Português: 2025

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Quase metade dos adultos portugueses só consegue compreender textos curtos

Literacia

    Quatro em 10 portugueses entre os 25 e 64 anos só conseguem compreender textos simples e curtos, segundo um relatório divulgado hoje que mostra Portugal entre os países com níveis mais baixos de proficiência em literacia.  

    Segundo entre 30 países com o nível mais baixo de proficiência em literacia, 46% dos portugueses com idades entre os 25 e 64 anos tem muita dificuldade em interpretar textos e só consegue compreender textos muito curtos e com o mínimo de informação irrelevante, de acordo com um inquérito realizado às competências dos adultos, no âmbito do Programa para a Avaliação Internacional de Competências de Adultos (PIAAC, na sigla em inglês) da OCDE.

    O inquérito continha cinco níveis de proficiência, que variavam entre a capacidade de identificar informação em textos curtos (nível 1) e de sintetizar e avaliar criticamente informações complexas (nível 5), e cerca de metade dos portugueses ficou no nível 1 ou abaixo, com uma percentagem muito superior à média da OCDE (27%). Atrás de Portugal, ficou apenas o Chile, onde 57% dos inquiridos também não foram além do nível 1.

    Por outro lado, cerca de um terço dos inquiridos em Portugal consegue integrar informação de múltiplas fontes e 18% foram um pouco mais longe e mostraram ser capazes de interpretar e avaliar textos complexos.

Nos níveis mais elevados (4 e 5) pontuaram apenas 3% dos portugueses, percentagem idêntica na Polónia e Eslováquia e mais baixa apenas no Chile e Lituânia (ambos 2%), enquanto a média na OCDE é 12%.

    A análise feita a estes resultados no âmbito do Education at a Glance 2025 revela ainda que o nível de escolaridade e as competências estão intimamente ligadas. Em Portugal, por exemplo, os adultos com ensino superior demonstraram maior facilidade na compreensão e análise de textos, conseguindo, em média, obter mais 36 pontos do que aqueles que têm apenas o secundário e perto de 70 pontos acima dos inquiridos sem o 12.º ano concluído.

    Os níveis de proficiência em literacia encontram também relação, por outro lado, com a aposta na formação, sendo que os adultos com melhores competências têm maior probabilidade de participar na educação ou formação.

    De acordo com as conclusões do inquérito, em 2023, 80% dos adultos nos níveis 4 ou 5 de proficiência em literacia tinham integrado algum curso ou formação, formal ou informal, no último ano, algo que apenas 22% daqueles posicionados no nível 1 ou abaixo fizeram.

Fonte: RTP

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Cena de "Era Uma Vez no Oeste"

Resumo de Contagem até Zero, de Agatha Christie

    
Um grupo de advogados reúne-se à volta da lareira para discutir um julgamento recente, o caso Lamorne. Entre eles destaca-se Mr. Treves, um célebre e idoso advogado, conhecido pela sua experiência, discrição e conhecimento na área da criminologia. Embora já retirado da prática por causa da sua idade avançada, todos aguardam com respeito a sua opinião. Enquanto os colegas se concentram apenas nos aspetos técnicos e no valor dos testemunhos, Mr. Treves surpreende-os ao refletir sobre as pessoas envolvidas no processo, lembrando que por trás das leis e provas existem seres humanos apanhados pelo acaso em circunstâncias que os levam inevitavelmente ao tribunal. Refere-se ao encadeamento de pequenos acontecimentos que convergem para um mesmo ponto: a chamada “hora zero”, momento inevitável em que o crime acontece.
    Após a reunião, Treves regressa a casa. Já sozinho, reflete: se fosse escritor de romances policiais, começaria não pelo crime em si, mas pelos antecedentes e pelas coincidências que conduzem as pessoas ao local e hora exatos do acontecimento. Porém, ao abrir a correspondência, encontra uma carta que altera os seus planos e reage com contrariedade, regressando bruscamente da reflexão à realidade.
    O prólogo estabelece a atmosfera de suspense, introduzindo a figura sábia mas frágil de Mr. Treves, e lançando a ideia central de que os crimes não nascem apenas de um momento, mas de uma cadeia de circunstâncias que convergem para o inevitável.

    Angus MacWhirter está internado num hospital após uma tentativa falhada de suicídio. Amargurado e revoltado, lamenta não ter conseguido pôr fim à vida, que considera inútil. Sem saúde, sem emprego, sem dinheiro, sem família ou amigos, acredita que o suicídio teria sido o ato mais lógico e sensato.
    Na enfermaria, uma jovem enfermeira ruiva cuida dele com calma e paciência. Angus descarrega a sua frustração, criticando a constante interferência dos outros e defendendo o direito de decidir sobre a própria vida. A enfermeira, com serenidade, contrapõe que o suicídio “não está certo”, por ser pecado e porque uma vida nunca é apenas de quem a vive: pode ter impacto noutras pessoas.
    Durante a conversa, Angus revela como perdeu o emprego por recusar mentir num acidente para favorecer o patrão, foi abandonado pela mulher e caiu na miséria. Apesar disso, a enfermeira insiste que ele ainda poderá ter utilidade, mesmo que apenas por estar num certo lugar num momento decisivo.
    No fim, Angus percebe que talvez não volte a tentar o suicídio. Embora mantenha dúvidas, a convicção simples da enfermeira – e a sugestão de que a sua vida ainda pode ter um propósito imprevisto – começa a abalar a sua desesperança.

    Numa sala silenciosa, alguém escreve, fria e detalhadamente um minucioso plano de assassinato. O processo é descrito como uma criação quase divina, calculando todos os detalhes e possibilidades e deixando até margem para o imprevisível. O autor conclui o plano e escreve uma data em setembro. Em seguida, destrói cuidadosamente os papéis na lareira, conservando-o guardado apenas na sua mente.

    O superintendente Battle recebe a notícia de que a filha mais nova, Sylvia, de dezasseis anos, fora acusada de cometer furtos na escola. A diretora, Miss Amphrey, explica-lhe que descobriu a culpada através da psicologia, obtendo da rapariga uma confissão. No entanto, Battle mantém-se impassível e quer falar com a filha. A sós, Sylvia confessa que não roubara nada: apenas se deixou pressionar pelo olhar e pelas insinuações da diretora, acabando por admitir uma culpa que não tinha, sentindo até alívio com a falsa confissão. O pai compreende que a filha não é ladra, mas antes demasiado vulnerável à sugestão, por isso confronta então Miss Amphrey, deixando claro que exigiria investigação policial formal para apurar a verdade. De seguida, regressa a casa com a Sylvia, convencido de que outra aluna (provavelmente Olive Parson) era a verdadeira culpada dos crimes. No carro, consola-a, explicando-lhe que as provações da vida servem para pôr as pessoas à prova, e acrescenta que não deve sentir culpa ou remorso por algo que não fez.

