Esta
cantiga de escárnio e maldizer, da autoria de Pero Viviães, é constituída por
três sextilhas (um terceto mais um refrão de três versos), de rima emparelhada
(AAARRR) e versos de 15 sílabas métricas (segundo a perspetiva de Rodrigues
Lapa; no entanto, a disposição dos cancioneiros é de versos de 7 sílabas
métricas).
De forma
genérica, podemos considerar que o sujeito poético se dirige a um TU plural (“Vós”)
que deseja saber o paradeiro de Pero Tinhoso. No que diz respeito ao tema,
estamos na presença do retrato de um homossexual que é portador de doenças
venéreas.
Assim
sendo, podemos desde já ter presente que o alvo d sátira é um indivíduo de nome
Pero Tinhoso, sobre o qual não se dispõe de dados que o permitam identificar.
Deste modo, “Tinhoso” poderá constituir uma alcunha, embora tenhamos de ter em
cinta que o termo aparece duas vezes nos Nobiliários, uma delas em Fernão Pires
Tinhoso, tio de Lopo Galo, vassalo dos Briteiros, aparecendo igualmente um Lopo
Tinhoso na documentação do mosteiro galego de Toxos Outos, em Santiago de
Compostela. Enquanto adjetivo, o vocábulo designa alguém que tem tinha, que é
repelente ou nojento, ao passo que, como nome, se refere àquele que sofre de
tinha. Assim, se considerarmos que se trata de uma alcunha, é evidente que
estamos na presença de um jogo de palavras destinado a satirizar a
homossexualidade da pessoa e as doenças venéreas contraídas por essa prática
sexual (indiscriminada?). Dito de outra forma, apalavra carrega um tom
pejorativo, remetendo para alguém doente, debilitado ou desprezível.
Passando
a uma análise mais pormenorizada da cantiga, o sujeito poético dirige-se,
repetimos, a uma terceira pessoa (plural) que o teria questionado querendo saber
notícias de Pero Tinhoso. No entanto, o «eu» desconhece «novas», contudo
oferece três sinais que mais ninguém conhece, através dos quais se pode
(re)conhecê-lo: “traz o toutiço [topo, cabeça] nu”, tem “câncer no pisso”
(pénis) e “alvaraz [tumor] no cuu”. Através do recurso ao calão, o sujeito
poético ataca a aparência física do alvo da sátira: (uma possível) calvície,
cancro do órgão genital e uma úlcera ou ferida no ânus, certamente resultado da
prática da homossexualidade. Assim, por meio do calão, da ironia e do sarcasmo,
o alvo é satirizado de forma cruel e vulgar.
Os três
primeiros versos de todas as estrofes constituem um «continuum» e são seguidos
por um refrão que denuncia as características pelas quais aqueles que procuram
por Pero Tinhoso podem encontra-lo: ele possui uma série de doenças venéreas,
certamente causadas por práticas homossexuais, do tipo passivo, e que o expõem à
vergonha.
O verso
inicial da segunda estrofe liga-se à primeira, confirmando o tal «continuum»,
através nomeadamente do advérbio de tempo «Já», da forma verbal no pretérito
perfeito «preguntastes» e da expressão «noutro dia», que dá a noção de
continuidade no discurso: ele já tinha sido questionado nessa altura (vaga e
imprecisa, pois não se especifica exatamente a data em que ocorreu) acerca de
Pero Tinhoso, porém, nesse momento, não sabia as informações perdidas (“e entom
non’as sabia” – v. 8), ao contrário do que sucede agora: “mais por estes três
sinaes quem quer o conhosceria”. E repete-se o refrão.
A
última estrofe abre com uma anáfora (com o verso inicial da primeira: “Vós” / “Vós”).
O recurso à perifrástica “andades preguntando” indicia que o «vós» tem
insistido nas questões sobre Pedro Tinhoso, querendo saber novas dele,
insistência essa que sugere que há algo nele peculiar, que desperta interesse,
curiosidade. De novo, o sujeito poético elenca três sinais (ou características)
que o identificam. No entanto, esses sinais não são imediatamente óbvios, pois
exigem ser procurados minuciosamente, como o denuncia o gerúndio «catando». E
compreende-se esta ironia, pois as doenças venéreas no pénis e no ânus não são
visíveis de imediato; é necessário que a pessoa fique nua e seja olhada com
atenção para serem percebidos. Além disso, a forma verbal implica uma
observação detalhada, cuidada e paciente, bem como uma busca persistente. Por
exemplo, a doença no ânus não é visível a olho nu, necessita até do toque
físico para ser desvendada. Por último, o sufixo -ando indica uma ação
prolongada, o que confirma que a descoberta dos tais sinais não é imediata,
ocorre ao longo de um processo de observação.
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