta da coita de amor: o
outro homem amou uma dama que nunca o amou ‑ “dona que lhe nunca fez bem” (v.
17) – e viu-a com alguém que não a merecia ‑ “e quem a viu levar a quem /a nom
valia, nem a val” (vv. 17-18). E tal como este indivíduo morreu de amor, também
o sujeito poético morre, pelas mesmas razões. Esta noção é transmitida através
de uma gradação (“ensandeceu” → “non foi ledo nem dormiu” → “morreu”), que mostra
os efeitos progressivos da «coita de amor», da indiferença da mulher amada, ou
seja, evidencia, de forma gradativa, o sofrimento do sujeito poético.
A
estrofe é a sequência lógica da terceira. De facto, esta terminou com o sujeito
poético aludindo à morte de amor e a quarta revela a verdadeira razão da morte:
a mulher deixou-se levar por quem não a merecia. É o clímax da cantiga.
● Comparação
A
cantiga assenta numa comparação que é estabelecida entre o sujeito
poético e «alguém» não identificado no poema que morreu infeliz porque nunca
foi amado pela mulher por quem se apaixonou. De acordo com a última cobla, essa
mulher ter-se-á mesmo envolvido amorosamente com outra pessoa que não a merecia.
O
sujeito poético não se queixa diretamente da sua senhora, antes recorre a esta
comparação, ao exemplo de um homem indeterminado / indefinido («quem»), que teria
morrido por não ser correspondido. Desta forma, evita criticar a sua amada pela
não correspondência amorosa, respeitando, assim, o código do amor cortês.
● Coita de amor
A
coita de amor do sujeito poético está bem presente na cantiga. Ela consiste no
estado de sofrimento do «eu», motivado pelo facto de o seu amor não ser
correspondido, o que leva à expressão do seu lamento, e que pode conduzir à
loucura e à morte.
Estas
noções são evidenciadas através da repetição das formas verbais do verbo
«morrer» - «morreu», «foi morto» (referentes à pessoa que sofre) e «moir’eu»
(referente ao sujeito poético -, repetição essa que acentua a tragicidade das
consequências do sofrimento amoroso; da repetição do vocábulo «pesar» («com
pesar», «gram pesar») e das formulações «quem nunca bem ouve», «quem lhe nunca
quis bem fazer», «dona que lhe nunca fez bem», que realçam o amor não
correspondido e a queixa constante em relação à mulher amada.
Neste
contexto, assume igualmente grande relevância o refrão. Este é constituído por
uma apóstrofe dirigida à amada («mia senhor»), por uma interjeição
expressiva de dor («Ai») e pelo segundo termo da comparação presente em cada
estrofe («assi moir’eu»), que sugere que a morte é um destino fatal. No seu
conjunto, o refrão reforça a forma persistente como o sujeito se lamenta, numa
espécie de obsessão com a dor e o sofrimento que o atormentam, isto é,
totalmente consumido pelo sofrimento amoroso.
● Refrão
. segundo elemento da
comparação que é estabelecida em cada estrofe (“Como morreu…” – “assi moir’eu”);
. contribui para
reiterar o sentimento do sujeito poético;
. reforça o sofrimento sentido
pelo sujeito lírico;
. intensifica a obsessão
do «eu» pela sua amada;
. anuncia a morte por
amor do «eu».
● Personagens
.
o sujeito poético («eu»)
. a dama / a mulher
amada pelo sujeito poético («mia senhor»)
. o rival do sujeito
poético
. um indivíduo
indefinido («quem»), estranho à relação amorosa do «eu» lírico, com o qual este
se compara
● Retrato do sujeito poético
▪ está apaixonado pela
sua “senhor”, que é casada (foi levada por quem a não merecia, ou seja,
presumivelmente o marido);
▪ sofre imenso por causa da indiferença
/ da não correspondência amorosa da mulher;
▪ o seu sofrimento e dor
vão num crescendo dramático, que atinge o desespero e desemboca na loucura e na
morte por amor;
▪ vive uma espécie de
obsessão relativamente à “senhor”;
▪ deixa antever o seu
ciúme ao constatar que a mulher amada foi levada por outro homem;
▪ a loucura motivada
pelo amor faz com que o sujeito poético deixe de viver a sua vida e se torne
uma espécie de espectador da mesma, sugerindo assim a tal morte psicológica.
● Retrato da «senhor»
A
caracterização da «senhor» é feita indiretamente. De facto, as suas
características deduzem-se a partir das ações da dama invocada na pequena
história do homem com o qual o sujeito poético se compara.
Assim,
ela:
▪ não é identificável (em obediência ao
código do amor cortês), sendo nomeada apenas pela senha «mia senhor»;
▪ é amada pelo sujeito
poético (“rem que mais amou” ‑ v. 2);
▪ é indiferente ao
sujeito poético e à sua paixão, não lhe correspondendo e nunca lhe fazendo bem
(“lhe nunca fez bem” ‑ v. 17);
▪ escolheu um homem que
não a merecia [“(…) a viu levar a quem / a nom valia, nen’a val” ‑ vv. 18-19];
▪ por isto, é a causa do
sofrimento, da loucura e da morte (por amor) do sujeito poético;
▪ representa um duplo
papel na cantiga: é a amada do sujeito poético e, em simultâneo, a esposa do
seu marido.
● Género
Este
poema é uma cantiga de amor:
.
o sujeito poético é masculino;
.
expressa a sua coita de amor;
.
a atitude de vassalagem amorosa;
. a hiperbolização dos
sentimentos: a loucura e a morte de amor.
● Relação com a cantiga de amigo
Esta
cantiga apresenta traços que encontramos também na cantiga de amigo:
.
a presença do refrão;
.
o paralelismo de construção de estrofe para estrofe:
- “quen nunca bem / ouve da ren que mais
amou” (1.ª estrofe);
- “foi amar / quen lhe nunca quis bem
fazer” (2.ª estrofe);
- “amou tal / dona que lhe nunca fez bem”
(4.ª estrofe);
. o paralelismo
semântico: as estrofes, embora existindo uma certa progressão temática, apresentam
ideias muito semelhantes (vide desenvolvimento do tema);
. o desenvolvimento da
mesma comparação nas estrofes 1, 2 e 4, de conteúdo equivalente.
Por
outro lado, esta cantiga de amor diferencia-se de muitas das outras por não
conter nenhum elogio explícito às qualidades da «senhor».
● Forma
Esta
é uma cantiga de amor de refrão, com versos predominantemente octossilábicos,
distribuídos por quatro quadras com refrão monóstico, formando quintilhas.
Relativamente
à rima, esta é interpolada e emparelhada, de acordo com o esquema rimático abbac
/ deedc / cffcc / gaagc.
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