    Nevile Strange, um atleta famoso, rico e aparentemente feliz, vive com a jovem e bela esposa Kay, com quem partilha uma relação leve e carinhosa, embora com tensões escondidas. Durante o pequeno-almoço, Kay lamenta terem de passar o verão em Gull’s Point, a casa de Lady Tressilian, que desaprova o novo casamento. A conversa revela ressentimentos: Kay sente-se rejeitada pela família do marido, e Nevile mostra-se ainda perturbado pelo divórcio da primeira mulher, Audrey. A atual vê nela uma figura fria e assustadora, enquanto o tenista admite ter-lhe causado sofrimento a separação e carrega um sentimento de culpa. Nevile propõe que Audrey e Kay se encontrem em Gull’s Point, defendendo que todos poderiam conviver civilizadamente. A esposa reage com estranheza e insegurança, suspeitando que a ideia partiu, na verdade, da primeira mulher. O diálogo deixa claro que, apesar da vida aparentemente perfeita, o casal vive sob a sombra da presença de Audrey, cujo passado com Nevile continua a pesar sobre a nova união.

    Lady Tressilian condena a ideia de Nevile Strange de reunir a atual esposa, Kay, e a ex-mulher, Audrey, em Gull’s Point. Conversando com a prima Mary Aldin, critica Kay, considerando-a vulgar, ambiciosa e culpada pela rutura do casamento anterior do tenista. Para a idosa, Audrey é a verdadeira vítima da situação, uma mulher sensível que sofreu muito com o divórcio. Mary, mais ponderada, tenta relativizar a situação, mas também desconfia da carta de Nevile, suspeitando que a iniciativa não partiu dele, mas talvez da própria Audrey, o que intriga Lady Tressilian. Apesar da sua recusa inicial, a velha senhora, desconfiada e relutante, acaba por concordar em convidar a ex-esposa para um almoço, reconhecendo que a jovem pode estar disposta a aceitar o encontro.

    Audrey Strange, a primeira mulher de Nevile, visita Lady Tressilian. O narrador apresenta-a como uma figura delicada, pálida, enigmática e serena e de presença quase etérea, como um fantasma que, paradoxalmente, parece mais real do que os vivos. A sua voz é suave e encantadora, reforçando a impressão de serenidade e mistério. Lady Tressilian confronta-a com a carta de Nevile, onde este propõe reunir as duas esposas da sua vida em Gull’s Point. Para a idosa, trata-se de uma ideia absurda e dolorosa, mas Audrey, calma e firme, insiste que aceitar o encontro poderá “simplificar as coisas”. Apesar das objeções da anciã, confirma que deseja ir e que está disposta a enfrentar Kay. Após a sua saída, Lady Tressilian mostra-se exausta e confessa à criada Barrett que já não compreende o mundo moderno. A criada, por sua vez, partilha a impressão de que Audrey é uma presença inesquecível e que Nevile poderá ainda pensar nela, apesar da beleza de Kay. Lady Tressilian, com uma gargalhada amarga, conclui que o tenista se arrependerá por querer juntar as duas mulheres.

    Thomas Royde, homem reservado e pouco dado a palavras, prepara a viagem de regresso a Inglaterra após quase oito anos a trabalhar nas plantações da Malásia. O amigo e sócio Allen Drake nota o seu ar fleumático e estranha a decisão, lembrando que Royde já adiara uma visita anterior ao lar, nomeadamente aquando do falecimento do irmão. Fica claro que Thomas esconde algo: cora quando se fala numa mulher, revelando sentimentos por Audrey, prima criada como irmã e ex-esposa de Nevile Strange. A conversa também mostra que não tem grande proximidade com o irmão falecido, Adrian, e que mantém um passado familiar marcado por silêncios e reticências. Royde, porém, limita-se a comentar que pretende rever a família e talvez ficar em Saltcreek, lugar pacato onde “nunca acontece nada”.

    Mr. Treves lamenta o encerramento do Marine Hotel, em Leahead, onde se hospedava há vinte e cinco anos e onde se sentia sempre confortável e bem servido. Rufus Lord consola-o e sugere-lhe o Balmoral Court, em Saltcreek, um hotel tradicional dirigido pelo casal Rogers, antigo mordomo e cozinheira de Lord Mounthead, famosos pela excelência do serviço e da comida. O lugar é descrito como tranquilo e adequado ao estilo de vida de Treves, com varanda, terraço e todas as comodidades modernas, incluindo elevador. Além disso, Rufus menciona Lady Tressilian, vizinha próxima e senhora de grande distinção, o que agrada ao velho senhor. Ele considera então a sugestão excelente e decide escrever para pedir informações, planeando instalar-se ali em agosto ou setembro.

    Durante um torneio de ténis em St. Loo, Kay Strange observa o marido, Nevile, disputar a meia-final contra o jovem Merrick. Apesar de jogar bem, o primeiro perde a partida, mantendo sempre a postura de “bom desportista”, o que Ted Latimer, amigo de Kay e antigo pretendente, critica enquanto sinal de falta de espírito competitivo. Entre os dois há cumplicidade, recordando a antiga intimidade que tiveram, e uma conversa carregada de ironia e insinuações, revelando que Ted ainda guarda ressentimento por ela ter escolhido casar-se com Nevile. Além disso, a conversa entre ambos deixa transparecer tensões: o homem ironiza sobre a vida da antiga paixão, os seus planos futuros em Gull’s Point e a presença de outros convidados, enquanto Kay, por momentos, confessa sentir medo e estranheza. Mais tarde, Nevile e a esposa conversam sobre Ted, durante a qual o marido demonstra sentimentos de indiferença, confiança e uma crença no «Destino» que os uniu. Kay, porém, surpreende-o ao confessar que foi ela quem manipulou os acontecimentos para o conquistar, revelando o seu lado calculista e estratega, o que deixa o esposo intrigado e com um leve ressentimento.

    Lorde Cornelly, um aristocrata rico e excêntrico, recebe Angus MacWhirter para uma entrevista. Impressionado pela sua honestidade, demonstrada quando, no passado, se recusou a mentir para proteger o antigo patrão num processo relacionado com um acidente de viação, Cornelly oferece-lhe um emprego importante, bem pago e que exige total confiança. MacWhirter aceita, embora sem entusiasmo. Apesar da sorte inesperada, mantém-se apático: sete meses antes tentara suicidar-se e sobrevivera apenas por acaso. Agora encara a vida de forma mecânica, sem gratidão nem alegria, mas com disciplina. O novo trabalho levá-lo-á para a América do Sul em setembro, mas, antes disso, terá uma semana livre. Nela, considera a possibilidade de ir a Saltcreek, ideia que lhe parece sombria e estranhamente divertida.

    O superintendente Battle recebe ordens inesperadas que arruínam as suas férias, deixando a esposa, Mrs. Battle, desapontada, embora resignada pela longa experiência como mulher de um polícia. Ele explica que o caso parece pouco interessante, mas envolve o Foreign Office, que está em grande agitação. Insiste para que a esposa e as filhas mantenham as férias em Britlington, enquanto ele, após resolver a situação, ficará uns dias com o sobrinho, o inspetor James Leach, em Saltington, perto de Masterhead Bay e Saltcreek. Mrs. Battle receia que James o arraste para uma investigação, mas o esposo desvaloriza e encara tudo com calma, como uma prova de paciênciaThomas Royde regressa da Malásia e é recebido por Mary Aldin, que o leva até Gull’s Point, onde a situação familiar está tensa: Nevile Strange reuniu a atual esposa, Kay, e a ex-mulher, Audrey, sob o mesmo teto. Mary explica a Thomas que esse convívio foi ideia de Nevile, embora cause desconforto a todos, e revela a sua preocupação com a estranha serenidade de Audrey, que lhe parece esconder emoções profundas.

