Para
dar apoio a teoria cientificista, os autores naturalistas criaram narradores
oniscientes impassíveis, do tipo que pode ver tudo e por todos os ângulos. Nas
suas obras as descrições são precisas e minuciosas, frias e fiéis aos aspetos
exteriores. As personagens são vistas de fora para dentro, como casos a
estudar. Não há aprofundamento psicológico, e o que interessa são as ações
exteriores e não os meandros da consciência. O narrador de O cortiço esta em
terceira pessoa, e onisciente, mas não deixa de fazer intromissões constantes
na narrativa: E [Miranda] pôs-se a passear no quarto sem vontade de dormir,
sentindo que a febre daquela inveja lhe estorricava os miolos. Feliz e esperto
era o João Romão! Esse, sim, senhor! Para esse e que havia de ser a vida!...
Filho da mãe, que estava hoje tao livre e desembaraçado como no dia em que
chegou da terra sem um vintém de seu! Esse, sim, que era moco e podia ainda
gozar muito[...] (AZEVEDO, 2004, p. 29, grifo nosso). Aqui, o narrador utiliza
o discurso indireto livre sem as marcas dos travessões e a presença de verbos dicendi
para julgar o comportamento de Miranda, o dono do sobrado ao lado do cortiço de
João Romão, isto é, o narrador tem total acesso ao pensamento dos personagens
sem se envolver com eles, o que lhe possibilita analisar, observar,
distanciar-se do objeto em estudo e revelar dos fatos uma impressão de
realidade. A linguagem de O cortiço e afinada com o estilo naturalista,
ou seja, simples, e apresenta o ambiente físico e social detalhadamente, como
se o narrador estivesse munido de uma 16 máquina fotográfica, que lhe
permitisse compor e decompor os detalhes de cada cena, pretendendo retratar de
maneira fiel a realidade focalizada. O cortiço é tornado pelo narrador
como o protagonista do romance, tratando de caracteriza-lo e descreve-lo
minuciosamente, como um verdadeiro personagem naturalista deveria ser descrito.
Constata-se isso em uma amostra de uma passagem do livro que revela o amanhecer
no cortiço: Eram cinco horas da manha e o cortiço acordava, não os olhos, mas a
sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem
dormiu de uma assentada sete horas de
(op. cit., 2004, p. 37) chumbo. [...]. Como exemplo de detalhamento de
personagens como tipos sociais, temos: Jerónimo era alto, espadaúdo, construção
de touro, pescoço de Hercules, punho de quebrar um coco com um murro: era a
forca tranquila, o pulso de chumbo. O outro - franzino, um palmo mais baixo que
o português, pernas e braços secos, agilidade de maracajá: era a forca nervosa;
[...]. Um solido e resistente; o outro, ligeiro e destemido; mas ambos
corajosos.(op. cit., 2004, p.119). Esse trecho narra características de Jerónimo,
o português que se apaixona por Rita Baiana, e descreve também o brasileiro
Firmo, namorado da mulata. O português com seu porte de atleta enamora-se da
garota e deixa o mulato brasileiro enciumado. Começa aqui uma competição entre
Firmo, um ágil e franzino capoeirista com o robusto Jerónimo. Numa frequente narração
impessoal e de descrições minuciosas, com muitas sugestões visuais, olfativas, táteis
e auditivas, a linguagem de O cortiço esta caracterizada pela adoção de
uma postura analítica e cientifica diante da realidade, o que torna a narrativa
lenta, como acontece na cena seguinte: Entretanto, das portas surgiam cabeças
congestionadas das ondas: pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as
xicaras a tilintar; [...] No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos,
sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de
galos, cacarejar de galinhas. [...]. (op. cit., 2004, p.37) Constata-se, ainda,
a maneira descritiva de uma denuncia da sociedade que "mostra o homem como
um ser escravizado pelo meio, raça e época" (MARQUES Jr., 2000, p. 28),
pois se observa a exploração do homem pelo homem, o problema da moradia
popular, os conflitos humanos, termos que são vistos à luz dos princípios do
Naturalismo.
sexta-feira, 25 de julho de 2025
Foco do narrador de O Cortiço
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