Não há tempo
a perder: os acontecimentos encaminham-se velozmente para o clímax da peça, por
isso o ritmo da ação acelera. Algo muito importante está prestes a acontecer; o
leitor apercebe-se disso, apenas não sabe integralmente o quê, onde e quando.
No início da
cena, encontramos Cláudio e Laertes juntos quando a carta de Hamlet chega,
discutindo a inocência do rei na morte de Polónio, na qual o segundo agora
acredita. No entanto, este último quer saber o motivo por que o soberano não
castigou o sobrinho pelo seu crime. Nestas circunstâncias, as duas personagens
tornam-se aliadas por um objetivo comum, embora por razões diferentes: a morte
de Hamlet. Cláudio age de forma astuta, manipuladora, calculista e tortuosa,
trabalhando minuciosamente para despertar em Laertes a raiva que conduzirá ao
confronto com o jovem príncipe e à sua morte. No seu plano, embora inocente e
inconscientemente, colabora a própria rainha, quando confirma a inocência do
marido na morte de Polónio. Além disso, aproveita-se do temperamento impulsivo
do seu aliado.
O plano que
ambos traçam para eliminar Hamlet é pensado e estruturado de modo a parecer que
a morte do príncipe será acidental: partindo de um confronto de esgrima
amigável, os dois conseguirão matar Hamlet sem levantar suspeitas sobre si.
Todavia, o plano apresenta evidentes falhas de conceção. Por exemplo, ninguém
suspeitaria do facto de tal morte ocorrer por envenenamento, a técnica
preferencial de Cláudio e um recurso tradicionalmente associado às mulheres
assassinas? Este facto pode explicar-se de duas formas: por um lado, é possível
que o desejo e a ansiedade em assassinar Hamlet sejam tão grandes que não
tenham refletido ou preocupado com isso; por outro, se alguém suspeitasse de um
crime, seria relativamente fácil para o monarca atribuir todas as culpas a
Laertes. Além disso, é interessante notar que o tema da vingança alcança novos
patamares: os dois aliados engendram não um, mas três formas de eliminar
Hamlet. Em todo o processo, o papel dos dois fica bem claro: Cláudio é o
cérebro da trama, enquanto Laertes é o músculo. Note-se ainda que ambos parecem
conhecer bem a personalidade de Hamlet, contando que a sua vaidade e o seu
sentido de honra não lhe permitirão recusar a partida de esgrima. Em todo o
plano, como de costume, Cláudio age de forma que, mesmo que aquele falhe, nada
o afete.
Todavia, a
morte trágica de Ofélia, conhecida após a elaboração do plano, não estava nas
contas de Cláudio e pode constituir o grão de areia na engrenagem que poderá
fazê-lo descarrilar. Desde logo, esse evento adia a colocação do plano em
prática, pois terá que esperar que Laertes faça o luto pela irmã, como o
próprio anuncia de imediato. Além disso, o rei, que não sente qualquer tristeza
ou preocupação relativamente a Ofélia e ao seu destino, receia o impacto
imprevisível que a raiva de Laertes possa vir a ter nos acontecimentos
seguintes e, por consequência, no plano para matar Hamlet.
O passamento
de Ofélia, embora não relacionado com a morte do rei Hamlet, parece sustentar a
tese segundo a qual a violência gera mais violência e a morte mais morte. No
fundo, a jovem é uma vítima inocente apanhada no fogo cruzado trocado entre
Cláudio e o seu sobrinho. A responsabilidade deste vai mais longe, porém, dado
que o seu comportamento imprevisível e errático a levou ao limite da sua
sanidade, culminando no facto de ele ter assassinado Polónio, seu pai. Todos
estes aspetos enfatizam o modo como o comportamento insensível de Hamlet
impacta terrivelmente na vida das outras personagens, nomeadamente nas
femininas. Quando a peça tem início, Ofélia e o príncipe parecem caminhar no
sentido de uma relação amorosa frutuosa – no mínimo, de uma amizade saudável –,
no entanto rapidamente o pai e o irmão começam a interferir no relacionamento
de ambos, e o próprio Hamlet principia a usá-la como um peão no seu projeto de
vingança. As consequências de todos estes jogos macabros tornam-se agora
visíveis.
A imagem de
Ofélia a afogar-se no meio das suas flores é fortíssima, tanto que foi sendo
representada inúmeras vezes ao longo dos séculos. Convém notar que a associação
da personagem às flores é recorrente ao longo da peça. Ma sua primeira cena,
por exemplo, o pai oferece-lhe uma violeta; à medida que começa a enlouquecer,
entoa canções sobre flores. A beleza e a fragilidade de Ofélia são bem
simbolizadas pela beleza frágil das flores, bem como a sua sexualidade
emergente e a sua inocência.
Ofélia
morre, de facto, de forma trágica. As circunstâncias exatas são descritas por
Gertrudes: a jovem estava a tentar pendurar coroas de flores numa árvore
próxima de um riacho, quando um galho se partiu, fazendo com que ela caísse na
água. Aparentemente perturbada e incapaz de reagir, flutuou durante alguns
momentos na água e depois afogou-se. A presença das flores parece representar a
sua incapacidade de processar a dor causada pela morte do pai e, possivelmente,
também a confusão que sentia por causa do comportamento de Hamlet para consigo.
Em suma, a
morte de Ofélia é rodeada de grande simbolismo e pode ser interpretada de
diferentes maneiras, incluindo como um acidente ou como um possível suicídio,
motivado pelo seu estado de loucura e confusão mental.
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