    Ao chegar à casa, Thomas observa as duas mulheres: Audrey é calma e etérea, mas enigmática, enquanto Kay se apresenta bela e nervosa, mostrando clara antipatia pela primeira. Uma cena banal — a disputa por uma revista — transforma-se num momento de tensão entre as duas, culminando numa explosão de fúria de Kay, que chega a dizer odiar todos na casa e ameaçar violentamente a «rival» ou Nevile. Pouco depois, Audrey recebe Thomas com inesperada alegria e ternura, o que não passa despercebido a Mary Aldin, que observa discretamente a cena.

    Nevile procura Kay e encontra-a em lágrimas e furiosa por ele ter dado a revista a Audrey em vez de a ela. A discussão sobe de tom: a esposa acusa-o de preferir a ex-mulher e de estar contra ela, enquanto o marido, com calma fria, reprova o seu comportamento infantil e ciumento. Kay, desesperada, pede-lhe que abandonem a casa imediatamente, mas Nevile recusa, insistindo em cumprir a quinzena prometida. No auge da discussão, ela alerta-o que a ex-mulher não o perdoou realmente e que esconde intenções profundas sob a serenidade que exibe. Ele, porém, vê em Audrey apenas generosidade e decência. O diálogo termina de forma glacial, com a mulher a acusar o marido de ser um homem frio, sem sentimentos, e este, cansado e frustrado, a abandonar o quarto.

    Lady Tressilian conversa com Thomas Royde, notando que ele mantém a mesma reserva e silêncio da juventude, em contraste com o irmão falecido, Adrian. A idosa aborda então a delicada situação da casa, o “eterno triângulo” entre Nevile, Kay e Audrey, e admite divertir-se com o embaraço criado pela teimosia do primeiro em reunir as duas mulheres. De seguida, questiona de quem teria partido a ideia, concluindo que não seria de Audrey e duvidando que Kay tivesse essa astúcia. Lady Tressilian considera a atual esposa uma jovem desmiolada, de mau génio e sem maneiras, o que só prejudica o casamento. Já a antiga consorte, ponderada, parece ser quem mais sofre. Na conversa, fica evidente o amor discreto e de longa data de Thomas por Audrey. A velha senhora recorda a sua alcunha de juventude, “Fiel Thomas”, e sugere que a constância e devoção dele possam finalmente ser reconhecidas por Audrey, agora que passou por tantas desilusões. Thomas, envergonhado mas sincero, admite que foi com essa esperança que regressou.

    Na cozinha, Hurstall, o mordomo, confessa à cozinheira Mrs. Spicer o seu mal-estar e inquietação: sente que há algo estranho na casa, como se todos estivessem presos numa armadilha, tensos e desconfortáveis. A cozinheira, prática, atribui isso a má digestão, mas ele insiste que o ambiente anda carregado. Na sala de jantar, Mary Aldin anuncia que convidou Latimer, amigo de Kay, para jantar no dia seguinte, o que gera conversas sobre passeios, golfe, dança e programas sociais. Entre as trocas, surgem pequenas ironias que evidenciam tensões entre o casal. Mary, instigada por Thomas Royde, revela discretamente a sua vida: tem 36 anos, vive há 15 com Lady Tressilian, depois da morte do pai, e sente pesar por nunca ter viajado, apesar de ser o seu maior desejo. Há um início de aproximação entre ela e Thomas, marcado por olhares atentos e sinceros. O jantar termina com Mary a anunciar outro convidado: Mr. Treves, um idoso distinto, advogado reformado, de saúde frágil, mas intelectualmente lúcido, conhecido por ter convivido com muita gente interessante. Enquanto isso, Thomas observa as duas mulheres em contraste: Kay, exuberante, cheia de vida e beleza intensa; e Audrey, pálida, recatada, quase apagada. A comparação inspira-lhe a imagem de duas figuras de contos populares: Rosa Vermelha e Branca de Neve.

    Durante o jantar em Gull’s Point, Mr. Treves aprecia a boa comida, o vinho e a organização impecável da casa de Lady Tressilian, apesar de a sua dona estar confinada ao quarto. Enquanto observa os presentes, repara no contraste entre Kay — radiante, sedutora, dominando a atenção de Ted Latimer — e Audrey, discreta, silenciosa e imersa em pensamentos. A diferença entre ambas impressiona o velho advogado. Após o jantar, todos se reúnem na sala: Kay impõe-se com vitalidade, escolhendo a música e dançando provocadoramente com Latimer, deixando Nevile hesitante. Quase por cortesia, este convida a ex-esposa para dançar, mas esta recusa o convite, desculpando-se com o calor, e retira-se para o terraço. Mr. Treves, pensativo e observador, tece comentários ambíguos sobre Latimer, elogiando-lhe os dotes de dançarino, mas insinuando que a sua aparência lembra um criminoso que conheceu. A conversa com Mary Aldin revela o seu olhar clínico e insinuante, sugerindo que por vezes ver demasiado bem pode ser uma maldição. Enquanto isso, no terraço, Nevile e Audrey têm um breve momento de proximidade forçada quando o cabelo dela se prende no botão da manga dele. Ambos ficam nervosos e trémulos, e Thomas Royde interrompe a cena. O ambiente permanece tenso e cheio de olhares implícitos. Esta parte termina com a chegada da criada de Lady Tressilian, que anuncia o desejo da velha senhora de ver Mr. Treves no seu quarto.

    Lady Tressilian recebe Mr. Treves com prazer, e os dois passam algum tempo a recordar velhos tempos e a trocar impressões. A conversa logo se volta para o “eterno triângulo” — Nevile, Audrey e Kay — e a velha senhora mostra-se indignada com a situação, porém o advogado analisa o caso de forma fria e pragmática, sugerindo que tais paixões súbitas são comuns e muitas vezes terminam em reconciliação ou em novos casamentos. A idosa insiste que Audrey tem demasiado orgulho para voltar para os braços do ex-marido, mas o homem lembra que, no amor, o orgulho raramente resiste. Depois, Lady Tressilian fala da sua solidão, da morte do marido e da fidelidade de Mary Aldin e da criada Barrett, que lhe são essenciais, e a conversa termina. Na sala, os convidados conversam: discute-se crimes, falhas da justiça e a possibilidade de a fazer "pelas próprias mãos”. Thomas defende que, se a lei falha, alguém tem o direito de agir — uma ideia que Mr. Treves rejeita como perigosa. O advogado, então, conta uma história sombria: uma criança que matou outra com arco e flecha em circunstâncias suspeitas. Oficialmente o episódio foi considerado um acidente, todavia ele nunca esqueceu a questão, sugerindo que reconheceria esse “assassino em miniatura” mesmo adulto. O relato deixa o ambiente tenso. Na despedida, Mr. Treves é acompanhado por Ted Latimer até ao hotel. No caminho, o advogado alerta-o, de forma velada, sobre os perigos da vida e da sua conduta impetuosa. Entretanto, surge Thomas Royde, e os três entram no Balmoral Court, onde descobrem que o elevador está avariado. O homem, com o coração fraco, é forçado a subir lentamente as escadas. Royde e Latimer despedem-se e seguem em direções opostas sob a lua prateada.

