O conto gira em torno de Maneca Gouveia, um homem de origens humildes, mas muito perspicaz e dotado de humor refinado. O seu discurso está recheado de frases espirituosas e ditos memoráveis, como os seguintes: "Enchei a barriga, nem que seja de ramalhos, pois o gosto só está na boca."; "Com o vinho, os homens não perdem o juízo, perdem é a vergonha.".
Maneca era conhecido entre familiares e amigos pelos chistes inesperados e pela subtileza do humor, muitas vezes subversivo e irónico. Em determinado momento, após perder dinheiro apostado na ceifa, ele observa um frasco que a mulher guardava e, sem mais nem menos, quebra-o intencionalmente contra uma laje. Uma das atividades centrais entre os povos da raia é o contrabando, bem como a travessia clandestina de pessoas para o outro lado da fronteira, as quais exigem perícia e ludíbrio das autoridades, muitas vezes através do suborno, que lhes abre portas e sustenta a sua reputação. As cargas de contrabando mencionadas no texto são de café, pesando cada saco quatro arrobas, armazenados e escondidos, prontos para serem transportados de modo sigiloso pelas estradas ou trilhos que evitam a fiscalização dos polícias.
Maneca anuncia que vai partir para Pitorino, também chamado Ituero de Azaba, um povoado vizinho em Castela, junto à ribeira Azaba. Ele e a esposa deslocam-se para lá uma vez por ano, por alturas de novembro, regressando após as primeiras neves, perto do Natal, fixando-se numa casinha alugada por algumas pesetas, onde oferecem serviços de calçado aos habitantes locais. O seu ofício de artesão (tamanqueiro) começa com o corte do couro, usando moldes de cartão, e a montagem com pregos de cabeça chata num bastão de amieiro, formando o "cabeçal", recortado em "quadras de Lua". Ele trabalha sem ferramentas sofisticadas, socorrendo-se apenas de tesoura, cutelo, navalha, martelo e um banco. Durante diversos dias, do nascer ao pôr do sol, fabrica tamancos sem parar, pressionado pelas solicitações da população, que exigia novos pares para a festa de Santa Bárbara.
No dia 5 de dezembro, data da festividade, homens e mulheres têm os seus tamancos prontos. O tamanqueiro, seguindo o costume, acorda cedo com o som dos foguetes anunciando o início da festa. Depois da missa, dirigem-se ao adro e assistem à arrematação dos roscones, após o que o povo se dispersa: os homens vão à taberna e as mulheres voltam ao seu universo doméstico. À tarde, Gouveia e o amigo Martín encontram-se na venda do Constantino, entretendo-se até à chegada da noite. Após o último trago e já saciados, o espanhol convida o tamanqueiro para sua casa. Aí, Martín acolhe-o junto ao lume, oferece-lhe um barranhão de tremoços e diz-lhe que o lume é "meia mantença".
Gouveia e a mulher regressam a casa, não sem antes convidar Martín a visitá-lo por alturas do Santo António. Depois de assistirem à tourada, já de noite e com o frio a apertar, vão para casa de tamanqueiro. Lá, este acende o lume da lareira e, de propósito, acende também um segundo lume na cozinha. De seguida, oferece a Martín um barranhão de tremoços, repetindo a frase, adaptada, que o amigo lhe tinha dito quando o recebera em casa: "Coge tchotchos, amigo Martín!... que una lumbre es media mantenza, pero dos son mantenza entera!". Ou seja, o tamanqueiro acrescentara ao lume um segundo fogo para completar a "mantença inteira", pagando dessa forma a hospitalidade recebida em dezembro: "Cá se fazem, cá se pagam."
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