Para os camponeses-operários, o
tempo passa lentamente, mas de forma incisiva, enquanto para Maria das Mercês
ele demora a passar e está intimamente ligado à sua solidão: “Sete anos de
esposa a passear de lá para cá (…). De vez em quando a jovem esposa julga ouvir
o telefone. Outras vezes o motor de um automóvel; noutras o portão a girar nos
gonzos, como se isso fosse possível sem que os cães dessem sinal. Esses
malditos. Mas o telefone morreu há muito, porque as amigas jogam na vila, em
casa umas das outras (…).” Para Tomás Manuel, o tempo parou para dignificar os
antepassados e ele o fará parar quando e se for sepultado na lagoa, o símbolo
perpétuo do seu poder sobre ela e que já se adivinha ameaçada pela nova ordem: “Bem
enterrado no fundo do lodo que é para a miuçalha dos peixes não me chega (…). O
que me admira é o orgulho daqueles peixes (…) saberem que entraram em agonia e
puxarem pelo resto das forças para cumprir a última vontade.”
Tal como o tempo mítico-histórico é
simbólico pela lagartixa, a referência constante aos peixes e à lagoa remete
para o tempo mitológico absoluto, aquele em que a casa da lagoa e a respetiva
comarca constituíam marcos da presença e do poder dos ungidos Palma Bravo: “(…)
se até agora foi a minha família quem governou a lagoa, não hei de ser eu quem
a vai perder.”
Por outro lado, o Regedor e o
narrador simbolizam o tempo da mudança. O Regedor lidera a lagoa e o grupo dos
Noventa e Oito, passa licenças e olha em frente do fundo da sua loja, sempre
atento a todos os movimentos e a todas as mudanças. Relativamente à
personagem-narrador, observa o largo e a muralha a partir da sua janela, que
forma o seu posto de vigia, e reflete criticamente sobre os acontecimentos que decorreram
no tempo em que esteve ausente.
Durante uma longa noite de insónia,
que antecede a caçada, revive o convívio do ano anterior com os Palma Bravo,
relê a Monografia, cedida pela estalajadeira, analisa todas as informações que
o Velho-Dum-Só-Dente, o Regedor, o Batedor e a estalajadeira lhe deram. O
narrador formula os seus próprios juízos sobre os acontecimentos, mas
questionando-os sempre.
Seja como for, o foco da sua atenção
é, claramente, a agitação da lagartixa e dos camponeses-operários: é sobre eles
que tece os comentários mais subversivos, é a partir deles que as suas
divagações se aprofundam, são as suas ações que desnudam as mudanças que se
deram durante o tempo em que este fora da Gafeira.
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