    Na praia, Audrey, Mary, Kay e Ted Latimer desfrutam de um dia de sol. Kay, impaciente e provocadora, mantém-se próxima de Ted, com quem partilha cumplicidade e entusiasmo. Mary e Audrey observam-nos de longe e comentam como parecem formar um par natural, até mais harmonioso que ela com Nevile. Mary, sem querer, deixa escapar que teria sido melhor se Kay nunca tivesse conhecido o marido, o que gela imediatamente Audrey, que insiste que o passado está morto e que não sente mais nada por Strange. Entre as duas amigas surge uma conversa íntima: Mary admite sentir o peso de uma vida convencional, dedicada a Lady Tressilian, e revela pequenos “jogos mentais” que faz para se distrair, como observar as reações das pessoas. Audrey, fria e misteriosa, responde que ela própria é imprevisível, deixando a outra intrigada. Posteriormente, Mary fica sozinha na praia e conversa com Ted Latimer. Pela primeira vez, percebe nele não só arrogância e cinismo, mas também dor: ama Kay e perdeu-a para Nevile. Ted confessa o ressentimento que sente pelos outros, acusando-os de “presunção”uma superioridade natural dos que sempre tiveram privilégios. Mary tenta defendê-los, dizendo que, embora pareçam superficiais, não são cruéis, e demonstra sincera compaixão pela infelicidade dele. Ted admite amar Kay desde sempre, mas acrescenta enigmaticamente que “muitas coisas podem acontecer no futuro próximo”, deixando no ar uma ameaça ou presságio.

    Audrey encontra-se com Thomas Royde junto às rochas, em frente a Gull’s Point. Conversam sobre o mar, acidentes e recordações de infância, incluindo a cicatriz na orelha de Audrey causada por uma mordidela de cão. A conversa avança para a relação dela com Nevile. Audrey confessa que se apaixonou por ele, porque representava tudo o que ela não era: positivo, seguro, feliz, “real”. Thomas, amargo, deixa escapar o ressentimento que sente por Strang, que sempre foi brilhante e bem-sucedido, enquanto ele, apagado e limitado fisicamente, perdeu a única mulher que amou. Acaba por confessar o seu amor de longa data por ela, que responde negativamente a tal pretensão. Logo depois encontra o ex-marido, deitado a observar um caranguejo. A conversa começa de forma banal, mas rapidamente Nevile, nervoso, tenta confirmar que continuam amigos. Audrey responde afirmativamente, mas mantém a frieza. Num momento carregado de tensão, ele sussurra que “ela é a sua verdadeira mulher”, revelando que ainda a ama, mas a mulher, firme, corrige-o e afasta-se.

    Subitamente, surge a notícia de que Mr. Treves faleceu subitamente, logo após regressar ao hotel. É aventada a possibilidade de a morte ter sido provocada pelo esforço feito ao subir as escadas do hotel, já que o advogado tinha um coração fraco. Thomas Royde afirma que, de facto, ele e Latimer o tinham deixado a subir os degraus, porque no elevador havia um letreiro a avisar que o elevador estava avariado. No entanto, Mrs. Rogers, a proprietária do hotel, e o porteiro garantem que o elevador estava a funcionar perfeitamente nessa noite, nunca tendo estado avariado.

    Mary e Thomas comentam o clima de tensão crescente em Gull’s Point, à espera da partida de Nevile, Kay e Audrey. Todos sentem a atmosfera opressiva, agravada pela morte recente de Treves. Nevile confessa a Audrey que ainda a ama e propõe deixar Kay para reatar com ela, mas esta surpreende-os, furiosa, e confronta o marido, recusa o divórcio e ameaça matá-lo e a sua ex, tornando o ambiente ainda mais pesado e ameaçador.


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sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Google lança IA que ensina a estudar


A Google anunciou esta quarta-feira, 3 de setembro, um novo conjunto de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) no Gemini, lançadas a pensar no regresso às aulas. O objetivo é assumido: ajudar os alunos a estudar de forma mais inteligente, promovendo o pensamento crítico e uma compreensão mais profunda das matérias, em vez destes se limitarem a obter respostas prontas.

As novas funcionalidades foram, segundo o gigante da tecnologia, desenvolvidas em estreita colaboração com educadores, estudantes e especialistas em pedagogia, e têm por base no LearnLM, uma família de modelos de IA da Google afinados especificamente para a aprendizagem. Segundo Maureen Heymans, vice-presidente da área de Aprendizagem da empresa, a iniciativa parte de um princípio fundamental: "Acreditamos que a tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa para a aprendizagem, mas também sabemos que a verdadeira compreensão vai para além de uma única resposta", afirmou em conferência de imprensa internacional na qual o DN participou.

A partir deste dia, no Google Gemini, os utilizadores encontram a opção Aprendizagem Orientada (Guided Learning), um novo modo no Gemini que funciona como um "companheiro pessoal de aprendizagem". A ideia é afastar-se do modelo de pergunta-resposta típico dos chatbots.

A ferramenta, que funciona em português de Portugal, está desenhada para analisar problemas passo a passo, fazer ela própria perguntas abertas, para estimular a discussão, e adaptar as explicações às necessidades de cada utilizador. "O objetivo é ajudá-lo a construir uma compreensão profunda, em vez de apenas obter respostas", segundo Maureen Heymans. A experiência é interativa e multimodal, recorrendo a imagens, diagramas, vídeos e até questionários para testar o conhecimento.

Para tornar o processo mais rico e envolvente, o Gemini passa também a integrar automaticamente o que a empresa chama de Aprendizagem Visual. Jennifer Shen, diretora de Gestão de Produto da App Gemini, detalha que a plataforma vai "integrar automaticamente imagens, diagramas e vídeos do YouTube de alta qualidade diretamente nas respostas" quando os utilizadores perguntam sobre tópicos complexos, como o processo de fotossíntese ou a constituição de uma célula.

A pensar na preparação para os testes, foram ainda criadas Ferramentas de Estudo Instantâneas. Com esta função, os estudantes podem pedir ao Gemini para criar cartões de estudo (flashcards) e guias de estudo personalizados a partir das suas próprias anotações ou de outros materiais das aulas.

A aposta da Google surge numa altura em que a utilização de IA na educação é já uma realidade. Um Jennifer Shen refere um "inquérito recente a 7.000 adolescentes europeus" que revelou que mais de dois terços já utilizam ferramentas de IA para aprender todas as semanas. Para a Google, isto torna "mais importante do que nunca que as ferramentas de IA sejam desenvolvidas especificamente para a aprendizagem".

A empresa procurou também responder a uma necessidade identificada junto dos mais novos. "Os alunos disseram-nos que desejam passar de respostas rápidas para uma compreensão profunda, mas nem sempre sabem como. Também valorizam ter um lugar seguro para fazer qualquer pergunta que possam ter", afirma Maureen Heymans. A Aprendizagem Orientada foi concebida para criar esse espaço de conversação "livre de julgamentos", onde cada um pode aprender ao seu ritmo.

A pensar nos professores, foi ainda criado um link dedicado que pode ser partilhado diretamente no Google Classroom.

Para Jennifer Shen, este é um marco na missão da empresa. "Estas ferramentas Gemini são um passo importante no nosso caminho para ajudar todos no mundo a aprender qualquer coisa. Reconhecemos também que o caminho a seguir está repleto de imensas possibilidades e de responsabilidade partilhada para garantir que a IA beneficia realmente todos os alunos", afirma.

