Português: Análise da cantiga "Vós, que por Pero Tinhoso preguntades, se queredes", de Pero Viviães

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Análise da cantiga "Vós, que por Pero Tinhoso preguntades, se queredes", de Pero Viviães

    Esta cantiga de escárnio e maldizer, da autoria de Pero Viviães, é constituída por três sextilhas (um terceto mais um refrão de três versos), de rima emparelhada (AAARRR) e versos de 15 sílabas métricas (segundo a perspetiva de Rodrigues Lapa; no entanto, a disposição dos cancioneiros é de versos de 7 sílabas métricas).
    De forma genérica, podemos considerar que o sujeito poético se dirige a um TU plural (“Vós”) que deseja saber o paradeiro de Pero Tinhoso. No que diz respeito ao tema, estamos na presença do retrato de um homossexual que é portador de doenças venéreas.
    Assim sendo, podemos desde já ter presente que o alvo d sátira é um indivíduo de nome Pero Tinhoso, sobre o qual não se dispõe de dados que o permitam identificar. Deste modo, “Tinhoso” poderá constituir uma alcunha, embora tenhamos de ter em cinta que o termo aparece duas vezes nos Nobiliários, uma delas em Fernão Pires Tinhoso, tio de Lopo Galo, vassalo dos Briteiros, aparecendo igualmente um Lopo Tinhoso na documentação do mosteiro galego de Toxos Outos, em Santiago de Compostela. Enquanto adjetivo, o vocábulo designa alguém que tem tinha, que é repelente ou nojento, ao passo que, como nome, se refere àquele que sofre de tinha. Assim, se considerarmos que se trata de uma alcunha, é evidente que estamos na presença de um jogo de palavras destinado a satirizar a homossexualidade da pessoa e as doenças venéreas contraídas por essa prática sexual (indiscriminada?). Dito de outra forma, apalavra carrega um tom pejorativo, remetendo para alguém doente, debilitado ou desprezível.
    Passando a uma análise mais pormenorizada da cantiga, o sujeito poético dirige-se, repetimos, a uma terceira pessoa (plural) que o teria questionado querendo saber notícias de Pero Tinhoso. No entanto, o «eu» desconhece «novas», contudo oferece três sinais que mais ninguém conhece, através dos quais se pode (re)conhecê-lo: “traz o toutiço [topo, cabeça] nu”, tem “câncer no pisso” (pénis) e “alvaraz [tumor] no cuu”. Através do recurso ao calão, o sujeito poético ataca a aparência física do alvo da sátira: (uma possível) calvície, cancro do órgão genital e uma úlcera ou ferida no ânus, certamente resultado da prática da homossexualidade. Assim, por meio do calão, da ironia e do sarcasmo, o alvo é satirizado de forma cruel e vulgar.
    Os três primeiros versos de todas as estrofes constituem um «continuum» e são seguidos por um refrão que denuncia as características pelas quais aqueles que procuram por Pero Tinhoso podem encontra-lo: ele possui uma série de doenças venéreas, certamente causadas por práticas homossexuais, do tipo passivo, e que o expõem à vergonha.
    O verso inicial da segunda estrofe liga-se à primeira, confirmando o tal «continuum», através nomeadamente do advérbio de tempo «Já», da forma verbal no pretérito perfeito «preguntastes» e da expressão «noutro dia», que dá a noção de continuidade no discurso: ele já tinha sido questionado nessa altura (vaga e imprecisa, pois não se especifica exatamente a data em que ocorreu) acerca de Pero Tinhoso, porém, nesse momento, não sabia as informações perdidas (“e entom non’as sabia” – v. 8), ao contrário do que sucede agora: “mais por estes três sinaes quem quer o conhosceria”. E repete-se o refrão.
    A última estrofe abre com uma anáfora (com o verso inicial da primeira: “Vós” / “Vós”). O recurso à perifrástica “andades preguntando” indicia que o «vós» tem insistido nas questões sobre Pedro Tinhoso, querendo saber novas dele, insistência essa que sugere que há algo nele peculiar, que desperta interesse, curiosidade. De novo, o sujeito poético elenca três sinais (ou características) que o identificam. No entanto, esses sinais não são imediatamente óbvios, pois exigem ser procurados minuciosamente, como o denuncia o gerúndio «catando». E compreende-se esta ironia, pois as doenças venéreas no pénis e no ânus não são visíveis de imediato; é necessário que a pessoa fique nua e seja olhada com atenção para serem percebidos. Além disso, a forma verbal implica uma observação detalhada, cuidada e paciente, bem como uma busca persistente. Por exemplo, a doença no ânus não é visível a olho nu, necessita até do toque físico para ser desvendada. Por último, o sufixo -ando indica uma ação prolongada, o que confirma que a descoberta dos tais sinais não é imediata, ocorre ao longo de um processo de observação.

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