(c) dinheirovivo.dn

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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Biografia de Camões: as origens dos Camões

Camões


1. As origens dos Camões


1.1. Contexto histórico e geográfico
 
Vale Miñor: localizado a oeste da Galiza, próximo da ria de Vigo, nele são visíveis vestígios históricos como castros, pontes, castelos e mosteiros.

Camos (Nigrán): neste lugar, existia, há cerca de oito séculos (séc. XIII), o solar dos Camões, residência da família ancestral de Luís de Camões.


1.2. Origem do nome Camões

O apelido Camões deriva do topónimo galego Camos, que evoluiu para forma portuguesa atual. «Camões», precedido de «de» (Luís de Camões), sugere a proveniência geográfico da pessoa, ou seja, fulano é o Luís, natural de Camos / Camões.

Esse topónimo, por sua vez, teve origem no nome de uma ave chamada camão (ou caimão), uma ave aquática de plumagem azul e bico vermelho, que ainda existe no estuário do rio Miñor.


1.3. A lenda do camão

Segundo Severim de Faria, o primeiro biógrafo de Camões, existia a seguinte antiga lenda galega:

Um nobre galego era dono de um pássaro camão que morreria se a sua esposa cometesse adultério.

Um pretendente dessa dama, tendo sido rejeitado por ela e cheio de despeito, resolveu caluniá-la, insinuando que teria cometido adultério, por isso o marido quis matá-la.

A esposa pediu ao cônjuge que consultasse a ave. Ao verificar que esta continuava viva, ele compreendeu que estava enganado, reconheceu o seu erro e uniu o seu nome de família ao da ave.

Luís de Camões mencionou esta lenda numa carta em verso que escreveu a uma dama, mostrando, assim, que conhecia as suas origens galegas.


1.4. Genealogia e identidade de Camões

O trisavô de Luís de Camões nasceu no solar de Camos e foi o primeiro da família a vir para Portugal.

Camões cresceu com a ideia de pertencer à nobreza, mesmo que empobrecida, ideia essa consubstanciada no seguinte:

O solar dos Camões, uma casa senhorial ou castelo feudal, que, por alturas dos séculos XII ou XIII, existia em Camos (Nigrán, Galiza), o local onde nasceu o trisavô do poeta (ter esse passado associado a um castelo fortalecia de linhagem aristocrática).

A lenda do camão, a qual dava prestígio simbólico à família, visto que a associava à virtude e à honra.

Antepassados ligados à guerra e à navegação, atividades valorizadas pela nobreza medieval, já que os feitos de armas e a expansão ultramarina eram sinal de honra.

 
1.5. Papel histórico de Vasco Pires de Camões

Em 1369, dá-se a Batalha de Montiel: D. Pedro I de Castela, o Cruel, filho da Formosíssima Maria retratada n’Os Lusíadas, é morto pelo irmão bastardo Henrique de Trastâmara, que assume o trono.

D. Fernando, o monarca português, reivindica a coroa de Castela por direito dinástico, invade a Galiza, mas recua.

Muitos nobres portugueses partidários de Pedro I refugiam-se em Portugal, nomeadamente o Conde Andeiro, Aires Pires de Camões (capitão de galés) e o seu primo Vasco Pires de Camões, provável fundador do ramo português da família.

Os motivos da vinda de Vasco Pires de Camões para Portugal são os seguintes: apoio político a Pedro I, como já foi referido, e desavença pessoal (teria assassinado um fidalgo).

D. Fernando recompensa-o com várias propriedades: Gestaçõ, Montemor-o-Novo, Sardoal, Constância, Marvão, Vila Nova de Anços, Estremoz, Avis, Évora e Santarém.

Após a morte de D. Fernando, em 22 de outubro de 1383, D. Leonor Teles, a regente do reino, mantém Vasco Pires de Camões próximo de si, conde-lhe funções e um casamento vantajoso com Maria Tenreiro.

Na batalha de Aljubarrota (1385), Vasco Pires de Camões luta ao lado das forças de Castela, é feito prisioneiro e posteriormente libertado, mas a sua atitude fá-lo perder prestígio.

Em 1391, ainda morava em Portugal, mas após esse ano desaparece dos registos das cortes.

Antes de se mudar para Portugal, era um trovador galego, tendo participado, por exemplo, em contendas poéticas no Cancioneiro de Baena. Este dado liga o talento literário de Camões a uma possível herança familiar.


1.6. Descendência de Vasco Pires de Camões
 
Vasco Pires de Camões casou com Maria Tenreiro e desse casamento resultaram três filhos:  Gonçalo Vaz de Camões, o primogénito, João Vaz de Camões e Constança Pires de Camões.

Lei do Morgadio: o filho mais velho herdava os bens e títulos, garantindo a continuidade da linhagem; os filhos segundos entregavam-se à vida eclesiástica ou à carreira militar.

Gonçalo Vaz de Camões:

enquanto primogénito e de acordo com a Lei do Morgadio, herdou os bens da família;

através de alianças vantajosas e do casamento com Constança da Fonseca, ligada a uma família importante, a dos Coutinho, prosperou;

no século XVI, António Vaz de Camões, um seu descendente, era morgado de Camoeira, rico e influente.

Constança Pires de Camões:

casou com Pierre Séverin, um fidalgo francês que participou na conquista de Ceuta, em 1415;

deu origem à família Severim de Faria, da qual brotou Manuel Severim de Faria, biógrafo de Camões.

João Vaz de Camões:

segundo filho de Simão, foi o bisavô do poeta;

entregou-se à carreira militar e judicial: serviu D. Afonso V em expedições contra Castela e no Norte de África e mais tarde tornou-se corregedor da comarca da Beira (cargo judicial);

casou com Inês Gomes da Silva, filha bastarda da família Silva;

desse casamento nasceram três filhos: João Vaz, Antão Vaz e Pero Vaz;

construiu um túmulo sumptuoso na Sé Velha de Coimbra.

Antão Vaz de Camões:

é o avô do poeta;

casou com D. Guiomar da Gama, que tinha ascendentes comuns a Vasco da Gama;

terá servido na Índia com Afonso de Albuquerque, em 1507, fazendo parte da esquadra do Mar Vermelho;

levou uma vida atribulada:

. fugiu para Vilar de Nantes, em Chaves, em 1504, por ter cometido um homicídio;

. viveu das rendas da abadia local;

. morreu cerca de 1528;

. filhos prováveis:

- Isidro Vaz (capelão do rei);

- Simão Vaz de Camões (pai do poeta);

- Bento de Camões (tio do poeta);

- outros, incluindo um Luís, possível inspiração para o nome do poeta).

Bento de Camões:

. tio do poeta;

. teve uma carreira eclesiástica brilhante:

-foi cônego regrante de Santo Agostinho no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra;

- em 1539, foi eleito prior do Mosteiro de Santa Cruz e prior geral da congregação;

- em 1540, foi nomeado chanceler da Universidade de Coimbra, um cargo semelhante a reitor;

. manteve alguns conflitos com D. João III.

Simão Vaz de Camões:

. pai de Camões;

. nascimento: provavelmente em Coimbra ou Vilar de Nantes, em data incerta;

. estudou em Braga;

. trabalhou como tesoureiro na Casa da Índia e na Casa dos reis D. Manuel I e D. João III;

. foi agraciado com o título de cavaleiro (não hereditário) em 21 de junho de 1538, por D. João III, devido à participação numa perseguição em Safim (Marrocos) aos mouros;

. foi para a Índia como capitão de uma nau; segundo Pedro de Mariz, naufragou à vista de Goa e morreu no Oriente, em data incerta;

. casou, antes de 1524, com Ana de Sá:

- os primeiros biógrafos falam numa Ana Macedo, uma mulher nobre de Santarém, enquanto outros genealogistas confirmam essa ligação aos Macedo, uma linhagem nobre portuguesa com ramificações na cidade referida e possíveis ligações a figuras notáveis como a família de Damião de Góis (note-se que, na época, os apelidos variavam muito, daí a oscilação ente «de Sá» e «de Macedo»);

- alguns autores pensaram que havia duas mulheres (uma mãe, que teria morrido cedo, e outra madrasta), por causa da Canção X, mas trata-se de uma interpretação errada;

- nalguns documentos, Camões chegou a assinar Luís Sá de Camões, mostrando a ligação aos dois apelidos;

- a oscilação de apelidos era normal da época, não sendo fixos nem oficiais:

. não havia um nome de família obrigatório e as pessoas não tinham um apelido legal e permanente;

. os apelidos podiam vir do pai ou da mãe (por exemplo, uma filha podia usar o apelido da mãe ou de uma avó, e os irmãos nem sempre partilhavam o mesmo apelido);

. os apelidos mudavam ao longo da vida (com o casamento, serviço militar ou cargos, a pessoa podia adotar outro apelido, para reforçar status).


1.7. Árvore genealógica de Camões

sábado, 16 de agosto de 2025

Resumo do conto "Naquela tarde"

    O conto "Naquela tarde" retrata um momento de tensão e conflito ocorrido no interior de uma sala de aula. O professor Morgado entra nervoso, ciente de que será alvo de uma armadilha já aplicada por uma aluna a outros colegas, como Maria do Céu, que originara um escândalo e até dera origem a uma intervenção policial. A estratégia da estudante é acusar o professor de bullying, um plano premeditado pra o incriminar, e, ao sair da sala, acionar os pais e as autoridades.
    De facto, a intenção é acusá-lo de «ostracização», ou seja, de a isolar intencionalmente, impedindo que se integre na turma, quando, na verdade, é a própria aluna quem se senta numa carteira, sozinha, e se isola dos demais. De seguida, ameaça sair da sala e acionar os pais e a polícia. No entanto, nessa tarde, o professor Morgado reage à situação de forma inusitada: não cede ao medo, corre para a porta da sala e impede a saída da aluna. Contactado por esta, o pai, retratado como um «Golias», desloca-se à escola, furioso. Todavia, o professor adota uma atitude firma, não se intimida e resiste às ameaças.
    A atitude do docente traz-lhe e aos restantes alunos uma sensação inédita de vitória e esperança, em contraste com a sucessão de derrotas e desistências que vinham marcando professores daquela turma.

Resumo do conto "A profecia de Daniel"

    O texto abre com a localização da ação num dia frio e agreste. Uma família está reunida à volta da lareira, enquanto Tia Tê Judite comenta que aquele é um dia bárbaro. A conversa deriva, de seguida, para reflexões sobre o fim do mundo, com a velha a afirmar, baseando-se na Bíblia, que ele acabará em fogo. É então que Susana recorda a figura de Daniel Manquinho, um coveiro solitário, manco e temido pelas crianças.
    O homem tinha sido encontrado morto, sentado, enlameado, com a picareta no colo e um sorriso nos lábios, já em estado de decomposição, pois falecera há três dias. Antes de morrer, tinha cavado a própria sepultura junto ao casebre onde vivera, perto do cemitério. A família comenta sua vida triste: órfão desde os 14 anos, tornara-se coveiro para conseguir sobreviver. Esse ofício, apesar de macabro, dava-lhe um prazer secreto a morte das pessoas, visto que isso lhe trazia trabalho e dinheiro, algo que o fazia sentir-se importante.
    Enquanto a tempestade se faz sentir no exterior, um clarão corta o céu e um trovão sacode a terra. Ezequiel conclui que cada dia constitui o fim do mundo para alguém. Aquele dia fora-o para o velho Daniel, que morrera sozinho, sem companhia, como vivera.

Resumo do conto "História de um presépio"

    No primeiro dia das férias de Natal, as crianças saem cedo de casa, ainda com o nevoeiro a pairar, bem agasalhados com botas, gorros e luvas, transportando um machado, para procurar o pinheiro perfeito no pinhal mais próximo. Eles examinam diversas árvores: umas são muito grandes, outras pequenas, feias ou pouco atraentes. Finalmente, optam por um pequeno pinheiro e cortado com um misto de pena e determinação.
    De regresso a casa, a árvore é colocada dentro de um balde com pedras, perto da chaminé. De seguida, descem até o vale em busca de musgo abundante e viçoso para revestir o presépio, que arrancam com as mãos frias e cheias de caruma. Por vezes, levam também uma cavaca, que será usada para formar a gruta do presépio.
    Com jornais estendidos no chão, caixas para nivelar e o pinheiro firme no balde, as crianças começam a montar o pinheiro. O musgo cobre o chão, as caixas são preenchidas, trilhos são desenhados com farinha (o mesmo ingrediente usado para confecionar as filhós natalícias) e cancelas feitas de cana são espetadas o musgo. A construção é povoada com as escassas figuras que possuem: o Menino Jesus na gruta, junto do burro e da vaca, São José e Nossa Senhora, os Reis Magos e um pastor com o seu borrego. A promessa da mãe de comprar mais imagens nunca se concretiza.
    O pinheiro é decorado ainda com uma estrela feita de papel de prata no topo, fitas delicadas acumuladas ao longo dos anos, além de mais alguns ornamentos simples. Por outro lado, usam algodão para simular neve e espalham-no pelo presépio. Na noite de Natal, colocam um sapatinho junto à chaminé, esperando encontrá-lo cheio de presentes na manhã seguinte. Mesmo antes de dormir, as crianças são surpreendidas pela neve a cair no exterior da casa.

Resumo do conto "Vida de uma vida"

    O conto acompanha Zé Gonçalves, um homem de 97 anos. Numa tarde tranquila, encontramo-lo a refletir sobre o passado. Apesar da idade avançada, conserva o olhar vivo e uma sensibilidade que evidencia a profundidade das suas experiências. A sua existência foi marcada pelo trabalho árduo, cultivando a terra e cuidando das vacas para garantir o sustento da família. Além disso, enfrentou momentos terríveis, como a morte de dois filhos durante o parto, o que deixou marcas profundas na sua alma, que ele carregou com resignação e força.
    Em determinada fase da sua vida, por ordem da junta de freguesia, começa a trabalhar na recuperação do caminho da ribeira, mas é interpelado e confrontado por Ti António Jarro, um homem com fome de conflito que ninguém compreende. A tensão entre os dois cresce, até que, numa disputa violenta, Zé Gonçalves mata o oponente em legítima defesa. Ele é preso, mas acaba por ser absolvido cinco meses depois.

Resumo do conto "Do lado de lá do mar"

    O conto narra a experiência intensa e sensorial de um soldado português envolvido na guerra do Ultramar. A narrativa tem início com uma evocação poética do mar, das ondas e do cheiro a sal, sugerindo a travessia física e emocional.
    No momento de mais intensidade, o protagonista participa numa operação militar, atravessando um rio em silêncio antes de ser envolvido numa explosão de violência: tiros, fogo, correria, confusão, tudo um cenário de brutalidade.
    O texto finaliza com o herói ferido mortalmente, atingido no peito, evocando a imagem do "dormeur du val", uma referência a um poema de Rimbaud. Mesmo a caminho do último suspiro, há uma busca de beleza e transcendência, ao olhar para o céu e procurar a constelação da Ursa Maior. A narrativa termina com uma nota de ternura e aceitação: "Dorme, menino, dorme."

Resumo do conto "Aniversário"

    O conto apresente a reflexão de uma mulher de 89 anos que, no final de uma tarde de outono, se senta à janela e contempla o mundo à sua volta, enquanto rememora o tempo da infância, nomeadamente os tempos em que frequentava a então escola primária, hoje encerrada e sem o barulho contagiante das crianças.
    Ao longo da narrativa, compara o seu corpo envelhecido (as mãos rugosas, a pele seca, os cabelos grisalhos) com a memória da menina que foi outrora. Apesar da idade bem avançada, os seus olhos mantêm o brilho e a vitalidade de outrora. Viúva há muitos anos, veste-se de preto como todas as viúvas da sua terra, todavia sente grande aversão por essa cor, que associa à tristeza e à morte. Recorda o marido com carinho, imaginando-o a trabalhar no jardim como quando estava vivo, e pensa na própria morte com serenidade, sem o medo que sentira quando era mais nova. Reflete também sobre o sentido de continuar a viver e considera a possibilidade de transmitir histórias e experiências aos mais jovens, embora lamente que poucos a queiram ouvir.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Resumo do conto "O Eremita"

    O conto "O Eremita" narra a odisseia de um professor, conhecido comumente por Toninho, diminutivo de António, que decide abandonar a profissão e a vida agitada para viver isolado no meio dos montes, procurando uma existência mais autêntica. Deste modo, instala-se num pequeno casebre que herdara e que reconstruíra, com a ajuda da comunidade, e passa a levar uma vida simples, criando alguns animais e deslocando-se periodicamente à aldeia.
    Um jornalista,  curioso com a notícia da mudança radical de vida do ex-professor, vai ao seu encontro, guiado por Ti Augusto, um habitante local. No entanto, ao chegarem junto do casebre reconstruído, não encontram Toninho. Curioso, o jornalista decide espreitar o interior da habitação. E cima da mesa, encontra uma edição de D. Quixote aberta numa página onde se destaca uma citação sobre a liberdade, o que esclarece o motivo e o sentido da escolha do antigo professor.
    O conto termina com o jornalista e Ti Augusto deixando o local, acompanhados pelo som distante de Platão, o mastim fiel que acompanhava sempre o «eremita». O primeiro pede ao segundo que lhe conte histórias de contrabando, parecendo considerar que a narrativa em torno da opção de Toninho não teria o impacto esperado. Afinal, em vez de uma história fabulosa com um desenvolvimento do arco da velha, encontrou «apenas» uma história de liberdade. 

Resumo do conto "No limiar da vida"

    Um homem entra num café, senta-se sozinho e começa a folhear um jornal de trás para a frente, observando casualmente o ambiente e uma empregada apressada. Enquanto lê o periódico, depara com um texto sobre o escritor José Cardoso Pires.
    Noutra página de jornal, encontra fotografias a preto e branco, e uma delas desperta a sua atenção em particular: ele reconhece nela uma mulher que conheceu, o seu rosto, o olhar, o sorriso e até o perfume. Essa imagem desperta-lhe memórias da juventude, como, por exemplo, a primeira vez que a viu de minissaia, o primeiro "olá", o primeiro sorriso. A emoção que essas recordações lhe trazem é tão intensa que lágrimas escorrem pela face e caem sobre a página, borrando a fotografia.
    A empregada passa novamente perto de si e o homem descobre uma semelhança desconcertante entre ela e a figura da fotografia, incluindo o perfume. Ao regressar à leitura do jornal, encontra na secção de "fait-divers" uma notícia sobre um fotógrafo que, na sequência de um acidente rodoviário ocorrido há três anos, permanecia em estado vegetativo, sendo a esposa a única sobrevivente ilesa. O homem compreende então que a mulher da notícia era a da fotografia e que ele mesmo era o fotógrafo.
    Voltando à página da necrologia, vê que a imagem da figura feminina tinha desaparecido. De seguida, sorri, dá a mão à mulher que sempre estivera ali e acorda.

Resumo do conto "O caçador"

    A narrativa acompanha João durante uma caçada, sempre cauteloso, atento ao ambiente e seguindo o cão Farrusco, que fareja o rasto de uma presa. Em determinado momento, o animal indica a presença de uma lebre, todavia o protagonista recorda um episódio anterior em que falhou dois tiros, algo incomum para ele, tido como um excelente atirador. Ti Ventura demonstra toda a sua incredulidade por João ter deixado a lebre escapar nessa ocasião.
    Ele explica que falhara o primeiro tiro para não atingir o cão, que cruzava a linha de fogo no momento em que se preparava para disparar. Ti Ventura, satisfeito com a explicação, reconhece que o caçador não erraria de outra forma.
    Regressando à caçada presente, João aproxima-se silenciosamente, posiciona-se e, num momento preciso, surgem duas lebres em simultâneo. Ele dispara rapidamente dois tiros quase simultâneos, abatendo ambas. O conto encerra com Farrusco alcançando os animais já imóveis, confirmando o êxito do caçador.

Resumo do conto "Perseguição"

    O título do conto retrata a sua ação: a fuga de um contrabandista durante a noite, envolta num ambiente de tensão e mistério.
    O texto abre com a descrição do grupo movimentando-se como sombras, silenciosas e cautelosas, até o amanhecer. Dada a atividade a que se dedicam, a luz do dia é vista como inimiga. Em determinado momento, o grupo é surpreendido por um ruído suspeito, um reflexo da presença nas imediações de um guarda civil, um carabineiro. A perseguição inicia-se: o contrabandista corre pelos campos e procura esconder-se, passando despercebido entre trabalhadores rurais.
    Durante a espécie de caçada, ocorrem diálogos tensos em português e espanhol, o guarda ordena-lhe que o contrabandista largue a carga e se entregue. Perante a sua resistência e obstinação, são disparadas rajadas de metralhadora e um cão que acompanha os policiais ataca-o ferozmente, até ser controlado pelo dono. Mesmo acossado desta maneira, o contrabandista consegue criara distrações, atravessar a fronteira e manter distância dos perseguidores, até chegar junto de um povoado e, numa jogada astuta, grita por ajuda aos guardas-fiscais portugueses, confundindo os carabineiros. Estes, surpreendidos pela atitude e sem a compreender, ficam a pensar no caso, enquanto o contrabandista desaparece.
    O final do texto retoma o seu início: há quem diga que se transformou em fantasma, desaparecendo sem deixar rasto, e que os carabineiros sentiram um silêncio ameaçador, como o voo de um dragão invisível prestes a roubar-lhes a alma e a identidade.

domingo, 10 de agosto de 2025

A expulsão contemporânea do Paraíso

Mohr


    O cartune de Burkhard Mohr, intitulado Expulsion from paradise (publicado a 5 de agosto de 2025), funciona como uma alegoria sobre a catástrofe ambiental contemporânea e a insuficiência das respostas políticas para o problema. Numa primeira apreciação, vemos as figuras bíblicas de Adão e Eva, nuas e enquadradas no contexto da iconografia clássica, viajando numa jangada minúscula que ainda sustenta uma árvore verde. No lado oposto, irrompe uma massa avassaladora de detritos, uma onda onde a palavra PLASTIC (plástico) se impõe em letras maiúsculas e onde um documento intitulado AGREEMENT (Acordo) é engolido e rasgado. A referência bíblica estabelece de imediato um enquadramento moral e mítico (queda, perda do paraíso), enquanto os objetos quotidianos que compõem a onda, concretamente os copos, as garrafas, os talheres e os sacos, mostram que o “pecado” moderno não é metafísico, mas material e social.
    A jangada é desenhada com traço firme mas económico; ela é frágil, feita de troncos, e a árvore é pequena, o que sugere que o “paraíso” remanescente é mínimo e vulnerável. Em contraste, a massa de plástico é desenhada com maior densidade de sinais: traços soltos, rasgos, objetos reconhecíveis sobrepostos, uma coloração que mistura amarelo e verde doentio, e até um núcleo quase negro, um buraco voraz que confere à onda uma qualidade de máquina devoradora. A tipografia manual de PLASTIC, dispersa no interior da massa, converte o material em força discursiva; não se trata apenas de lixo, mas de um sujeito-agente que age sobre o mundo.
    Da boca de Adão sai um balão que contém uma fala sua: “The apple tasted good anyway!”. Ela constitui simultaneamente uma ironia e uma crítica mordaz: ironia, porque reduz o drama à satisfação imediata; crítica, porque salienta a lógica que sustenta a crise, isto é, o prazer momentâneo, o consumo imediato, a dissonância cognitiva perante consequências coletivas. Ao remeter explicitamente para o fruto que originou a expulsão bíblica, a frase transforma o plástico numa espécie de novo “fruto proibido”: agradável, conveniente, mas letal a longo prazo. Há aqui uma crítica dupla: ao indivíduo hedonista que prefere o prazer imediato e aos sistemas que transformam esse prazer em hábito de massa (indústria do descartável, publicidade, infraestruturas que normalizam o uso único).
    A folha de papel contendo a palavra “AGREEMENT”, presa à onda prenhe de lixo por uma espécie de pionés, configura uma denúncia do consumismo, bem como da forma como as pessoas poluem o ambiente. Por outro lado, a inscrição do cartune no contexto de uma conferência da ONU realizada em Genebra sobre a poluição por plástico, explicitada na legenda, convida o leitor a ver o acordo como algo que existe, se negoceia, porém, na prática, é impotente diante do comportamento quotidiano das pessoas. A imagem sugere que os compromissos são frágeis, ou seja, não passam de pedaços de papel arrastados por lógica económica que os supera. Além disso, a hiperbolização do tamanho da onda face à pequenez humana dramatiza a assimetria de poder entre sistemas (indústrias, cadeias de consumo, ecossistemas) e indivíduos. Outra leitura crítica possível gira em torno de um certo fatalismo. A imagem da onda inexorável e a folha do AGREEMENT a ser arrastada podem gerar uma sensação de desesperança: se até os acordos se rasgam, que eficácia cabe à ação política?
    Em suma, Expulsion from paradise é um cartune que condensa uma denúncia complexa em imagens nítidas e memoráveis: converte o plástico em personagem e em agente destruidor, transforma acordos em papel inútil e usa o mito de Adão e Eva para sublinhar uma perda histórica e comportamentos que condenam o ambiente terrestre.

sábado, 9 de agosto de 2025

Resumo do conto "Mantença inteira"

    O conto gira em torno de Maneca Gouveia, um homem de origens humildes, mas muito perspicaz e dotado de humor refinado. O seu discurso está recheado de frases espirituosas e ditos memoráveis, como os seguintes: "Enchei a barriga, nem que seja de ramalhos, pois o gosto só está na boca."; "Com o vinho, os homens não perdem o juízo, perdem é a vergonha.".
    Maneca era conhecido entre familiares e amigos pelos chistes inesperados e pela subtileza do humor, muitas vezes subversivo e irónico. Em determinado momento, após perder dinheiro apostado na ceifa, ele observa um frasco que a mulher guardava e, sem mais nem menos, quebra-o intencionalmente contra uma laje. Uma das atividades centrais entre os povos da raia é o contrabando, bem como a travessia clandestina de pessoas para o outro lado da fronteira, as quais exigem perícia e ludíbrio das autoridades, muitas vezes através do suborno, que lhes abre portas e sustenta a sua reputação. As cargas de contrabando mencionadas no texto são de café, pesando cada saco quatro arrobas, armazenados e escondidos, prontos para serem transportados de modo sigiloso pelas estradas ou trilhos que evitam a fiscalização dos polícias.
    Maneca anuncia que vai partir para Pitorino, também chamado Ituero de Azaba, um povoado vizinho em Castela, junto à ribeira Azaba. Ele e a esposa deslocam-se para lá uma vez por ano, por alturas de novembro, regressando após as primeiras neves, perto do Natal, fixando-se numa casinha alugada por algumas pesetas, onde oferecem serviços de calçado aos habitantes locais. O seu ofício de artesão (tamanqueiro) começa com o corte do couro, usando moldes de cartão, e a montagem com pregos de cabeça chata num bastão de amieiro, formando o "cabeçal", recortado em "quadras de Lua". Ele trabalha sem ferramentas sofisticadas, socorrendo-se apenas de tesoura, cutelo, navalha, martelo e um banco. Durante diversos dias, do nascer ao pôr do sol, fabrica tamancos sem parar, pressionado pelas solicitações da população, que exigia novos pares para a festa de Santa Bárbara.
    No dia 5 de dezembro, data da festividade, homens e mulheres têm os seus tamancos prontos. O tamanqueiro, seguindo o costume, acorda cedo com o som dos foguetes anunciando o início da festa. Depois da missa, dirigem-se ao adro e assistem à arrematação dos roscones, após o que o povo se dispersa: os homens vão à taberna e as mulheres voltam ao seu universo doméstico. À tarde, Gouveia e o amigo Martín encontram-se na venda do Constantino, entretendo-se até à chegada da noite. Após o último trago e já saciados, o espanhol convida o tamanqueiro para sua casa. Aí, Martín acolhe-o junto ao lume, oferece-lhe um barranhão de tremoços e diz-lhe que o lume é "meia mantença".
    Gouveia e a mulher regressam a casa, não sem antes convidar Martín a visitá-lo por alturas do Santo António. Depois de assistirem à tourada, já de noite e com o frio a apertar, vão para casa de tamanqueiro. Lá, este acende o lume da lareira e, de propósito, acende também um segundo lume na cozinha. De seguida, oferece a Martín um barranhão de tremoços, repetindo a frase, adaptada, que o amigo lhe tinha dito quando o recebera em casa: "Coge tchotchos, amigo Martín!... que una lumbre es media mantenza, pero dos son mantenza entera!". Ou seja, o tamanqueiro acrescentara ao lume um segundo fogo para completar a "mantença inteira", pagando dessa forma a hospitalidade recebida em dezembro: "Cá se fazem, cá se pagam."
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